Crítica Elena (Elena / 2013 / Brasil) dir. Petra Costa
por
Lucas Wagner
Analisar o documentário Elena se revela um desafio considerável, já que estamos lidando com
um material extremamente pessoal e subjetivo trazido pela diretora Petra Costa.
Assim, julgá-lo como, por vezes, emotivo e melodramático demais pode ser até
mesmo uma injustiça, já que estamos enxergando um relato sofrido e até corajoso
da diretora, que ousou usar o Cinema como ferramenta para explorar as
consequências que o suicídio de sua jovem irmã mais velha teve nas vidas de
Petra e sua mãe, e como essa experiência trágica serviu para definir o curso do
resto de suas vidas. Elena é, acima
de tudo, uma carta de Petra à sua irmã, dizendo tudo que sempre quis dizer mas
que não seria possível. E por isso só já é uma empreitada no mínimo admirável.
Garota sonhadora, Elena sempre quis trabalhar
no Cinema, como atriz. Buscando em Nova York a realização desse sonho, a garota
foi sofrendo paulada atrás de paulada ao ver como esse seu objetivo parecia cada
vez mais distante, o que desencadeou uma depressão que a encurralou, fazendo
com que o suicídio fosse a única saída viável. Nesse sentido, é de partir o
coração o modo carinhoso como a diretora explora a vida de sua irmã mais velha,
até mesmo na narração (da própria diretora), que transmite toda a tristeza e o
amor que nutria por essa. Utilizando, em sua primeira metade, um rico material de
vídeos em VHS que foram filmados pela própria Elena durante os anos 80, quando
Petra ainda era bebê ou muito novinha, somos introduzidos na vida familiar da
personagem título, e assim somos capazes de encontrar na menina cheia de
energia e jovialidade um triste contraste com a moça jovem que se matou. Mais
importante nessa primeira metade é enxergarmos o amor absoluto que Elena tinha
pela irmã mais nova, tratando-a como uma princesa e amiga desde que nasceu, a
enchendo de beijos e abraços, e assim se transformando num modelo para Petra.
Ainda nessa primeira metade, a “alma artística” de Elena fica evidenciada por
atitudes cheias de poesia, como se mostrar toda empolgada ao perceber que
conseguia fazer a Lua “dançar” com seus movimentos com a câmera. Aliás, a
figura da mãe de Elena se mostra uma enorme influência para essa “alma
artística”, algo que Petra demonstra em gravações como quando a mãe se
interrompe em um depoimento para apreciar a beleza de uma árvore, ou pela
própria história de sua juventude, que em todo momento parece cinematográfica.
Funcionando, como disse, como um modelo para
Petra, quando se mata, Elena balança o mundo da diretora, então apenas com 7
anos, de uma maneira estrondosa. Sem idade suficiente para se situar de forma
saudável quanto ao que aconteceu, a diretora cria defesas psicológicas
complexas para se comportar nesse “novo mundo”, buscando, inclusive, proteger a
mãe de qualquer perigo para que ela não morra também, desenvolvendo uma espécie
de transtorno obsessivo compulsivo que envolvia diversos comportamentos
supersticiosos, como não comer sal ou subir de joelhos as escadas de seu
apartamento. Essa desestruturação que a morte de Elena causou sobre a irmã a
marcou de uma maneira indelével, e a melancolia ininterrupta pela sua morte,
mesmo anestesiada pelo tempo, nunca deixou de exercer influência, e assim,
Petra acabou se tornando, à sua própria maneira, Elena, o que esta não viveu,
alcançando o que esta não conseguiu alcançar. Assim, é uma linda ironia que a
morte de Elena, para quem a Arte era tudo, tenha sido o ponto de partido para
criar uma peça de Arte, nas mãos da irmã ao realizar esse filme. Mais
fascinante ainda é notar que Petra tem plena consciência disso ao
constantemente se filmar de costas ou apenas sua sombra quando caminha por Nova
York, o que impede que enxerguemos seu rosto, mas apenas as similaridades que
esta tinha com Elena. Inclusive as semelhanças físicas das duas são ressaltadas
quando a diretora, na narração, lembra comentários de várias pessoas sobre as
similaridades físicas das duas.
Pois Elena
não é apenas um filme sobre a morte da jovem do título, e por isso se
estende por muito mais tempo depois que seu suicídio é narrado. A formação da
identidade de Petra é um foco enorme, assim como o modo como a mãe se comporta
depois da morte da filha. Mulher forte e admirável, procurou dedicar a Petra o
amor e apoio que esta precisava, embora ela mesma precisasse de amor e apoio. Assim,
a decisão dela de dar vários depoimentos ao longo do filme é, no mínimo,
corajosa, cavando numa ferida poderosa, mas, como Petra, tentando encontrar na
Arte um alívio para sua melancolia.
E o filme é mesmo um grito de tudo que estava
estalado na garganta de Petra (e da mãe), uma busca de um alívio para algo que
ela bem sabe que não tem alívio. Através da Arte, Petra busca reconciliar-se
consigo mesmo, encontrar uma ordem e (por que não?) até se compreender melhor.
E, vale de dizer, ela é uma artista formidável, que demonstra, mesmo em um
trabalho tão emotivo e particular, encontrar maneiras elegantes de se
expressar. O simbolismo da água é assim, mesmo bem óbvio, eficaz,
principalmente quando a vemos levantando o rosto que antes estava submerso. O raccord que ela insere em certo momento,
quando corta do seu rosto para o da mãe, é cheio de significados, assim como
quando as três (mãe, Elena e Petra) estão partindo em viagem para Nova York e a
diretora filma a janela do avião cheia de gotas de chuva, como que simbolizando
as lágrimas que viriam a ser derramadas.
Experiência melancólica mas que trás um
sofrido senso de otimismo em relação à vida e à mudanças (como vemos na cena em
que Petra, a mãe e diversas outras mulheres aparecem boiando em águas calmas,
simbolizando tantas pessoas que lutam para encontrar paz nas águas do luto), Elena é mais do que terapia para sua
diretora: é um diário, é uma carta... é talvez um acerto de contas com sua irmã
e com sua própria vida, ousando enxergar a si mesma como realmente é, não
fantasiando sobre algum dia superar a morte de Elena, mas compreendendo como
essa morte a moldou e fazendo o possível para viver o melhor que pode com quem
ela é, aceitando-se por completo e por isso mesmo encontrando certa paz.
Nota:
10,0 / 10,0
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