Análise:
Instinto Materno (Pozitia Copilului / 2013 / Romênia) dir. Calin Peter Netzer
por
Lucas Wagner
Em diversos aspectos,
esse Instinto Materno lembra a obra
prima Mother – A Busca Pela Verdade,
de Bong Joon-ho, mas os dois filmes se diferenciam em algo essencial: sua
protagonista. Se o longa sul-coreano acompanhava uma senhora doce e humilde,
que logo de cara cativava o espectador, esse romeno dirigido por Calin Peter
Netzer acompanha uma mulher que, mesmo claramente amando seu filho, se revela
manipuladora, calculista e um tanto perversa.
O roteiro do próprio
Netzer e Razvan Radulesco inicia sua ação quando Barbu (Bogdan Dumitrache)
acidentalmente atropela um garoto de 14 anos, podendo, então ir para a prisão.
Sua mãe superprotetora, Cornelia (Luminita Gheorghiu), então vai fazer de tudo
para impedir isso.
Netzer logo de cara
agride o espectador ao abrir o longa com um corte abrupto que já nos lança no
meio de um diálogo tenso entre Cornelia e sua irmã, quando a primeira desabafa
sobre suas brigas com o filho. Assim já estabelece a abordagem crua que vai
usar, e durante todo o longa prevalecem os cortes secos e a câmera instável que
não se cansa de usar primeiros planos fechadíssimos no rosto dos atores,
utilizando-se também de close-ups bruscos
que contribuem para o sentimento de angústia. Os ambientes sempre fechados
contribuem ainda para uma sensação de claustrofobia, corroborada por uma
fotografia sombria em seus tons azuis e pretos, que contrastam com o amarelo
quente que caracteriza algumas das cenas iniciais que mostram o aniversário de
Cornelia, antes do acidente provocado pelo filho. Ainda, o diretor acerta na construção
de uma mise en scène inteligente, em
especial na cena em que estão presentes dois policiais, Barbu e Cornelia, e se
esta é enquadrada na mesma altura de um policial, o seu filho já se encontra
sentado ao lado de uma policial de pé, estabelecendo-se assim numa posição de
ameaçado que é diametralmente oposta à situação da mãe com o outro policial.
Mãe esta que se revela
uma personagem extremamente complexa e ambígua. Cornelia não parece aceitar que
Barbu já é um homem feito, e constantemente busca se inserir no contexto da
vida do filho, o que fez com que esse desenvolvesse uma personalidade que visa
sempre agredir a mãe, como uma forma de buscar seu próprio espaço (por isso um
diálogo que ocorre entre os dois quase no fim da obra é tão fascinante, como se
coisas que já deveriam ser ditas finalmente estivessem vindo à tona). Rica,
influente, poderosa e vivendo em um meio idem, o freneticismo da vida social de
Cornelia já é adequadamente capturada por Netzer no inicío do filme, na festa
de aniversário, quando o diretor corta com velocidade gritante através de
apertos de mão e cumprimentos. O ponto fraco da mulher é mesmo o filho, e
quando recebe a notícia do acidente, uma das primeiras perguntas que faz é se
Barbu estava correndo, buscando, como tantas mães, ver se seu filhote não
estava fazendo algo errado.
Mas sua relação com o
rapaz (?) apresenta características mais perversas, até mesmo edipianas, e a
cena em que a senhora faz uma massagem no filho tira qualquer dúvidas em
relação à isso, tamanho o poder erótico do momento. E talvez seja por esses
sentimentos mais ambíguos que Cornelia se sinta tão ameaçada por Carmen (Ilinca
Goia – atuação adequadamente melancólica), namorada de Barbu, algo que fica bem
evidente na excelente sequência em que a senhora finge não estar no apartamento
do filho enquanto a nora bate na porta, indignada.
Mas uma das
características que melhor define Cornelia talvez seja mesmo a de manipuladora.
Desde o início mantém uma postura de ataque que revela certo calculismo de
ações, embora um tanto desesperadas (como mandar o filho alterar o depoimento
da polícia na frente dos tiras) e, às vezes, fica evidente a dimensão de sua
perturbação quando apóia-se em esperanças tolas que, antes que alguém lhe
mostre isso, não lhe parecem muito pueris, como ter alguma esperança de que a
autópsia da criança morta possa livrar a cara do filho. Mas, muito embora ame o
filho, é notável como a senhora busca sair ganhando frente às diversas
negociações que trava, como quando conversa com a testemunha, naquela que é a
melhor cena do filme: Cornelia tem dinheiro suficiente para pagar o que a
testemunha exige, assim salvando a cara do filho, mas busca conseguir uma forma
de não pagar e ainda ter o que quer; o problema (e o que torna a cena tão
fascinante) é que a testemunha é tão manipuladora quanto ela. Aliás, a dimensão
da personalidade controladora de Cornelia ganha contornos ainda mais notáveis
no rápido gesto (capturado com maestria pelo diretor) do olhar que Barbu lança
a ela quando lhe é exigido um exame de sangue, recebendo um discreto meneio de cabeça em resposta, e tal cumplicidade
revela algo de extraordinariamente complexo da relação dos dois: muito embora
ele esteja sempre em posição de ataque à mãe, esse olhar revela um ato de
perguntar se deve ou não obedecer às ordens dos policiais, revelando uma
atitude dependente que, se não fica muito evidente no plano consciente, pelo
menos inconscientemente se estabelece com força.
Pois se há algo que
grita em Instinto Materno é a influência
destruidora que Cornelia exerceu em Barbu, transformando-o num homem neurótico
e claramente confuso quanto ao que quer, o que leva Carmen à um comportamento
de triste desamparo justamente por não saber como se comportar com o namorado,
encontrando que talvez a única solução possível seja o término. E para que a
influência esmagadora de Cornelia tenha verossimilhança, Luminita Gheorghiu tem
uma performance poderosa sem a qual o longa não funcionaria tanto. Mas os
maiores méritos da atriz se referem ao final do filme, simplesmente
impecável, já que o que começa como uma tentativa de manipulação por parte da
protagonista logo se transforma em emoção verdadeira, doída e massacrante, em
um momento que poderia render prêmios à Gheorghiu.
Angustiante do primeiro
ao último plano, Instinto Materno é
uma obra que dificilmente agradará espectadores desejosos de muito suspense
escancarado, mas certamente surpreenderá aqueles que sabem ler nas entrelinhas
de uma destrutiva relação entre mãe e filho que, no entanto, não deixa de
guardar em si um pouco do afeto que há nesse tipo de relacionamento.
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