Crítica O Lugar Onde Tudo Termina (The Place Beyond The Pines / 2013 / EUA) dir. Derek Cianfrance
OBS: Como esse é um filme repleto de reviravoltas, tomarei o máximo cuidado possível com spoilers. Portanto, peço desculpas adiantadas para o caso de alguns momentos não ser muito claro nas minhas explicações.
O Lugar Onde Tudo Termina é uma obra, no mínimo, ousada. O modo como é estruturado faz com que o filme adquira uma dimensão épica, na qual vemos como a vida de pessoas completamente diferentes se ligam de um modo que ultrapassa uma geração, como se estivessem unidos por uma “relação kármica” que precisa ser resolvida. No entanto, é essa mesma ambição que também é responsável por diversos problemas que impedem que esse seja um grande filme.
Adotando o mesmo estilo “cru” que usou no seu trabalho anterior, o belo Namorados Para Sempre, o diretor Derek Cianfrance consegue estabelecer a temática “ciclíca” de sua obra de maneira simbólica desde o início do filme, quando vemos Luke (Ryan Gosling) pilotando uma moto dentro de um globo da morte junto com dois outros motoqueiros. O controle do cineasta com seu trabalho é importante para não tornar o longa muito sentimentalista, e assim ele consegue desenvolver seus personagens com calma e economia, não investindo em diálogos expositivos com os personagens falando sobre seus sentimentos. Também o roteiro (dele e mais dois outros camaradas) acerta na elegância com que vai desenvolvendo a trama, nos surpreendendo com várias reviravoltas inesperadas, chegando a inclusive mudar o personagem que estava sob foco, mesmo que de maneira brusca. Sendo em grande parte um drama, O Lugar Onde Tudo Termina ainda surpreende por, em alguns momentos, se transformar num suspense puro, apenas para depois voltar mais ao gênero drama. Essa coragem dos realizadores de reverter os caminhos do projeto, obrigando o espectador a se readaptar constantemente, confere uma fluidez curiosa ao filme, tornando-o, consequentemente, mais interessante. Essa reversão dos caminhos podem parecer um pouco caótica à princípio, mas se juntam para conferir uma perspectiva maior, cujo quadro só se completa com o decorrer da projeção.
Mas se essas reviravoltas e mudanças de caminhos e abordagens realmente tornam o longa mais interessante, por outro lado o enfraquece por diversos motivos. Provavelmente o principal destes seja que, por inserir personagens importantes mesmo em mais da metade de projeção (o que é, geralmente, um erro grave), o espectador acaba se cansando um pouco, a partir de certo ponto, por ter que passar a conhecer e se envolver com uma figura totalmente nova. Assim, mesmo Cianfrance aparentando calma ao desenvolver os personagens, esse desenvolvimento, muitas vezes, fica prejudicado (menos no que se refere aos personagens de Avery e Luke, que são extremamente bem construídos). Porém, também há um elemento de incompetência dos roteiristas nesse ponto quando vão desenvolver alguns personagens, que se tornam caóticos e incompreensíveis, mas mais sobre isso nos parágrafos abaixo. E mesmo a mão firme de Cianfrance ao comandar seu projeto acaba sendo ineficaz quando o longa vai ficando longo demais e parecendo não ter fim, se tornando extremamente enfadonho no terceiro ato. Ainda assim, a direção merece créditos tanto pelo o que eu já comentei no parágrafo anterior e por momentos como o de uma perseguição que, mesmo com poucos cortes e a câmera praticamente estabilizada o tempo todo no interior de um carro, é extremamente empolgante, além do momento em que esconde parte do rosto do personagem de Ray Liotta, tornando-o mais assustador, e por simbolismos elegantes como aquele em que vemos Avery (Bradley Cooper) atrás de grades de madeira enquanto tem uma arma apontada às suas costas, simbolizando como ele é preso ao passado.
O que realmente faz com que O Lugar Onde Tudo Termina seja realmente acima da média são as performances poderosas de Ryan Gosling e Bradley Cooper. Gosling, caladão e introspectivo como sempre, permite que enxerguemos Luke, logo de cara, como um sujeito cuja vida é vazia e insignificante, e nada parece o empolgar muito, nem mesmo o fato de ficar perto da morte sempre, por trabalhar como motoqueiro de um globo da morte. Quando descobre ser pai, é como se a sua vida ganhasse um sopro novo, e Gosling permite que o espectador compreenda e compartilhe da força dessa descoberta para ele e como ela o moverá dali em diante. É como se Luke estivesse sufocado pela vida que vivia, algo que o ator nos deixa perceber a todo momento, principalmente na bela cena em que comenta com Romina (Eva Mendes) o por que que cuidar de seu filho é tão importante. E, assim como no maravilhoso Drive, são mesmo nos detalhes que Gosling acerta mais, como quando chora calado nos fundos da igreja durante o batizado de seu filho, ou ainda pelo sorriso e emoção espontânea que libera quando se vê junto com Romina e o bebê. Como se não bastasse, o arco dramático do personagem vai ganhando contornos intensos na mão do ator, quando Luke vai se transformando num sujeito mais impaciente e violento, algo que surge mais do próprio sentimento de medo do que de qualquer outra coisa. E Bradley Cooper não fica atrás na sua performance do policial Avery, compondo o sujeito de uma maneira tímida e minimalista, mas deixando transparecer todo o idealismo que permeia o personagem. Assim, quanto mais Avery se vê envolto por uma polícia extremamente corrupta, Cooper balanceia o idealismo com o medo que ele está sentindo, sem contar que ainda há a culpa que o corrói (por motivo que, se revelados, seriam spoilers). Mais fascinante ainda é notarmos camadas ainda mais complexas e ambíguas de Avery, que se mostram num senso de oportunismo que não poderíamos prever. Desse modo, Cooper é genial ao, ainda por cima, interpretar um Avery mais velho de uma forma mais orgulhosa e segura de si. A relação entre os dois personagens não posso comentar por motivos de spoilers, mas devo comentar a questão “kármica” que citei no primeiro parágrafo. Com seus destinos traçados, é interessante que o roteiro insira diversas semelhanças entre Luke e Avery, mais óbvias ou mais subliminares, mas que trazem certa ironia dramática elegante ao projeto.
Já outro personagem importante, Jason, interpretado por Dane DeHaan (genial em Poder Sem Limites e desperdiçado em Os Infratores e Lincoln), é certamente uma figura complexa, mas, dessa vez, mal desenvolvida. Fica óbvio que a ausência de maior conhecimento sobre seu pai é a grande fonte de sua tormenta, e é até compreensível, pelo fato de ser um adolescente em busca de uma identidade (e não saber direito quem foi o pai é uma peça faltante importante no mosaico de sua personalidade). Mas, muitas de suas ações no terceiro ato são incompreensíveis. Podemos, é claro, falar que é por causa de seu desequilíbrio devido a sua questão paterna (o que seria forçar a barra), mas também (e é o que parece o certo) pode ser incompetência do roteiro. Ainda assim, DeHaan acerta numa performance trágica e antissocial, ao mesmo tempo em que o arco dramático de busca de identidade funciona bem, principalmente pelo belo plano final do filme. Já AJ é um patetão, um personagem pessimamente escrito. Qual é o motivo, por exemplo, de sempre querer pirraçar seus pais, custe o que custar? É só rebeldia adolescente ou incompetência de roteirista? Mais uma vez aposto no segundo, já que o primeiro caso é uma explicação que nada explica.
O resto do elenco contém atores que fazem bem o que se propõem. Bruce Greenwood, tão paternal (tanto na dureza quanto no carinho) esse ano no excepcional Além da Escuridão – Star Trek, aqui revela-se um monstro em corpo de cordeiro, maduro e digno, principalmente quando reconhece uma derrota. Ray Liotta interpreta um antagonista realmente ameaçador. A bela Rose Byrne cria uma Jennifer (mulher de Avery) com uma complexidade sutil que fica expressa em diversos e minúsculos olhares da atriz (prestem bastante atenção na cena do jantar em sua casa). Mahershalalhashbaz Ali tem poucos momentos para realmente trabalhar a personalidade de Kofi, mas consegue torna-lo suficientemente carismático, ao passo que a linda Eva Mendes começa interpretando Romina como uma figura extremamente complexa, mas é pouco depois sabotada pelo roteiro, que tira a lógica do seu desenvolvimento psicológico (a fala “Você fodeu a vida do meu filho!” para Avery vai contra tudo o que sabíamos dela) e força a atriz a adotar uma performance unidimensional de sofrimento.
Com uma trilha sonora lindíssima e uma maquiagem absolutamente incompetente (quer dizer que nem uma ruguinha nasceu no rosto de pessoas mesmo 15 anos mais velhas?), O Lugar Onde Tudo Termina pode ter diversos problemas que o enfraquecem de forma significativa, mas ainda é um bom filme, corajoso e ambicioso.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirSou apaixonado pela primeira hora desse filme, acho uma obra-prima. Depois do ponto de virada dessa primeira hora, ou primeiro ato, o filme foi caindo em uma abismo, sem volta. Fiquei puto com os roteiristas que construíram uma obra de arte e voltaram a mexer nela estragando-a totalmente.
ResponderExcluirAchei q a própria ousadia do filme q o atrapalhou, embora eu tenha gostado
ResponderExcluirPois é!
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