Crítica Além da Escuridão – Star Trek (Star Trek – Into Darkness / 2013 / EUA)
dir. J.J Abrams
por
Lucas Wagner
Com um pai muito fã da franquia Star Wars, já nasci polarizado na eterna
briga entre Star Wars e Star Trek. Assim, quando assisti ao
primeiro filme desse reboot do J.J
Abrams em 2009, fiquei absolutamente
sem palavras diante do excepcional trabalho que tinha acabado de conferir.
Construindo personagens marcantes e tridimensionais, o Star Trek de 2009 ainda contava com uma trama fenomenal que unia
com perfeição a série (e filmes) clássicos da franquia com essa nova que estava
começando, enlaçando os dois universos ao mesmo tempo que promovia
possibilidades dramáticas interessantíssimas. O que é melhor ainda é que,
quatro anos depois, J.J Abrams e sua equipe voltam com um trabalho ainda melhor
nesse Além da Escuridão – Star Trek,
criando um longa extremamente intenso, empolgante e que sabe aproveitar as
possibilidades temáticas que surgem pelo caminho.
Tecnicamente sublime, esse novo filme tem
efeitos especiais que merecem espaço em uma análise crítica justamente pela
perfeição meticulosa com que foram construídos. Diferente das maiorias das
grandes superproduções modernas, que sempre traem a natureza virtual de seus
efeitos, aqui até mesmo os elementos mais fantasiosos ganham substância e
realismo, graças ao fantástico trabalho da equipe da Industrial Light &
Magic, que se importa com detalhes como ferrugens no exterior de naves ou com
os poros e detalhes da pele de uma raça alienígena atrasada. O design de produção ainda se sobressai na
criação dos diferentes ambientes, que surgem ricos, como o planeta Nibiru (se
não me engano é esse mesmo o nome) ou o próprio planeta Terra, com seu ambiente
frio e apático. O problema aqui é que Abrams continua investindo em muitos
planos fechados, o que prejudica o aproveitamento do visual como um todo, mesmo
que nesse filme em particular (e Super 8 também,
por sinal) ele insira mais planos abertos do que antes, mas ainda assim esses
últimos deveriam vir em ainda maior quantidade. Completando essa parte técnica
da crítica, a extraordinariamente linda trilha sonora de Michael Giacchino
ainda merece todos os aplausos do mundo, não só como valor musical em si mesmo,
mas também por ajudar a manter um ritmo empolgante e pontuando bem as cenas
mais intensas e as mais sensíveis.
J.J Abrams continua amadurecendo como diretor
de Cinema, desde que começou na função com o bacaninha Missão Impossível 3. Diminuindo os exageros que prejudicaram um
pouco o longa anterior, Abrams investe numa direção bem mais calculada e
pensada. Diferente do anterior, que assumia um ritmo insano demais desde os
minutos iniciais, o que atrapalhava um pouco o desenvolvimento da história e
dos personagens, neste aqui o diretor assume um narrativa mais sombria, se
focando na construção cuidadosa de uma atmosfera de tensão que culmina num
poderoso e longo clímax. Essa estratégia de não se exaltar durante boa parte da
projeção, aumentando o ritmo da narrativa de acordo com as reviravoltas que vão
se revelando e aumentando a urgência da trama, permite que o espectador vá se
adaptando aos diferentes rumos tomados, percebendo quando as coisas vão ficando
mais e mais perigosas e sentindo esse
perigo com muito mais intensidade. Dessa forma, se no anterior os planos
inclinados e outros movimentos ousados com a câmera vinham numa quantidade tão
massiva que diluia completamente o efeito buscado com essas técnicas pelo
diretor, aqui esses vem de forma mais moderada, passando a aumentar a
quantidade de acordo com as reviravoltas, alcançando assim o seu objetivo de
sugerir instabilidade, urgência e tensão. Até mesmo os flares, pelos quais Abrams tem um óbvio fetiche, aparecem mais
moderadamente aqui, embora o diretor não resista a partir de certo ponto e
derrame o efeito a torto e a direito. Mas tudo bem...
O caso é que com essa construção mais
cuidadosa da atmosfera, Abrams vai nos puxando para cada vez mais perto da
beira da poltrona até quase nos fazer cair dela, quando chega em um ponto
máximo onde a trama verdadeiramente se transforma numa corrida insana contra o
tempo, com um continuum de perigos
que revelam outros perigos ainda maiores que deixa o espectador quase que
arrancando os braços da poltrona. Assim, a qualidade das sequências de ação
desse novo filme é altíssima, talvez as melhores que Abrams foi capaz de
construir até agora em sua carreira. Explorando com habilidade as
possibilidades envolvidas em cada ambiente em que ocorre alguma luta ou
confronto, o diretor nos leva de superfícies de planetas e até a batalhas
espaciais na velocidade da luz, passando por momentos em que vemos seres
humanos livres no espaço e até uma extraordinária perseguição a pé que culmina
numa luta mano-a-mano no mínimo fascinante, sem contar o modo genial como Abrams aproveita um momento em que uma nave gira loucamente em queda para mostrar como os tripulantes tem que se virar dentro dela. A montagem enérgica, com o bom uso
de planos inclinados e a coreografia das batalhas, fazem das sequências de ação
desse Star Trek algo próximo do
brilhantismo. E tudo isso foi possível principalmente pela mão firme com que
Abrams conduz o seu filme.
Falando em mão firme, quem na verdade é o
provável líder e senhor desse longa é mesmo o capitão James T. Kirk, que possui
em Chris Pine um ator excepcional que segura e controla esse filme inteiro com
uma força extraordinária. Aproveitando o bem desenvolvido arco dramático do
personagem no longa anterior, onde Kirk passava de moleque sem rumo para um
verdadeiro líder, Pine explora como as novas habilidades do capitão agora são
testadas ao máximo. Sabiamente explorando momentos em que o personagem mostra
seu lado moleque e como esse fica em segundo plano quando encontra o lado da
responsabilidade que tem com a nave Enterprise e sua tripulação, Pine incorpora
Kirk como um líder corajoso que, mesmo que muitas vezes aja sem pensar direito,
é um homem de honra que faria de tudo por sua tripulação, que agora é sua
família. Para isso, o mais importante é o peso dramático que Pine confere ao
capitão, dando verossimilhança e muita intensidade às ações e escolhas deste,
que se mostra gradativa e genuinamente mais preocupado ao longo da projeção,
embora sempre tenha em mente que deve se manter no controle e ser o líder que
todos precisam. Assim, é fascinante que o vilão interpretado por Benedict
Cumberbatch (que já tinha demonstrado talento no seriado Sherlock e na obra-prima O
Espião Que Sabia Demais) seja como que a outra face da moeda em relação à
Kirk. Assim como o capitão, o vilão faz de tudo por aqueles que considera como
sua família, tem uma coragem e inteligência admiráveis, mas a intensidade com
que sente suas emoções e sua fúria indestrutível vem com uma força bem maior e
desequilibrada do que em Kirk. Dessa forma, temos aqui um embate entre vilão e
protagonista realmente admirável, que fica ainda melhor pelo fato de
Cumberbatch estar simplesmente impecável como o vilão, conferindo uma
intensidade absurda à esse nos momentos em que perde seu controle, ao mesmo
tempo em que sempre demonstra uma confiança total em si e em seus atos, se
colocando como que num pedestal que nos faz sentir pena do pobre coitado que
tiver a ousadia de desafiá-lo, o que faz com que ele represente um perigo real
para os heróis, tornando a experiência de assistir ao filme ainda mais intensa
e empolgante.
Zachary Quinto parece não ter muito o que
fazer com seu Spock (tão fascinante e complexo no filme anterior) até que
cheguemos ao terceiro ato, quando é explorado um lado diferente do personagem
que, no entanto, foi construído cuidadosamente ao longo da projeção, e que
exige bastante de Quinto como ator, algo a que ele
responde à altura, até mesmo ao adotar uma cadência mais calculadamente frágil em momentos específicos, enriquecendo assim ainda mais Spock. Aliás, a dinâmica entre Kirk e Spock surge, assim como no primeiro, extremamente rica e produzindo diversos momentos interessantes e muito bem trabalhados. De resto, ainda há muita gente inexplorada no elenco (como
os ótimos Karl Urban, Simon Pegg e John Cho), embora todos consigam cumprir bem
suas funções e tenham momentos em que brilhem um pouco mais (como quando Cho tem uns minutos como capitão da Enterprise). A exceção fica por conta de Zoe Saldana, que no longa anterior
compunha em Uhura uma figura sexy e forte, enquanto nessa continuação é apenas
um espécie de “namorada chata” (quem é sexy aqui é Alice Eve que... santo
Cristo...). James Weller e Bruce Greenwood completam o elenco conferindo a
maturidade esperada para as figuras de, respectivamente, Marcus e Pike,
enquanto Greenwood ainda é eficiente ao dar calor humano à esse segundo desses
personagens, algo que é vital para o desenvolvimento emocional do capitão Kirk.
Mas o que talvez seja o melhor desse Além da Escuridão – Star Trek é a
habilidade com que o roteiro explora as possibilidades dramáticas e,
principalmente, temáticas. No primeiro caso, os roteiristas, assim como no
primeiro filme, conseguem criar uma trama intrincada e interessante, que vai
revelando camadas ainda mais curiosas com o decorrer da projeção, ainda
conseguindo fazer um link fascinante com o universo da franquia clássica. Mas,
é no segundo caso que o roteiro realmente se sobressai, conseguindo
contextualizar esse novo Star Trek com
questões políticas e sociais relevantes e contemporâneas, principalmente em
relação à história recente dos EUA. É notável podermos enxergar no longa claras
metáforas para eventos absurdos da atualidade: há aqui referências aos eventos
envolvendo a Guerra do Iraque, principalmente quando lembramos que Bush atacou
o país com uma segunda e nada louvável intenção; a punição de um terrorista em
um ataque não autorizado (ring a bell?); e até mesmo os ataque às Torres Gêmeas
é aqui lembrado de maneira visual. Ainda mais impressionante é como os realizadores fazem com que o longa funcione como uma grande metáfora em especial à (SPOILER: quem não viu o filme continue no próximo parágrafo) ligação do governo e da indústria bélica, sendo que um necessita do outro e que aqui é observado como as tentativas de Marcus de militarizar a Frota Estelar, e para isso busca desencadear uma guerra que (como qualquer outra) matará diversos inocentes mas fará necessária a produção de armas, algo muito evidente no mundo real quando observamos que muitas das guerras desencadeadas pelos EUA (a do Iraque, sua entrada na Segunda Guerra Mundial e até mesmo a corrida armamentista da Guerra Fria) tinham como objetivo essencial a estimulação da produção bélica do país. Isso só já eleva esse Além da Escuridão a um patamar superior à maioria absoluta das
superproduções do gênero ação produzidas ano após ano.
Conferindo um peso humano admirável à obra,
J.J Abrams e sua equipe mais uma vez entregam um exemplar digno de nota de Star Trek. Um filme inventivo,
empolgante, intenso, bem feito e que acima de tudo ultrapassa a barreira de
mera ficção escapista e exige mais de si mesmo e de seus espectadores. Agora é
aguardar ansioso pela próxima aventura e torcer para que J.J Abrams, que agora
vai comandar um novo Star Wars,
consiga levar para essa franquia toda a qualidade que trouxe para Star Trek.
Nota:
9,8 / 10,0
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