Crítica Universidade Monstros (Monsters University / 2013 / EUA) dir.
Dan Scanlon
por
Lucas Wagner
No auge de sua glória, a Pixar realizou obras
inesquecíveis, sendo que Monstros S.A fazia
parte dessa invejável lista. O humor aguçado e criativo, junto com a direção
empolgante preenchiam um longa que já contava com personagens carismáticos e um
universo fascinante e muitíssimo curioso, e ainda por cima a empresa conseguiu
situar aquela história num contexto maior da situação do mundo capitalista
moderno ao desenvolver uma trama que tratava justamente de crise energética e
desenvolvimento de novas formas de energia, algumas não muito honrosas e que
ainda por cima poderiam afetar os trabalhadores da empresa. Monstros S.A ainda tinha a decência de
empregar uma cena final tocante na qual o monstro Sullivan reencontrava a
garotinha Boo, e os realizadores demonstraram sensibilidade e respeito com as
figuras que criaram ao preservar a intimidade dos dois. Com tudo isso, Monstros S.A não precisava de
continuação, e nem de uma pré-continuação, que foi exatamente o que fizeram. A
boa notícia é que a Pixar realizou um longa absolutamente adorável e inventivo,
fugindo de ser o fracasso que poderia muito bem ter sido.
Evitando com habilidade apenas repetir o que
fez sucesso no original, os realizadores fazem de Universidade Monstros uma obra extremamente distante da outra,
dessa vez investigando outros rumos que não foram explorados (e muitas vezes
nem mencionados) no primeiro. Aqui, assustar crianças não é tão simples como
parecia antes (ou depois?), mas é uma verdadeira arte que exige técnica e
habilidades específicas. Ainda, todo o contexto da vida universitária é
explorado de forma divertida, e vemos a diversidade dos estereótipos dos jovens
acadêmicos, como os emos, os fortões, os excluídos, o estudante meio hippie de filosofia, etc. Há, como não
poderia faltar, diversas ligações com Monstros
S.A que surgem mais como homenagens nostálgicas, como quando podemos ver as
portas para os quartos das crianças sendo feitas, ou quando a velha infiltrada
do anterior aparece numa pequena ponta, e até mesmo nos pequenos detalhes, como
no boneco de pelúcia que, no original, Mike briga quando Boo o toca, e aqui
aparece no detalhe do personagem arrumando seu quarto da faculdade. Mais
interessante é vermos personagens que conhecemos tão bem agindo de forma bastante
diferente do que esperaríamos do seu “eu” futuro, como quando vemos o vilão
Randall, tão malvado no primeiro filme, aqui com uma insegurança doce e tocante
(e é bacana que o personagem esteja envolvido em sombras no momento em que
aparece pela primeira vez, lembrando-nos do seu futuro sombrio e tornando mais
surpreendente para nós o modo como o veremos quando jovem).
Apresentando todo o rigor técnico digno da
Pixar, Universidade Monstros é
sublime no quesito visual, mostrando preocupação com detalhes minúsculos mas
que enriquecem a experiência, como o velho boné de Mike, que possui certos
pontos do tecido que estão rasgados, ou mesmo as marcas nos pneus de um ônibus.
Ainda, a direção de arte acerta na construção de diversos ambientes, como a
opressiva e ao mesmo tempo elegante sala de aula de sustos, além de a
fotografia ser eficaz ao inserir uma paleta mais fria ou mais colorida de
acordo com a narrativa. O filme também surpreende no quesito humor, conseguindo
ser aguçado e criativo como o primeiro, e apostando muitas vezes na quebra de
expectativa para arrancar mais risadas (a mãe doce de um monstro escutando heavy metal vem imediatamente à cabeça).
Infelizmente, diferente do outro, esse daqui não demonstra muita criatividade
no visual dos monstros, muitas vezes investindo no lugar comum, e poucas vezes
surpreendendo com algo interessante (sendo alguma raras exceções: a bibliotecária,
as monstras patricinhas que revelam ter um olhar satânico, ou a diretora
Hardscrabble).
Mas Universidade
Monstros aposta mesmo é no carisma de seus protagonistas para funcionar.
Invertendo os papéis de antes, quando vimos Sullivan ser o inegável
protagonista, aqui quem assume esse papel mesmo é Mike. O roteiro acerta
imensamente ao não colocá-lo logo de cara como o Mike egoísta do anterior, e
assim o vemos todo otimista e querendo ajudar a todos, enquanto luta pelo sonho
de ser um “Assustador”. Não tendo o físico para ser um Assustador, Mike aposta
é na inteligência e na força de vontade, diferente de Sullivan que, todo boa
vida e “folgadão”, acha que tem uma habilidade nata para ser Assustador. Essa
atitude metida do personagem entra em choque com o Sullivan humilde do
original, que mesmo sendo exaltado por todos, não se gabava por isso. E é no
arco dramático que mudará as vidas dos dois personagens que o filme estabelece
seu foco, e vale dizer que a construção desses arcos dramáticos se dá de forma
impecável, com Mike e Sullivan estabelecendo uma dinâmica que vai tomando forma
com calma até que os dois se tornem amigos inseparáveis. Assim, o longa permite
que o espectador estabeleça grande ligação emocional com o que assiste, já que
torcemos por eles a cada momento. É uma pena que, se os dois estão tão
tridimensionais, a maioria dos outros personagens não alcancem isso, inclusive
o grupo da fraternidade que os dois fazem parte, já que, se aqui e ali
surpreendem um pouco (a sequência da biblioteca, por exemplo), no geral são
unidimensionais e nem um pouco marcantes para que realmente nos importemos com
eles; o mesmo vale para o antagonista – que não me lembro do nome - líder da
fraternidade ROR. Fora os protagonistas, quem merece algum destaque é Randall
(que já comentei) e a diretora Hardscrabble, sempre ameaçadora, e com um visual
que surge sempre opressivo e assustador.
O que mais enriquece essa animação é, no
entanto, sua mensagem, capaz de atingir tanto adultos como crianças.
Frequentemente a Pixar inclui mensagens mais profundas em seus trabalhos, e
aqui não é exceção. Dessa vez, o que vemos é que cada um de nós tem algo
realmente especial. Somos únicos à nossa própria maneira e, por mais que não
sejamos únicos naquilo que desejamos ser únicos, nos nossos sonhos, no que
acreditamos ser nosso caminho, ainda assim temos algo especial, que às vezes
apenas fuja do nosso foco, mas quando o enxergamos, podemos concentrar nossas
energias naquilo em que somos bons, e desenvolver todo o nosso potencial.
Assim, Universidade Monstros cria uma
ligação temática com outros trabalhos da Pixar que trabalharam questões
semelhantes, como Ratatouille e Os Incríveis. Pode parecer piegas quando
escrevo, mas acreditem: o filme não torna a mensagem piegas.
Constantemente surpreendendo o espectador ao
tomar rumos inesperados na narrativa (como no início do terceiro ato ou o modo como Mike e Sullivan ingressam na Monstros S.A), Universidade Monstros é uma excelente
experiência, conseguindo retomar o equilíbrio invejável entre o divertido e o
tocante, que a Pixar estava devendo desde seu maravilhoso Toy Story 3 (convenhamos, Carros
2 e Valente são, no máximo,
suportáveis). Mesmo não alcançando o status de obra-prima alcançado por
diversas obras da empresa, esse ainda é um esforço digno de nota.
OBS: o curta metragem
que precede o longa é adorável.
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