Análise:
Isolados (Isolados / 2014 / Brasil) dir.Tomas Portella
por
Lucas Wagner
Não é raro se apontar
que o Cinema brasileiro pouco se dedica à exploração de obras cujo objetivo não
passa de exercício de gênero, não ambicionando algo deveras profundo ou
singular, por assim dizer. Cinema desse tipo é, quando bem feito, refrescante
em sua pureza despretensiosa, e o Brasil aos poucos demonstra tendência a se
dedicar um pouco mais a isso. Mas, se suas comédias se mostram, em grande parte
das vezes, sofríveis, há relativo pouco tempo, 2 Coelhos foi um esforço digno no caminho do Cinema de gênero, e
agora esse Isolados revela-se uma
tentativa não menos louvável nessa trilha ao conseguir equilibrar-se
eficazmente entre o slasher (horror
com assassinos psicopatas) e o terror psicológico.
Com roteiro do diretor
Tomas Portella e Mariana Vielmond, a história acompanha o psiquiatra Lauro
(Bruno Gagliasso) e sua namorada Renata (Regine Alves). Ambos fazem uma viagem
de férias a uma casinha isolada sem saber que nas redondezas vem ocorrendo uma
série de sangrentos assassinatos de mulheres. Depois que Renata é atacada (por
favor, isso não é spoiler, mas sim
muito previsível), Lauro se vê pressionado ao ter que lidar com os sádicos e
com a depressão da namorada.
Ao nunca mostrar
fisicamente os tais sádicos, Isolados consegue
transformar esses supostos vilões em seres infinitamente mais assustadores e
ameaçadores do que se realmente os víssemos, já que assim ganham matéria de
fantasmas, quase sobrenaturais. Além disso, o longa ganha pontos ao conseguir
imprimir uma constante atmosfera de claustrofobia pela sombria fotografia de
Gustavo Hadba, que transforma aquele universo em algo sem vida e frio. Ainda, a
fotografia merece créditos por conseguir fazer com que boa parte da obra se
passe em um ambiente iluminado por velas ou por uma lareira, conseguindo nunca
deixar o espectador confuso ou cego diante do que ocorre, mas alcança o efeito
desejado de imprimir um tom macabro e infernal aos acontecimentos que tomam
conta da narrativa a partir de sua metade. O design de produção também se mostra eficaz ao construir uma casa
que passa a sensação de mal assombrada sem nunca escancarar esse efeito.
É uma pena então que o
diretor Tomas Portella acabe tropeçando tanto no processo de arrepiar o
espectador, em especial na primeira metade da produção, apesar da ótima introdução
pré-título. A boa trilha sonora acaba sendo abusivamente utilizada, e ainda de
maneira errônea com o objetivo de fazer saltar o espectador, algo ainda mais
lamentável se contarmos as vezes em que o diretor causa ingratos sustos com
animais ou objetos inanimados... coisa de amador. Ainda assim vale dizer que os
esforços do cineasta acabam sendo muito mais bem sucedidos a partir do momento
da produção em que Renata é atacada, pois então o diretor consegue imprimir uma
atmosfera de angústia palpável, coadunada pela sensação constante de alucinação
e delírio, essenciais para que a obra funcione, e efeitos aqui conseguidos a
partir do ótimo uso de câmeras inclinadas e lentes grande angulares que
distorcem o campo em que a ação acontece, além dos fechados planos nos rostos
atormentados dos personagens. Além disso, o diretor é hábil e inteligente na criação
de pistas orgânicas sobre o clímax ao longo da obra.
Ainda para que o filme
funcione por completo, o trabalho psicológico envolvendo seu protagonista,
Lauro, é vital. E assim, é notável como o roteiro é eficiente ao oferecer detalhes
ao longo da projeção que transformam Lauro num indivíduo muito mais complexo e
multifacetado do que se esperaria do almofadinha que aparece no início do filme.
Assim, certas falas suas são importantes para se fazer uma leitura psicológica
mais acurada do sujeito, e oportunidades de ouro surgem em falas chaves como a
que, acusado de uma necessidade de controle por Renata, ele pergunta, mais
chocado do que deveria: “O que você quer dizer com isso?”. Ainda, em certo
momento diz para Renata, quase como em tom de ordem: “Agora você quer viver e
permanecer ao meu lado”. Essas falas, em especial a primeira, revelam uma
insegurança palpável em um indivíduo aparentemente seguro e louco por controle.
Para isso, Gagliasso
revela-se um profissional formidável no processo de compor Lauro e toda sua
complexidade, trabalhando tiques precisos e falhas adequadas nos tons de voz
amedrontados do personagem, além de olhares escancarados em momentos em que
parece mais fragilizado. Mais importante ainda é a intensidade com que o
sujeito vai representando o arco dramático do protagonista. Além dele, Regiane
Alves acerta em cheio ao conseguir viajar por todas as complexas nuances
exigidas pela figura de Renata.
Apesar de todos acertos
em meio a alguns erros na construção do terror, Isolados ainda apresenta uma série de lamentáveis equívocos que
(espero) se extinguirão com o amadurecimento do diretor. Esses pecados se
encontram muito concentrados nas desnecessárias quebras no fluxo narrativo, em
especial na primeira metade do filme, que, mais do que uma necessidade do
roteiro, evidencia uma insegurança por parte dos realizadores. Os flashbacks são absolutamente
dispensáveis, assim como basicamente todas as cenas envolvendo os policiais.
Ainda, a montagem que explica a revelação final é sinal inequívoco de
intragável amadorismo.
Ainda assim, Isolados é um esforço digno dentro dos
gêneros que explora, tanto como matéria de Cinema nacional quanto mundial, já que
o longa não faz feio frente a recentes e competentes colegas internacionais
dentro do mesmo quadro temático, como o norte americano You’re Next e o britânico A
Lonely Place to Die.
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