Crítica Serra Pelada (Serra Pelada / 2013 / Brasil) dir. Heitor Dhalia
por
Lucas Wagner
Quando escrevi sobre o pavoroso 12 Horas, comentei que este tinha sido um primeiro e isolado tropeço do
excelente cineasta brasileiro Heitor Dhalia, e elaborei diversas formas de
defendê-lo, mesmo diante de um filme tão horrível. Afinal, Dhalia já tinha
dirigido obras-primas extremamente complexas e fascinantes como Cheiro do Ralo e À Deriva. Mas com esse Serra
Pelada o diretor não conseguiu se reerguer, e confirma que sua decaída
parece ser mais estável do que parecia.
O fraco roteiro de Dhalia e Vera Egito acerta
quando se foca em explorar o panorama da situação do garimpo em Serra Pelada,
na complexa estrutura social que foi se criando, assim como a Máfia que foi se
formando. Também, o contexto de uma terra sem lei é trabalhado na política “olho
por olho, dente por dente” que inevitavelmente se desenvolve, assim como o sexo
e violência descontroladas que vão tomando forma. Nessa perspectiva, Dhalia
acerta ao inserir diversas imagens de arquivo que ressaltam o fato de estarmos
vendo uma história real. Infelizmente, o roteiro vai gradativamente deixando de
lado essa narrativa panorâmica, optando por focar-se na escrotíssima história
dos ridículos personagens principais, Juliano (Juliano Cazarré) e Joaquim
(Júlio Andrade), fazendo de Serra Pelada um
verdadeiro exercício de paciência.
A relação de Juliano e Joaquim se baseia na
amizade de infância que os dois tem, e no afastamento que vão sofrendo por
influência das mudanças que o poder e o dinheiro vem trazendo. O grande
problema é a maneira incrivelmente porca com que são desenvolvidos, tanto
individualmente quanto como dupla. Joaquim é um personagem unidimensional e
clichê, cujas motivações e conflitos se baseiam no batido drama do homem
honesto e incorruptível; e se certa potencial ambiguidade é demonstrada quando
vai adiando voluntariamente sua volta para casa, o personagem morre aos poucos
quando se torna um estorvo, sem propósito ou alguma característica genuinamente
humana e realista, castrando o esforçadinho ator Júlio Andrade de levar Joaquim
para algum lugar. Já Juliano é um personagem completamente...ridículo, podre. Burro
até a alma, o arco dramático do personagem nunca (nunca!) chega nem perto de
convencer, principalmente pela maneira atropelada e juvenil com que é “desenvolvido”
(a fala “Eu gostei de matar” é indescritível em sua mediocridade); assim, toda
a trajetória de vilão parece criada por deficientes mentais, já que o
personagem vai passando por decisões e mudanças tão bruscas que atingem o
espectador na cara com toda a inverossimilhança da coisa. É difícil acreditar
que o responsável por algo tão delicado como À Deriva tenha sido capaz de criar um personagem tão (com o perdão da
palavra) escroto assim, situação não aliviada pela atuação robótica (quase
involuntariamente engraçada) de Juliano Cazarré.
Como dupla, Joaquim e Juliano também são um
desastre, por culpa, em especial, do roteiro, embora falte química entre os
atores. Não dá para convencer alguém de que pessoas que cresceram juntas vão passar
por conflitos tão bruscos, como aquele envolvendo a acusação de roubo por parte
de um deles (me refiro à primeira das duas acusações de roubo entre eles que
surgem no filme). A ideia que passa é do desespero dos roteiristas em forçar a
noção de que “poder corrompe”, só que fazem isso como que contando uma história
com fantoches para crianças de um ano de idade. Situação que não melhora com a inclusão
de outra patética personagem: Tereza. Dá dó perceber o esforço incrível de
Sofie Charlotte em fazer dela uma mulher forte e complexa, mas no fim das
contas Tereza não passa de uma (mais uma vez, perdão pela expressão) vadia
unidimensional.
Serra
Pelada ganha certa energia apenas com as presenças ilustres de Matheus
Nachtergaele e Wagner Moura. O primeiro chega a parecer um Joe Pesci na sua
estratégia de atuação, já que aproveita de seu físico franzino e baixa estatura
como contraponto para uma atitude poderosa e confiante, transformando o mafioso
Carvalho numa figura ameaçadora que, quando em cena, cria constante ansiedade.
Já o sempre genial Wagner Moura rouba a cena todas as vezes como Rico Lindo,
numa performance que nunca deixa de escancarar o tanto que o ator estava se
divertindo no papel. Carinhoso, simpático e atencioso, Rico Lindo é um lobo na
pele de cordeiro, já que demonstra inteligência na avaliação das melhores
oportunidades possíveis (observem a expressão atenta de Moura quando avalia a relação
entre Joaquim e Juliano) e prazer sádico na tortura de pessoas que ficam em seu
caminho, característica essa que faz da cena em que ele é apresentado uma das
melhores do ano (mesmo nesse filme). Moura acerta numa composição caricata, que
usa a maquiagem levemente grotesca como ponto a favor no delineamento da
personalidade maníaca e divertidíssima de Lindo.
Demonstrando uma incompetência gritante para
trabalhar sequências de ação, Dhalia parece estar sofrendo convulsões com a
câmera ao filmar tiroteios e brigas com o quadro tão instável que o resultado
desejado de injetar adrenalina no espectador é desviado, causando apenas dor de
cabeça. Na tentativa de criar uma narrativa ágil, o diretor também erra numa
montagem atropelada que falha tanto no quesito desenvolvimento da história como
dos personagens (como já comentei). Pelo menos, Dhalia entende o potencial do
longa como faroeste, mas também não passa de entendimento, já que não se
esforça em prol de trabalhar uma decoupagem
ou mise en scéne que pelo menos
remeta aos westerns, deixando sua
obra comendo poeira perto de outro lançamento brasileiro do ano, o similar,
porém infinitamente superior, Faroeste Cabloco.
Suportável apenas quando Matheus Nachtergaele
ou Wagner Moura estão em cena, Serra
Pelada afasta ainda mais Dhalia de seus grandes acertos da década passada,
demonstrando uma situação preocupante numa carreira tão promissora. Pode ser
que, infelizmente, 12 Horas não tenha
sido um acidente...
*Outras críticas minhas de filmes dirigidos por Heitor Dhalia:
-12 Horas: https://www.facebook.com/notes/lucas-wagner/resenha-filme-12-horas-gone/293984007346374
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