sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Análise:

Short Term 12 (Short Term 12 / 2013 / EUA) dir. Destin Daniel Cretton

por Lucas Wagner

Acompanhando o cotidiano de um lar que acolhe crianças e adolescentes considerados como que em estado “de risco”, Short Term 12 é um distinto longa metragem onde o mais profundo e dolorosamente humano fica estampado no rosto de seus jovens e já tão sofridos personagens, conseguindo a proeza de nos aproximar daquelas frágeis criaturas de uma forma tocante e sensível, mas sempre escapando das armadilhas melodramáticas.

Dirigido por Destin Daniel Cretton (com roteiro dele também, baseado no curta que dirigiu em 2008), Short Term 12 busca certa crueza em sua estética, sempre filmado com câmera na mão e numa fotografia granulada, alcançando assim um naturalismo/realismo que são importantes para que o longa funcione e não caia no melodrama. Assim, o lar cujo nome é o título do filme, é retratado desde o início como um ambiente difícil e imprevisível, quando quatro assistentes sociais estão conversando tranquilamente e logo são surpreendidos por um garoto correndo seminu tentando escapar a todo custo (e fora dos limites do estabelecimento, os assistentes sociais não tem direito de tocar nos jovens). Durante todo o longa, situações agradáveis podem ser bruscamente interrompidas por uma emergência (se alguém fugiu, tentou suicídio, etc), mesmo que o “interno” que causou o problema da vez estivesse sorrindo e brincando minutos antes. Quando algum dos jovens se descontrola e se entrega à um desamparo profundo, ficando violento, os seus gritos ecoam por todo o estabelecimento, assustando os outros garotos e garotas, algo que o diretor é hábil em retratar numa sequência específica.

Mas se Short Term 12 prima por essa crueza que não romantiza a realidade que mostra, o roteiro e direção de Cretton em nenhum momento busca criar um longa apenas aversivo, mas apresenta uma sensibilidade impressionante no carinho que demonstra com seus personagens. A estratégia visual de Cretton é, nesse sentido, singular por buscar, muitas vezes, posicionar sua câmera de modo a filmar através de portas abertas, com a ação acontecendo por trás dessas portas, assim prezando pela privacidade de seus personagens, dando-lhes espaço, numa bela demonstração de respeito, ainda mais impressionante quando filma duas personagens num momento lúdico através de uma pequena janela, afastando-nos, nós, intrusos, desse momento tão íntimo. Mesmo assim, Cretton não se acanha ao lançar mão de diversos primeiros planos, fechadíssimos, no rosto de seus personagens, focando principalmente seus olhos (de maneira direta, de vez em quando, através de sutis close-ups) e utilizando uma profundidade de campo reduzidíssima, isolando aquelas pessoas do resto do mundo. O interesse que o diretor tem pelos olhos e rostos de seus personagens se justifica pois esses tem muito a dizer, desde os sempre marejados olhos de Marcus, o olhar cabisbaixo de Sammy, os sempre sérios olhos de Grace ou ainda o lápis nos olhos de Jayden.

Sempre atento, o longa prima por um design de produção sutil e inteligente, que espalha informações a mais sobre os personagens, como as fotos que decoram o quarto de Luis, mostrando imagens suas enquanto criança, sua avó (dedução minha), seus pais, ambientes nostálgicos, etc, conseguindo assim suavizar um personagem que, de outra forma, seria somente aversivo, já que está sempre buscando causar confusão. Ainda no âmbito técnico, a trilha sonora de Joel P. West acerta na criação de tons suaves que em nenhum momento chamam a atenção para si mesmos ou tentam forçar o espectador a chorar.

E Cretton é não apenas um diretor inteligentíssimo, mas ainda é um autor primoroso, já que seu belo roteiro apresenta personagens sempre palpáveis, “reais”, cuja sensibilidade de uma vida destroçada fica evidente em gestos de carinho e consideração que hora ou outra surgem. Criando sequências riquíssimas, o diretor/roteirista explora os profundos sentimentos que podem surgir através de uma canção de hip hop ou de uma triste história infantil, talvez as únicas formas de comunicação sincera que esses jovens criaram. Os assistentes sociais e psicólogos do estabelecimento também são retratados de forma tridimensional, já que Cretton é capaz de demonstrar imenso cuidado ao, por exemplo, observar os erros rudes que um assistente social novato comete, frutos de sua insegurança e despercebida arrogância, mas que vão melhorando com o tempo. Ainda, o diretor investe em planos que mostram esses assistentes interagindo de forma descontraída com os jovens, e por vezes quebrando pequenas regras do estabelecimento num sinal de cumplicidade com seus “internos”. Não que eles não sofram, pelo contrário: vivem em constante tensão, balanceados pelo sorriso que às vezes veem no rosto dos garotos e garotas que ajudam, ou quando veem que estes obtiveram algum sucesso em suas vidas.

O que nos trás à personagem de Grace, a protagonista. Sendo assistente social como uma forma de lidar com seus obscuros tormentos do passado, Grace assume uma postura sempre rígida e disciplinada, talvez como um mecanismo de defesa contra a imprevisibilidade das atitudes dos “internos”, estando sempre pronta para agir com firmeza, mas também como uma forma de erguer uma armadura de si mesma contra si mesma. Ainda assim, a moça demonstra carinho profundo pelas vidas que tem nas mãos, se emocionando ao ver os “internos” alegres, quando podem esquecer um pouco de seus problemas, enquanto ela mesma busca proporcionar esses momentos, como na maneira lúdica que os acorda, maneira esta que, curiosamente, evidencia também um pouco de sua rigidez, afinal, ela nunca pega leve quando é para dar uma bronca, lição ou uma ordem. O que é impressionante se contarmos que é tão nova e, ela mesmo, uma jovem em situação de risco, cujo tratamento atrasado (ela é maior de idade) vem na forma de identificação com outros, buscando ajudá-los.

Pois Grace é uma mulher trágica e extremamente complexa, apresentando uma notável dificuldade e resistência em se comunicar com os outros, até mesmo com o namorado, cuja paciência e compreensão são vitais para a protagonista. Ela teme sair de sua fortaleza, um temor profundo e sincero, ao mesmo tempo em que busca, com certa melancolia, colocar um pé para a fora para explorar as possibilidades de vida que poderiam existir caso se abrisse mais. Assim, por mais ambivalente que se mostre ao longo da obra, nunca se torna uma figura caótica ou incompreensível, mas sempre a vemos como alguém que insiste em abafar seu próprio grito de socorro. E assim, Cretton mostra-se mais uma vez um artista sábio através do simbolismo visto no terceiro ato, quando Grace perfura, a pancadas (e não sem certa dificuldade), o parabrisa de um carro, numa representação de sua luta para perfurar sua própria armadura.

E falar sobre Grace, ou mesmo sobre Short Term 12 em geral, sem exaltar o trabalho da atriz Brie Larson seria um erro imperdoável. Já tendo demonstrado certo talento em obras como Anjos da Lei ou The Spetacular Now, a moça aqui prova que merece mais atenção e que simplesmente é uma das atrizes mais interessantes em atividade, com sua soberba composição de Grace. Retratando a firmeza da personagem através da entonação de voz e do semblante sempre fechado, Larson deixa que momentos de certa fragilidade sejam entrevistos, enquanto deixa ainda evidente a força monstruosa que a personagem está fazendo para não demonstrar fraqueza, como na sua consulta ao médico no início do filme. Em outros momentos, a atriz é hábil ao demonstrar o choque da protagonista quando chega a limites que não conhecia, ou ainda é delicada o suficiente em suas risadinhas marotas que de vez em quando solta, num divertimento que parece não notar. E, é claro, o olhar mais suavizado que a atriz usa em momentos específicos da obra, olhares que transmitem uma noção de fragilidade maior, ou mesmo de identificação e comoção, notado também no sorriso que muitas vezes não contém diante da alegria de ver um dos jovens do lar se sentindo bem. Uma performance digna de prêmios, diga-se de passagem, algo que também poderia ser dito sobre praticamente qualquer membro do elenco.

Short Term 12 é, então, uma obra profundamente humana e delicada, demonstrando um respeito e interesse singulares por tudo o que diz respeito àqueles personagens, figuras que podem ser encontradas em qualquer cidade, em qualquer bairro, talvez. No fim desse maravilhoso filme, então, o que fica é o forte desejo de poder abraçar cada um daqueles seres humanos tão belos e complexos, buscando consolá-los quando o chão some sob seus pés, dizendo pelo menos que: “tudo vai ficar bem, você é especial e estou aqui para o que você precisar”.

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