Análise:
Tudo Por Justiça (Out Of The Furnace / 2014 / EUA) dir. Scott Cooper
por
Lucas Wagner
Um filme com um elenco
repleto de grandes nomes na maioria das vezes representa alguma espécie de
insegurança do respectivo cineasta que, ao se cercar de muitos atores
competentes de renome, parece buscar uma muleta para que seu projeto acabe
funcionando em pelo menos algum nível. O grande problema é que mesmo atores
muito talentosos dificilmente podem fazer alguma coisa relevante com papéis que
não lhes oferecem essa oportunidade. E esse é exatamente o caso de Tudo Por Justiça.
O longa com roteiro de
Scott Cooper e Brad Ingelsby conta a história de Russell Baze (Christian Bale),
um operário de uma usina que, pouco depois que sai da prisão, tem seu irmão
mais novo brutalmente assassinado. Frustrado com a falta de eficiência da
polícia, Russell passa se sentir tentado a buscar justiça com as próprias mãos,
por mais que isso possa levá-lo de volta à cadeia.
Apesar de a sinopse
deixar bem claro qual é a trama principal da obra, o diretor e co-roteirista
Scott Cooper (do também fraco Coração
Louco) só começa a trabalhá-la mesmo com mais de uma hora de filme,
testando a paciência do espectador até o limite com sequências aparentemente
sem propósito, não aproveitando o tempo nem mesmo para desenvolver seus
personagens com propriedade.
E esse é o maior
defeito do filme: seus personagens. Indivíduos unidimensionais e nada
complexos, eles ainda acabam por revelar o profundo maniqueísmo do roteiro,
cujas noções sobre Bem e Mau são definidas e nunca esbarram em qualquer
ambiguidade, o que é pior ainda se considerarmos que se trata de uma obra que
parece querer falar sobre um homem bom levado a seus limites. E para isso basta
ver como Russell, o protagonista, é uma figura sempre benigna, humilde, bondosa
e prestativa (e não duvido que o visual à lá Jesus Cristo de Christian Bale
tenha sido planejado), que usa sempre roupas mais claras e desgastadas
(representando seu esforço de homem trabalhador), entrando em profundo
contraste com a figura do vilão Harlan DeGroat (Woody Harrelson), que desde a
primeira cena é apresentado como o mal encarnado, é desumano, psicopata e
brutal, e vem sempre envolvido em sombras, inclusive pelas suas roupas escuras.
Esse maniqueísmo impede
que o filme consiga fazer de Russell o protagonista que obviamente queria ter.
Ficam bem representados os objetivos de Cooper quando ele coloca a bela canção
“Release” de Pearl Jam como tema do personagem, em que Eddie Vedder canta sobre
um homem sofrido que finalmente encontra libertação. Mas Russell não faz jus à
música que lhe representa, e na verdade é, a todo momento, um sujeito
inverossímil em sua bondade extrema. Ao pintá-lo como uma espécie de santo-sofredor-mas-que-continua-sempre-bom,
Cooper impede que o personagem adquira qualquer complexidade, e na verdade o
torna um sujeito passivo que nem mesmo as provações que é obrigado a enfrentar
na metade final da projeção o fazem mais tridimensional, já que a partir desse
momento, Russell parece se tornar um fantasma movido por vingança, e não um
homem movido pela dor do luto e pelas frustrações que foram tomando conta de
sua pessoa. Assim, Christian Bale tem muito pouco o que fazer com o personagem,
e se alcança alguma eficácia é porque é talentoso o suficiente para conseguir
compor Russell como uma figura cuja bondade parece honesta, assim como a dor
(embora o roteiro não deixe que ele explore bem isso), como na cena em que,
antes de começar a chorar (exagero do roteiro), demonstra na voz toda a
dimensão de seu sofrimento em relação à agora grávida ex-namorada.
Mas não é só Bale que é
prejudicado. Tudo Por Justiça tem a
capacidade de desperdiçar todo o talento que atores como Sam Shepard e Zoe
Saldana teriam para oferecer, ao relegá-los a papéis ingratos e frustrantes. E
se Casey Affleck parece conseguir mais sucesso do que os outros, isso na
verdade se dá porque seu Rodney é o personagem mais complexo do filme, enquanto
Willem Dafoe é competente ao transformar John Petty numa figura ambígua por
natureza, já que seu caráter afetuoso entra em contraste com os negócios sujos
com que trabalha. Já Woody Harrelson, preso ao vilão unidimensional e
arquetípico que é DeGroat, ao menos consegue ser eficaz o suficiente para
transformá-lo num ser realmente ameaçador, conseguindo ainda até inserir um
fiapo de complexidade no certo respeito que parece ter por Rodney. Fechando o
elenco, Forest Whitaker se encontra num papel ingrato como nunca, mas demonstra
ser um ótimo profissional ao investir numa entonação de voz grossa, firme e
rouca, compondo assim o policial Wesley Barnes como uma figura forte porém
fatigada pelo que a vida já teve para lhe oferecer.
Sem apresentar qualquer
preocupação em transformar seu filme numa obra marcante no sentido de forma ou
estilo, Scott Cooper tem uma direção burocrática cuja câmera tremendo parece
ser o ápice de sua criatividade. Na verdade, dentre os raros momentos em que
demonstrou alguma inventividade maior, estão as cenas envolvendo a última luta
de Rodney e a caça de Russell e seu tio na floresta, cenas que vem intercaladas
e criam algumas rimas entre si, como quando os braços de Rodney levantados em
posição de defesa parecem lembrar as pernas do veado abatido pelo personagem de
Sam Shepard; ou ainda, nessa mesma sequência, quando do rosto de Willem Dafoe,
Cooper corta para a cara do veado morto. Apesar de interessante, essas cenas
intercaladas acabam não encontrando tanta função narrativa, e se revelam apenas
um atrativo a parte.
Prejudicado ainda por
um final pretensamente complexo mas decepcionantemente vazio, que ainda cria
uma fraca e óbvia rima visual entre o personagem de Woody Harrelson e um veado
do meio do longa, Tudo Por Justiça é
um tipo de filme irritante, que julga que ser melancólico é a mesma coisa que
ser profundo. Scott Cooper ainda tem muito o que aprender sobre a sombria e
ambígua natureza humana para dar aos seus personagens a dimensão que acha que
dá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário