Crítica Se Beber Não Case! Parte III (The Hangover Part III / 2013 / EUA) dir. Todd Phillips
Quando
chegou aos cinemas, em 2009, a comédia Se
Beber Não Case! se mostrou como uma bela surpresa no meio de tantos
exemplares do gênero inúteis e sem graça que lançam ano após ano. Trazendo
personagens marcantes e engraçados, o diretor Todd Phillips criava situações
inusitadas atrás de outras ainda mais inusitadas, transformando seu longa numa
experiência imprevisível e, por apostar num crescendo de absurdos entre figuras
absurdas, era praticamente surreal, o que tornou o filme uma peça rara
constantemente lembrada. Mesmo assim, ao realizar uma inevitável sequência, o
cineasta caiu nas mesmas armadilhas de tantas outras continuações, repetindo os
mesmos elementos que fizeram do primeiro um sucesso, e assim, realizou um longa
enfadonho e fraco, embora aqui e ali tivesse alguns elementos interessantes. Sem
cometer o mesmo equívoco de novo, Phillips retorna numa terceira parte direcionando
a franquia para caminhos diferentes que se ligam com perfeição aos dois
primeiros, além de apostar no mesmo humor insano que marca tanto sua carreira.
Dessa vez, a história começa quando Alan
(Zach Galifianaks) perde seu pai e fica desamparado e apresentando
comportamentos cada vez mais psicopatológicos, a ponto de sua família e
escassos amigos concordarem que o melhor para ele seria ser internado para
receber tratamento adequado. No caminho para isso, no entanto, o “bando de
lobos” (apelido dos quatro amigos) são interceptados por um chefão do crime,
Marshall (John Goodman), que os coloca contra a parede, obrigando-os a embarcar
em mais uma aventura insana, mas agora sem acordar de ressaca, drogados e com
animais estranhos dentro de um quarto de hotel num lugar desconhecido.
Buscando transformar a franquia numa
verdadeira trilogia, Phillips liga os eventos vistos aqui com situações do
primeiro filme que antes tinham ficado apenas como pano de fundo. Toda uma
cadeia de eventos foi iniciada nos acontecimentos do original que desencadeiam na
aventura de dimensões mais consideráveis vistas aqui. É algo como Christopher
Nolan fez em Batman – O Cavaleiro Das
Trevas Ressurge, só que em uma escala menor, é claro. Interessante é que
Phillips e o co-roteirista Craig Mazin conseguiram ligar todos os pontos de
maneira orgânica, sem alterar eventos já concluídos do passados (como Sam e Ted
Raime erraram em Homem Aranha 3), mas
sim criando contingências que foram construídas à parte dos eventos principais
de antes, ainda que sofrendo influência destes. Assim, coube à Todd Phillips
manter uma mão firme na direção, estabelecendo um ritmo crescente de energia ao
novo capítulo, o que o cineasta faz com sucesso, além de não deixar que as
coisas aconteçam rápido demais a ponto de se tornarem incompreensíveis. Mais
interessante ainda é que o roteiro consiga tomar rumos muitas vezes
imprevisíveis, como toda a situação envolvendo a mansão em Tijuana.
Infelizmente porém, é evidente que muitos obstáculos no caminho dos
protagonistas foram resolvidos de forma muito simplista e fácil, como toda vez
que precisam encontrar Chow (Ken Jeong).
Mais uma vez ficando na tênue linha que
divide o engraçado do ofensivo, Phillips novamente demonstra prazer quase
perverso em levar as situações aqui criadas a níveis insanos e bizarros,
torcendo a faca até limites praticamente inimagináveis (como não se lembrar do
momento em que os protagonistas são feitos de exemplos para dois policiais, no
primeiro filme, ou quando Robert Downey Jr. leva uma surra de um cadeirante no
excelente Um Parto de Viagem?). Aqui,
os limites são ainda mais altos do que anteriormente, e os absurdos das
situações só criam eco no absurdo da existência de um personagem como Mr. Chow,
aqui, por incrível que pareça, mais insano do que nunca. No humor negro,
Phillips não perdoa, e faz graça até mesmo com a decaptação de uma girafa. Mas
momentos mais simples também ganham mais humor pela habilidade do diretor de
exagerar nas situações (o que as torna engraçadas), como quando Alan sai de
costas olhando para Cassie (Melissa McCarthy) e derruba vários instrumentos
musicais, e não só uma vez; também merece comentários como o momento sem graça
em que Alan chupa um pirulito fica realmente engraçado apenas pelo design de som, que destaca o barulho do
pirulito na boca do personagem. Além disso, o diretor mostra confiança ao desenvolver
momentos cômicos que se passam no fundo do campo, enquanto focamos algo
diferente em primeiro plano (a morte do pai de Alan é o momento que vem
imediatamente à minha cabeça).
Investindo em uma seleção de músicas
impecável para a trilha sonora incidental (como já é de praxe para o diretor),
Phillips cria sequências elegantes que pontuam com perfeição as atmosferas
buscadas em cada cena, como ao usar N.I.B,
de Black Sabbath, como fundo para a sequência em que Phil (Bradley Cooper) e Alan
invadem uma suíte atrás de Chow, ou quando usa uma música também pesada (cujo
nome não sei) para mostrar o retorno do grupo à Las Vegas, ressaltando as
memórias tensas do trio com o lugar. Nesse ponto, o compositor Christopher Beck
(que deveria trabalhar apenas com Phillips) também acerta na trilha original,
trazendo de volta os excelentes acordes dos longas anteriores, e ainda criando
alguns mais grandiosos/épicos que se acomodam na atmosfera geral de conclusão
da trilogia. Ainda sobre o ponto de vista técnico, a fotografia de Lawrence
Sher estabelece com habilidade a diferença dos ambientes, como ao apostar numa
paleta mais granulada e num tom mais esverdeado para Tijuana (lugar mais
desconfortável), e na imagem mais “limpa” de Las Vegas, onde o neon “suga” a granulação, deixando a
impressão de plastificação, representando, talvez, a falsidade em que é
envolvido o ambiente da cidade. Os figurinos, mais uma vez, acertam ao
diferenciar, logo de cara, as personalidades dos três protagonistas: o
guarda-roupa mais esportivo e jovial de Phil; as roupas pequenas e apertadas,
além de infantis, de Alan; o figurino mais sóbrio de Stu, muitas vezes usando
rosa, ressaltando a “frescura” do personagem.
Falando em personagens, quem realmente recebe
destaque é Chow. Não que ele se torne mais complexo ou algo do tipo. Nada
disso. Chow é sim, como já fica claro desde o primeiro filme, praticamente um
alienígena, um ser completamente patológico cuja existência parece ter sido
fruto de um bug do Universo. E aqui
ele ganha bem mais tempo em tela, além de mais importância, e, diferente do que
aconteceu com Jack Sparrow no pavoroso quarto capítulo de Piratas do Caribe, Chow é um personagem bizarro que apenas ganha
com o tempo extra, já o seu nível de bizarrice e loucura continua surpreendendo
(“eu amo cocaína!!!”, “se você me soltar te faço um boquete! Serei uma ótima
esposa para você!”). E Ken Jeong mais uma vez abraça sem ressalvas o tipo louco
esquizotípico que já tinha criado para o personagem e que ressaltou no seriado Community¸ onde interpreta Chang. Já
Alan também é uma figura exagerada que parece inconcebível no mundo real (o que
não é um erro, já que se adequa ao universo do filme). Com sua doçura e
carência infantis, Alan continua agindo como uma criancinha, cujo grande herói
é Phil e que não aceita estar errado. Dessa vez, no entanto, ele se encontra
mais agressivo, por achar que é um adulto e que ser agressivo é atitude de
adulto. E Zach Galifianaks não muda em nada sua performance, embora essa ainda
esteja ótima e divertidíssima, além de pontualmente comovente, como a sua
alegria quando conhece Cassie ou quando conversa com o bebê com o qual divide a
tela no longa original, e que agora está mais crescidinho.
Bradley Cooper e Ed Helms infelizmente caem
no piloto automático. Sem encontrar onde desenvolver mais o excelente
personagem de Phil, Cooper (recém saído de um excepcional trabalho no, no
entanto, mediano O Lado Bom da Vida)
é obrigado a repetir o mesmo arco dramático das outras vezes, ou seja, do homem
imaturo e festeiro que é obrigado a agir como o adulto da situação; dessa vez
nem Cooper consegue se entregar direito ao personagem, e compõe uma figura já
cansada (e olha que no segundo filme, mesmo com o mesmo arco dramático, Cooper
ainda pode desenvolver Phil um pouco mais, pelo menos com esse assumindo mais
prontamente a situação). Ed Helms parece ter perdido toda a graça desde que
acabou o filme original, e aqui, nem mesmo o arco de “homem civilizado e calmo
que se descontrola em situações que não possui o controle” ele tem, e fica
entregue a... nada. É um personagem vazio e apagado. Mas onde os dois se apagam,
John Goodman brilha como Marshall, compondo um vilão excepcional. Conseguindo
deixar bem claro o nível de maldade do personagem, nos fazendo teme-lo, Goodman
cria um vilão marcante e perigoso que, no entanto, é responsável por uma das
cenas mais engraçadas do filme, quando demonstra certa compreensão e simpatia
por um dos protagonistas (vocês irão reconhecer a cena).
Tendo sido injustamente massacrado por boa
parte da crítica mundial, Se Beber Não
Case! Parte III ainda assim é um longa divertido e empolgante, além de bem
realizado. Assim como com grande parte dos filmes de Todd Phillips, não vai
agradar quem não é fã de humor negro, e ainda é provável que o exagero das
situações incomode muitos. Mas, na minha humilde opnião, é um bem-vindo pedido
de desculpas do diretor pelo segundo filme, e que, mesmo não tão bom quanto o
longa original ou Um Parto de Viagem, ainda representa um retorno de Phillips à boa forma.
Nota:
8,6 / 10,0
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