sábado, 17 de maio de 2014


Análise:

Godzilla (Godzilla / 2014 / EUA) dir. Gareth Edwards

por Lucas Wagner

Quando escrevi sobre Círculo de Fogo e RoboCop comentei que esses filmes, mesmo admiráveis em diversos aspectos, sofriam do problema cada vez mais comum em blockbusters, que insistiam em contar suas histórias com afobação na tentativa de manter seus espectadores interessados, sacrificando assim a elegância e o desenvolvimento dos personagens. Em Godzilla, o diretor Gareth Edwards apresenta o admirável esforço de ir contra essa tendência, fazendo de seu trabalho uma obra que conta sua história com calma e que tenta humanizar mais seus personagens. No entanto, é incrível como, mesmo tendo a idéia certa e ótimas intenções, o diretor nunca consiga tornar seu filme realmente interessante, e o que vemos é um longa perfeitamente enquadrado na palavra “enfado”.

Godzilla começa estabelecendo bem as bases de sua trama, e a visão do enorme fóssil e de todo o mistério envolvido em torno da proteção de um segredo conspiratório fazem com que consigamos nos interessar pelo o que está por vir. Além disso, o tempo que o diretor leva para desenvolver os conflitos familiares entre o protagonista e seu pai é admirável justamente por ser um esforço concreto de dar maior estofo psicológico àquelas pessoas.

O problema aqui é que o filme não faz jus à suas ótimas bases, e no processo descobrimos o quanto a história da conspiração é forçada e desinteressante, assim como os personagens, tão unidimensionais que destroem qualquer possibilidade de um elenco tão admirável quanto o visto aqui fazer alguma coisa. Assim, somos obrigados a ver talentos como Elizabeth Olsen (linda demais), Julliete Binoche e Sally Hawkins presas em personagens descartáveis, enquanto o protagonista interpretado pelo geralmente competente Aaron Taylor-Johnson é tão desinteressante quanto à trama em si. E mesmo que Bryan Cranston e Ken Watanabe consigam conferir intensidade e peso aos seus personagens, esse esforço hercúleo cai por terra quando seus conflitos internos se revelam vazios.

Quanto à trama, a impressão que fica é que o roteiro de Max Borenstein passava a impressão de uma re-imaginação do Godzilla clássico, com uma aparência de inteligência por conter monstros que apresentam riscos ao forçarem uma queda de energia, o que poderia gerar uma metáfora interessante em uma época tão dependente de tecnologias. Mas essa discussão nunca decola, e em meio a uma estrutura repetitiva e formulaica, Gareth Edwards faz o que pode para construir a tensão, acertando na expectativa que cria em torno do monstro-título que, mesmo quando faz sua primeira aparição, é mostrado com parcimônia pelo diretor, deixando o espectador ainda mais tenso na expectativa do que está por vir. O problema é que toda a ação que decorre do monstro em si não justifica a tensão criada, e a brochada do espectador é inevitável, criando a sensação de que, no fim das contas, nem estávamos assistindo um filme evidentemente sobre o Godzilla.

Ao menos o longa não decepciona no quesito visual, e as criaturas digitais dificilmente traem sua natureza virtual, ao passo em que as sequências de ação funcionam relativamente bem. E embora abuse da trilha sonora de Alexandre Desplat (decepcionante frente outros trabalhos desse mesmo compositor), Edwards comprova seu talento na composição de alguns planos de inegável beleza estética, como quando vários paraquedistas saltam rumo à cidade destruída. Nada aqui, no entanto, se compara a algum plano bonito como o de Monstros (seu filme anterior) em que trás dois alienígenas interagindo fisicamente enquanto os protagonistas se beijam.

No fim das contas, o enorme problema de Godzilla consiste no fato de ser um filme insuportavelmente arrastado, tão arrastado que consegue fazer com que percamos qualquer interesse no que estamos assistindo. Afinal, mesmo a trama sendo ridícula, poderia ter se tornado ao menos divertida se contada com mais agilidade e não fosse tão mesquinha na hora de explorar os potenciais de seu monstro-título. Já o problema dos personagens vazios seria mais difícil de contornar.

No fim, Godzilla é uma obra decepcionante, principalmente frente à excelente campanha de marketing desenvolvida para o longa. E ao lembrar que, ano passado, Gareth Edwards se referiu a esse projeto como o seu “filme de arte” ou “filme de autor”, penso que o diretor tem a pobre visão de que o que classifica um trabalho mais “artístico” é ser chato. Se for assim mesmo, as esperanças para o diretor do ótimo Monstros diminuem drasticamente.   


Nenhum comentário:

Postar um comentário