Análise:
Entre Nós (Entre Nós / 2014 / Brasil) dir. Paulo Morelli
por
Lucas Wagner
A coisa mais
assustadora da vida é algo sem forma, mas cruel e impiedoso como um demônio: o
tempo. Ele que nos dirá se nossos sonhos não passam de delírios, se o
amor/paixão que sentimos por alguém durará muito ou pouco, se a euforia que uma
idéia desperta terá algum futuro ou se será apenas fogo de palha... não há nada
mais aterrorizante e triste do que olhar-se no espelho e não reconhecer-se
mais, pois tudo o que antigamente parecia te definir tão bem, hoje não é nada.
E essa é (ou deveria ser) a base desse sensível filme de Paulo Morelli, Entre Nós, que trata do reencontro de
amigos escritores 10 anos depois de terem escrito e enterrado cartas para seus
eus mais velhos, e também 10 anos após a trágica morte de um deles num acidente
de carro.
Com um grupo de
personagens cuja paixão comum é a Arte, particularmente a Literatura, o roteiro
de Paulo e Pedro Morelli já tem a sorte de contar com indivíduos que podem
discutir a vida e encontrar beleza nas coisas sob influência de mestres como
James Joyce, criando debates que soam interessantes justamente pela inteligência
daqueles que conversam, como em todo o diálogo envolvendo a ditadura e a
criatividade.
Mas Entre Nós tem mesmo seus melhores
momentos quando se foca em explorar as cicatrizes psicológicas de seus
personagens, muitas vezes referentes ao contraste das vidas que achavam que
teriam com aquelas que tem. Não é a toa que Rafa (Lee Taylor), o jovem que
morreu no acidente, é uma figura que paira sobre seus amigos envelhecidos como
um fantasma, um eterno ídolo que, a exemplo de Kurt Cobain, o fato de ter
morrido jovem o caracteriza como uma promessa imortal, que não teve tempo suficiente
para se tornar uma decepção. Assim, é claro que o momento de abrir as cartas
escritas 10 anos antes é esperado com antecipação e medo, medo do choque que
vai fazer com que a angústia fantasmática que sempre sentem finalmente adquira
uma forma material.
O grande problema do
filme é que Morelli parece não achar suficiente o minimalismo destes sentimentos tão
dolorosamente comuns, e investe mais da metade da energia da obra
na exploração do drama envolvendo o personagem Felipe (Caio Blat), que dá ao
longa uma maior potência dramática, mas faz com que ele perca um pouco da
universalidade que permitia com que nós, espectadores, nos identificássemos
tanto com o que estávamos vendo. Pois é ao ver o romântico e inocente Gus
(Paulo Vilhena, sempre muito talentoso) sofrendo por rever uma antiga paixão e
ter encarar o fato de que o namoro de antes nunca passou de temporário, e ainda
tendo que encarar sua própria insignificância (quando uma amiga diz “Você não
existe”, ele repete a fala para si mesmo, num dos momentos mais doídos da
projeção), ou ainda ver Drica (Martha Nowill – excelente), sempre ativa e
brincalhona, sofrendo pela incompletude que sente por não ser mãe... esses sim
são elementos que trariam futuro para a obra.
Com uma direção
adequadamente sensível que envolve planos fechados com profundidade de campo
reduzida para isolar os personagens em suas amizades e desfocar o resto do
mundo, Paulo Morelli ainda investe em diálogos numa mesa de jantar com a câmera
se movendo o tempo inteiro, sugerindo a dinâmica da conversa e o próprio
movimento das idéias fluindo. No entanto, é patente a certa insegurança que
Morelli demonstra no uso quase ininterrupto da trilha sonora melancólica para reforçar
o drama dos personagens, e ainda investindo em metáforas visuais que, isoladas,
surgem interessantes, mas não são lá grande coisa no contexto da obra como um
todo (como o comportamento de três personagens distintos frente a animais em
apuros). Acima de tudo, no entanto, o que se destaca são os diálogos criados
pelo roteiro, sempre sinceros e até viscerais, sendo capazes de dizer o mundo
sobre seus personagens em apenas algumas palavras, muitas vezes mascaradas de
forma cômica.
Beneficiado por um
elenco fenomenal que consegue transformar cada uma daquelas pessoas em seres
extremamente complexos, ambíguos e delicados, Entre Nós, no entanto,
não deixa de passar a impressão de decepção, pois se consegue mexer em
profundas feridas emocionais que, mesmo pertencentes a personagens
particulares, conseguem dizer muito sobre a humanidade como um todo, ainda tem
uma enorme insegurança ao não acreditar que isso bastaria para fazer do filme
algo tão relevante, preferindo focar-se num drama dramático demais para
realmente dizer algo sobre o que significa ser humano.