Análise:
O Que Os Homens Falam (Una Pistola En Cada Mano / 2013 / Espanha) dir. Cesc Gay
por
Lucas Wagner
O
Que Os Homens Falam é uma comédia sincera feita como um
diálogo de homens para homens. Não que não possa ser apreciado por mulheres
(muito pelo contrário), mas esse longa de Cesc Gay é uma honesta exposição de
inseguranças, anseios e neuroses de típicos exemplares de machos heterossexuais
de meia idade pertencentes à classe média, contada a partir de uma série de
pequenas histórias que, longe de caírem no melodrama, tampouco abraçam uma
posição de “machão” e vira a cara para os problemas emocionais de seus
personagens.
As fontes dos tormentos
desses homens não poderiam ser mais naturais, e partem de angústias envolvendo
a decepção/vergonha de ser mais um tipo ordinário e fracassado, da recusa de
ver um relacionamento indo pelo ralo, da culpa por ter “trocado o certo pelo
duvidoso”, e mesmo da dificuldade de compartilhar intimidades profundas com
amigos também homens. Mais interessante é que os personagens nunca se comportam
de forma histérica ou excessivamente emocional, mas sim expondo uma história de
educação de “como um homem deve agir”, buscando sempre manter-se numa posição
de honra, queixo erguido e firmeza de decisões, mesmo que, intimamente, tudo
isso se revele uma farsa.
Se já foi dito que “homem
que chora calado, por isso deve ser respeitado”, os personagens de O Que Os Homens Falam seguem à risca
essa regra e, por mais que revelem profundos “defeitos de caráter” (trair
esposas, assumir posições muito machistas e cínicas, etc), é inegável que
reconhecem uma espécie de código de honra e muitas vezes revelem simpatia por
um companheiro que enfrenta um problema com o qual podem se identificar. Aliás,
esses personagens são todos extremamente complexos e frágeis, e justamente por
isso podemos adotar um olhar que vá além de suas “falhas de caráter” e perceber
as inseguranças e medos presentes em seu cerne. O que, é claro, é muito devido
ao invejável talento do elenco, em especial no que diz respeito a Javier Cámara,
Eduardo Noriega, Luís Tosar e, obviamente, Ricardo Darín.
Se Cámara diverte e
comove ao mesmo tempo ao interpretar um sujeito que, depois de ter cometido
adultério, se arrasta pela ex-esposa enquanto aparentemente acha que não está
se envergonhando, Noriega tem talento suficiente para impedir que seu
personagem se torne um sujeito detestável ao tentar trair sua esposa (com quem
tem um filho de um ano de idade), e isso se dá pela capacidade do ator de
despertar a simpatia do espectador ao evidenciar sua insegurança quase infantil,
para isso investindo em detalhes notáveis em sua composição, como ao tentar
arrancar pedaços de um velho adesivo em uma parede enquanto conversa com uma
mulher. Luís Tosar cria um homem admirável e maduro, principalmente na atitude
de ouvir um companheiro e ajudá-lo, mesmo que isso o prejudique. Agora, Ricardo
Darín mais uma vez se mostra um mestre trabalhando, e cria uma das figuras mais
complexas e intrigantes da obra, demonstrando uma doçura e inocência juvenis
que em nenhum momento abole seu ar de homem maduro, sério, mas um tanto
egocêntrico e idealista, que tenta ver o ato de ser chifrado como “algo muito
instrutivo”.
Mas o mais interessante
da obra é a visão que Gay apresenta das mulheres. Essas são aqui sinal de
sabedoria, maturidade e seriedade. Não que sejam criaturas idéias e impecáveis,
mas sua maturidade vem justamente pela quantidade de sofrimento que enfrentaram
nas mãos das inseguranças de seus companheiros, demonstrando uma capacidade
admirável de transformar essa dor em aprendizado e reorganizar-se em suas
próprias vidas. Nunca deixam, porém, de servir de guias para os confusos
machos, e é curioso como muitas delas, mesmo claramente deixando entrever
frestas de remorsos, são essenciais para que os homens aqui possam enxergar-se
melhor e se compreender um pouco mais. Além disso, elas não deixam de se
divertir com as muitas imaturidades dos companheiros do sexo oposto, seja vendo
a dificuldade de um amigo se abrir para o outro ou ainda ao ver (mesmo que com
certa pena) o ex-marido se arrastando depois de cometer tantos erros.
E se o elenco dos
homens apresenta notável excelência, o das mulheres não fica nada para trás, e
somos presenteados com performances maduras de atrizes que parecem compreender
bem o que passam suas personagens (em especial no caso de Maria,
maravilhosamente interpretada pela linda Leonor Watling). Vale dizer, ainda,
que Cesc Gay não é o único cineasta a apresentar essa visão de mulheres sábias
em meio a homens confusos, sendo corroborado nesse perspectiva por nomes de
peso como Terrence Malick (Amor Pleno)
e Edgar Wright (The World’s End).
Gay consegue mostrar-se
um diretor discreto e talentoso, apresentando alterações no posicionamento de
câmera (como ao saltar o eixo) para ilustrar mudanças de rumos nos diálogos. E
se poderia fazer um drama existencial, o diretor apresenta a (acertada)
preferência pela comédia, acertando na maior parte do tempo. Pois se alguns
raros momentos são muito pueris (como a história que termina com um personagem
derrubando vários pertences), a maior parte da comicidade da obra apresenta
segurança e maturidade notáveis, com o diretor demonstrando talento ao sempre
começar suas histórias com certa normalidade para depois ir tomando rumos mais
malucos e embaraçosos, embora nunca inverossímeis ou irrealistas. Ainda, muito
do humor surge da própria compreensão do espectador de variáveis desconhecidas
pelos personagens, como quando dois amigos se encontram lado a lado, um sabendo
mais do que deveria sobre o outro, mas sem saber o que o outro sabe, fazendo
surgir daí um sentimento mútuo de vergonha.
Enfim, obra leve e
agradável, O Que Os Homens Falam pode
tocar qualquer homem, ou mulheres vítimas de suas inseguranças. E é justamente
por fazer com que o espectador ria de situações pelas quais sabe que poderia
muito bem passar, que a comédia é um sucesso.
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