sábado, 28 de setembro de 2013



Crítica Frances Ha (Frances Ha / 2013 / EUA) dir. Noah Baumbach

por Lucas Wagner

  Em seus trabalhos, o cineasta Noah Baumbach merece méritos por buscar explorar temas íntimos com uma abordagem direta que pode acabar assustando quem não está preparado. É justamente esse o grande mérito de seu A Lula e a Baleia, obra prima absoluta que colocava um microscópio nos membros de uma família destruída. Mas o cineasta também é sensível o suficiente para sempre nos fazer aproximar de seus personagens, por mais difíceis que sejam. E é aqui que Frances Ha se insere na carreira do diretor de modo levemente diferente, como virei a explicar no decorrer do texto.

  Escrito pelo próprio diretor ao lado da atriz protagonista, Greta Gerwig, Frances Ha é um estudo da personagem título e seu universo. Com 27 anos de idade, Frances ainda não amadureceu o suficiente para pelo menos ser considerada adulta. Uma personagem que não usa cartão da crédito, apenas de débito, por não se considerar uma “pessoa de verdade” ainda (leia-se: adulta). Apostando em um sonho parado de se tornar uma bailarina oficial de uma determinada companhia de dança, Frances parece mais preocupa em se divertir com sua colega de quarto e melhor amiga, Sophie, do que se dedicar a conquistar sua independência e sucesso profissional, ou mesmo pessoal. Assim, não é surpresa que, ao surgir uma oportunidade de emprego dentro da companhia, sem que seja voltado para a dança em si, Frances nem considere, numa atitude infantil para alguém passando por apuros financeiros.

  Uma dentre várias atitudes infantis. Porém, nunca observamos Frances como uma preguiçosa inútil, mas sim como uma criatura um tanto pura em sua inocência. Pois, de fato, ela não é mais que uma garotinha presa no corpo de uma adulta. Sim, ela bebe, fuma e transa, mas a inocência com que enxerga o mundo é de uma doçura palpável, sem maldade alguma. Ela realmente acha, como uma criancinha, que tudo se resolverá por si só, e que ela pode se divertir, por mais que solte verbalizações constantes sobre a necessidade de dinheiro. E essa personagem em muito funciona devido à excelente performance de Greta Gerwig (que já trabalhou com Baumbach no bom Os Solteirões), que, através de maneirismos e gestos juvenis, além uma eterna expressão de inocência e olhar distante de sonhadora, transforma a protagonista numa figura tridimensional e verossímil, além de difícil de não adorar.

  O caso é que Frances é uma espécie de ser ideal em um mundo de certo modo corrupto. A fotografia totalmente em preto e branco, por sinal, é uma ótima sacada de Baumbach por inserir aquela personagem angelical num mundo sem cor/sem vida, que é o mundo da vida adulta. Aliás, os maiores erros que acabam com Frances residem justamente em ela não adaptar sua cabecinha juvenil às constantes e inevitáveis mudanças, perdas e traições da idade adulta. Assim, é um fato que os melhores amigos da infância/adolescência tendem a seguir seus próprios caminhos, independente de como isso pode afetar aqueles próximos deles, mas Frances acredita que tudo será sempre um conto de fadas divertido, e chega a deixar ótimas oportunidades de amadurecimento (como morar com o namorado) acreditando que sua melhor amiga faria o mesmo. E é claro que ela não faz: ela é uma adulta no mundo real.

  É constante enxergar como as pessoas sempre estão se traindo, se mostrando capazes de atitudes e comportamentos que antes desprezariam, como aqui fica evidente em uma personagem que dizia desprezar certo tipo de homem, mas se casa com um que possui todas as características que antes desprezava. E essas pessoas, que abandonam seus predicados em prol de “amadurecimento”, em um tom exagerado, muitas vezes acabam percebendo seu erro tarde demais, procurando assim uma espécie de “retorno” simbólico para a juventude. É enxergando isso, esse tipo de fato da vida, que Frances vai completando seu arco dramático, adquirindo uma forma de sabedoria que só alguém com aquele tipo de inocência poderia alcançar. Só alguém que, mesmo admitindo a infantilidade de um sonho, ainda assim ousa em continuar acreditando numa ideia fantástica de conexão verdadeira com algum outro especial (e o monólogo em que Frances revela esse sonho revela o ápice da atuação de Gerwig).

  E é assim que Baumbach vai conduzindo seu longa: com uma doçura contagiante que acaba revelando uma melancolia por trás da história que conta. Só que essa melancolia não faz de Frances Ha um longa triste e mórbido. De modo algum. E isso é algo que Baumbach e Gerwig trabalham com genialidade através do arco dramático da protagonista, que permite que ela amadureça não de modo a se tornar mais fria e cínica (características, infelizmente, essenciais para se viver no mundo capitalista moderno), mas de um modo no qual ela não traia sua própria autenticidade, mantendo sua inocência mas sabendo se comportar no mundo com uma sabedoria tácita que só alguém com alma de criança alcançaria. E assim é linda a rima que o diretor cria com o próprio nome do filme.

  Não que Baumbach seja infalível na direção. A cronologia é bem confusa: o tempo em que o longa se passa é muito curto para tudo aquilo, que parece durar muito mais mas não leva, na prática, muito mais que um ano. Além disso, a finalização do longa, embora com acertos e poesia inegáveis, surge falha ao ser por demais abrupta, não permitindo que a trama se feche com devida naturalidade. Por outro lado, é interessante que o cineasta invista numa trilha sonora evocativa, com tons infantis e músicas “jovens”, que às vezes surgem repetidas justamente para dar a ideia de fadiga; além disso, a sequência em que Frances visita os pais no Natal é interessantíssima, por Baumbach criar uma montagem que revela o caráter enfadonho e tedioso daquelas visitas anuais; não poderia deixar de comentar a inteligência do cineasta na construção, bem no final do filme, de uma mise en scène que revela com economia a mudança de Frances em relação ao seu passado*.

  Se A Lula e a Baleia (ainda melhor filme do cineasta) e Os Solteirões traziam em si mais melancolia em suas resoluções, embora fosse uma melancolia funcional, Frances Ha consegue ousar em manter uma visão de que, mesmo num mundo dominado pela frieza, por adultos sempre competitivos, isolados e tristes em vidas conformistas e individualizadas, a inocência poderia ter lugar, desde que se adaptasse, mesmo que só em parte, ao mundo ao seu redor.

*SPOILER: Me refiro à cena em que, logo depois da apresentação do número de dança, Frances converse com Benjy (sempre moleque mimado) enquanto está sentado numa posição superior.


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