segunda-feira, 24 de junho de 2013


Crítica Universidade Monstros (Monsters University / 2013 / EUA) dir. Dan Scanlon

por Lucas Wagner

  No auge de sua glória, a Pixar realizou obras inesquecíveis, sendo que Monstros S.A fazia parte dessa invejável lista. O humor aguçado e criativo, junto com a direção empolgante preenchiam um longa que já contava com personagens carismáticos e um universo fascinante e muitíssimo curioso, e ainda por cima a empresa conseguiu situar aquela história num contexto maior da situação do mundo capitalista moderno ao desenvolver uma trama que tratava justamente de crise energética e desenvolvimento de novas formas de energia, algumas não muito honrosas e que ainda por cima poderiam afetar os trabalhadores da empresa. Monstros S.A ainda tinha a decência de empregar uma cena final tocante na qual o monstro Sullivan reencontrava a garotinha Boo, e os realizadores demonstraram sensibilidade e respeito com as figuras que criaram ao preservar a intimidade dos dois. Com tudo isso, Monstros S.A não precisava de continuação, e nem de uma pré-continuação, que foi exatamente o que fizeram. A boa notícia é que a Pixar realizou um longa absolutamente adorável e inventivo, fugindo de ser o fracasso que poderia muito bem ter sido.

  Evitando com habilidade apenas repetir o que fez sucesso no original, os realizadores fazem de Universidade Monstros uma obra extremamente distante da outra, dessa vez investigando outros rumos que não foram explorados (e muitas vezes nem mencionados) no primeiro. Aqui, assustar crianças não é tão simples como parecia antes (ou depois?), mas é uma verdadeira arte que exige técnica e habilidades específicas. Ainda, todo o contexto da vida universitária é explorado de forma divertida, e vemos a diversidade dos estereótipos dos jovens acadêmicos, como os emos, os fortões, os excluídos, o estudante meio hippie de filosofia, etc. Há, como não poderia faltar, diversas ligações com Monstros S.A que surgem mais como homenagens nostálgicas, como quando podemos ver as portas para os quartos das crianças sendo feitas, ou quando a velha infiltrada do anterior aparece numa pequena ponta, e até mesmo nos pequenos detalhes, como no boneco de pelúcia que, no original, Mike briga quando Boo o toca, e aqui aparece no detalhe do personagem arrumando seu quarto da faculdade. Mais interessante é vermos personagens que conhecemos tão bem agindo de forma bastante diferente do que esperaríamos do seu “eu” futuro, como quando vemos o vilão Randall, tão malvado no primeiro filme, aqui com uma insegurança doce e tocante (e é bacana que o personagem esteja envolvido em sombras no momento em que aparece pela primeira vez, lembrando-nos do seu futuro sombrio e tornando mais surpreendente para nós o modo como o veremos quando jovem).

  Apresentando todo o rigor técnico digno da Pixar, Universidade Monstros é sublime no quesito visual, mostrando preocupação com detalhes minúsculos mas que enriquecem a experiência, como o velho boné de Mike, que possui certos pontos do tecido que estão rasgados, ou mesmo as marcas nos pneus de um ônibus. Ainda, a direção de arte acerta na construção de diversos ambientes, como a opressiva e ao mesmo tempo elegante sala de aula de sustos, além de a fotografia ser eficaz ao inserir uma paleta mais fria ou mais colorida de acordo com a narrativa. O filme também surpreende no quesito humor, conseguindo ser aguçado e criativo como o primeiro, e apostando muitas vezes na quebra de expectativa para arrancar mais risadas (a mãe doce de um monstro escutando heavy metal vem imediatamente à cabeça). Infelizmente, diferente do outro, esse daqui não demonstra muita criatividade no visual dos monstros, muitas vezes investindo no lugar comum, e poucas vezes surpreendendo com algo interessante (sendo alguma raras exceções: a bibliotecária, as monstras patricinhas que revelam ter um olhar satânico, ou a diretora Hardscrabble).

  Mas Universidade Monstros aposta mesmo é no carisma de seus protagonistas para funcionar. Invertendo os papéis de antes, quando vimos Sullivan ser o inegável protagonista, aqui quem assume esse papel mesmo é Mike. O roteiro acerta imensamente ao não colocá-lo logo de cara como o Mike egoísta do anterior, e assim o vemos todo otimista e querendo ajudar a todos, enquanto luta pelo sonho de ser um “Assustador”. Não tendo o físico para ser um Assustador, Mike aposta é na inteligência e na força de vontade, diferente de Sullivan que, todo boa vida e “folgadão”, acha que tem uma habilidade nata para ser Assustador. Essa atitude metida do personagem entra em choque com o Sullivan humilde do original, que mesmo sendo exaltado por todos, não se gabava por isso. E é no arco dramático que mudará as vidas dos dois personagens que o filme estabelece seu foco, e vale dizer que a construção desses arcos dramáticos se dá de forma impecável, com Mike e Sullivan estabelecendo uma dinâmica que vai tomando forma com calma até que os dois se tornem amigos inseparáveis. Assim, o longa permite que o espectador estabeleça grande ligação emocional com o que assiste, já que torcemos por eles a cada momento. É uma pena que, se os dois estão tão tridimensionais, a maioria dos outros personagens não alcancem isso, inclusive o grupo da fraternidade que os dois fazem parte, já que, se aqui e ali surpreendem um pouco (a sequência da biblioteca, por exemplo), no geral são unidimensionais e nem um pouco marcantes para que realmente nos importemos com eles; o mesmo vale para o antagonista – que não me lembro do nome - líder da fraternidade ROR. Fora os protagonistas, quem merece algum destaque é Randall (que já comentei) e a diretora Hardscrabble, sempre ameaçadora, e com um visual que surge sempre opressivo e assustador.

  O que mais enriquece essa animação é, no entanto, sua mensagem, capaz de atingir tanto adultos como crianças. Frequentemente a Pixar inclui mensagens mais profundas em seus trabalhos, e aqui não é exceção. Dessa vez, o que vemos é que cada um de nós tem algo realmente especial. Somos únicos à nossa própria maneira e, por mais que não sejamos únicos naquilo que desejamos ser únicos, nos nossos sonhos, no que acreditamos ser nosso caminho, ainda assim temos algo especial, que às vezes apenas fuja do nosso foco, mas quando o enxergamos, podemos concentrar nossas energias naquilo em que somos bons, e desenvolver todo o nosso potencial. Assim, Universidade Monstros cria uma ligação temática com outros trabalhos da Pixar que trabalharam questões semelhantes, como Ratatouille e Os Incríveis. Pode parecer piegas quando escrevo, mas acreditem: o filme não torna a mensagem piegas.


  Constantemente surpreendendo o espectador ao tomar rumos inesperados na narrativa (como no início do terceiro ato ou o modo como Mike e Sullivan ingressam na Monstros S.A), Universidade Monstros é uma excelente experiência, conseguindo retomar o equilíbrio invejável entre o divertido e o tocante, que a Pixar estava devendo desde seu maravilhoso Toy Story 3 (convenhamos, Carros 2 e Valente são, no máximo, suportáveis). Mesmo não alcançando o status de obra-prima alcançado por diversas obras da empresa, esse ainda é um esforço digno de nota.


OBS: o curta metragem que precede o longa é adorável.


Nenhum comentário:

Postar um comentário