Crítica
filme “Oblivion” (Oblivion / 2013 / EUA) dir. Joseph Kosinski
por
Lucas Wagner
Algo cada vez mais raro vem acontecendo quando
assisto um novo filme hollywoodiano:
eu me sentir interessado pelo que estou vendo por não conseguir prever para
onde a história vai. E, surpreendentemente, isso me aconteceu nesse Oblivion, quando me percebi realmente
curioso em saber mais detalhes sobre a trama e como tudo aquilo iria acabar. Não
que o filme seja realmente grande coisa, já que possui problemas mais graves sobre
os quais discorrerei mais abaixo, mas é fato que os rumos que a trama toma são
mais diferentes do que os que geralmente vemos, ao mesmo tempo em que é ambicioso
para, com uma narrativa calma (algo também raro hoje em dia), conseguir
explorar diversos âmbitos, flertando com conspirações, ecologia, dúvidas
existenciais e até mesmo um romance (que nunca se torna enfadonho), embora não
consiga adentrar muito satisfatoriamente em nenhum desses âmbitos.
O roteiro é de Karl Gajdusek e Michael Arndt
(responsável por Pequena Miss Sunshine e
Toy Story 3), baseado nos quadrinhos
criados pelo próprio diretor, Joseph Kosinski (de Tron: O Legado), e acompanha um planeta Terra que sofre as
consequências da destruição da Lua e de uma invasão alienígena (os
“saqueadores”), que resultou numa guerra nuclear que acabou com o planeta. Enquanto
esperam para poderem migrar para Titã, Jack (Tom Cruise) e Victoria (Andrea
Riseborough) passam o dia-a-dia fazendo a manutenção dos drones (robôs de segurança contra os “saqueadores” remanescentes). As
coisas mudam quando Jack descobre uma astronauta que lhe é estranhamente
familiar.
O desenrolar da trama de Oblivion é eficiente por ir aumentando cada vez mais o
estranhamento das situações, quando essas vão ficando mais absurdas e por isso
mesmo mais interessantes. Sem buscar ficar mastigando demais a narrativa para o
espectador, os realizadores conseguiram montar uma história que funciona como
uma mistura inusitada de 2001: Uma
Odisséia no Espaço, Lunar e Planeta dos Macacos, pegando elementos
desses três longas e inserindo-os organicamente dentro da trama, além de fazer
homenagens explícitas a cada um deles, principalmente 2001 (o visual dos drones aqui
é basicamente idêntico ao dos pods de
lá; uma criatura vista no terceiro ato não consegue deixar de lembrar o
inesquecível HAL-9000 do clássico de Kubrick; e também, é claro, a imagem de um
determinado corpo flutuando em gravidade zero, no espaço). Mas, diferente de
como A Origem, de Christopher Nolan, pega elementos de Matrix, Sinédoque Nova York e
Paprika para criar algo totalmente
novo, complexo, original, o que Oblivion faz
com 2001, Lunar e Planeta dos Macacos é
simplesmente montar um quebra cabeça com elementos desses três filmes (e até um
pouquinho de Independence Day, por
sinal), criando algo curioso e empolgante, mas não exatamente original; o que
não um grande problema, afinal, mas é um fato.
Kosinski vai trabalhando seu filme com uma
calma rara nos blockbusters atuais, e
vai permitindo que o clima de melancolia que domina a história vá nos
enlaçando, trocando um número maior de explosões por um tom mais contemplativo.
Isso fica bem claro no longo primeiro ato do longa, que visa apresentar aquele
universo ao espectador, sem pressa para começar logo a trama. Basicamente todo
o primeiro ato se preocupa em explorar um dia de trabalho de Jack e Victoria,
construindo até mesmo uma bela e triste cena em que os dois jantam à luz de
velas e logo depois nadam juntos. É claro que aqui, Kosinski deixou passar a
oportunidade de enfocar pequenos aspectos do cotidiano daqueles dois (não seria
bacana ver Victoria, por exemplo, limpando a piscina?), o que daria ainda mais
verossimilhança para o filme; mas isso não é algo vital, só que é algo que eu
com certeza faria se estivesse dirigindo o longa (mas eu também faria a linda
Olga Kurylenko vomitar quando Tom Cruise faz piruetas com sua nave, então eu
sou meio louco mesmo). Como disse no primeiro parágrafo, Kosinski busca
explorar diversos âmbitos possíveis em seu filme, colocando elementos de
conspiração, aspectos ambientais, intrigas, romance, etc, o que é muito
interessante por dar uma dimensão maior à obra, além de evidenciar maior ambição
de seus realizadores. No entanto, ao mesmo tempo em que isso é curioso,
Kosinski acaba não conseguindo explorar com propriedade todos esses aspectos
nas duas horas de duração, o que acaba enfraquecendo a obra. Por exemplo: não
seria interessante que as consequências da destruição da Lua não fossem apenas
citadas, mas também às víssemos na prática, em ação, funcionando como um
elemento a mais para criar tensão? Ou ainda, não seria bacana conhecermos mais
profundamente a vida dos “saqueadores”? Não seria fascinante se as reflexões de
Jack sobre sua natureza ultrapassasse os limites da ligação com Julia
(Kurylenko) para explorar sua humanidade, sua psicologia, seu valor dentro do
contexto de um mundo que não mais existe? Nesse mesmo aspecto, quais seriam as
consequências psicológicas para a descoberta massacrante que Jack faz sobre ele
mesmo, sobre sua natureza (algo que Lunar,
com o qual Oblivion divide essa
revelação, explorou com tanta perfeição)? E a reação de Julia diante desse
mesmo aspecto? Não seria algo intrigante e complexo de se desenvolver? Essas e
outras tantas lacunas que Kosinski e seus roteiristas poderiam explorar são,
infelizmente, ignoradas, diminuindo absurdamente o valor da obra.
No aspecto visual, Oblivion é basicamente só perfeição. Com efeitos especiais
impecáveis principalmente por esconder habilidosamente a natureza digital do
que vemos, Kosinski ainda consegue acertar em cenas de ação que surgem
eletrizantes e bem montadas, nos entregando até mesmo um ótimo plano sequência
em que acompanhamos um drone em ação.
A trilha sonora de Anthony Gonzales (da banda M83) é eficiente ao investir mais
na melancolia do que no impactante, ao passo que a fotografia de Cláudio
Miranda (mesmo de As Aventuras de Pi e
Tron: O Legado) é impecável na
exploração de ambientes apocalíticos e na geografia desconexa, juntamente com a
paleta de cores frias e nostálgicas (e é apenas em momentos chaves e ambientes
específicos que as cores ficam mais claras e quentes). Também o trabalho de
figurino é eficiente ao colocar Jack em roupas mais confortáveis que remetem ao
passado quando está em certos ambientes, e também pelo fato de Victoria sempre
usar uniformes cheios de insígnias da empresa da qual é empregada, ressaltando
sua submissão à essa. No que diz respeito à direção de arte, Oblivion acerta na retratação da
diferença dos ambientes tecnológicos de onde Jack e Victoria vivem para aqueles
mais claustrofóbicos que revelam o lar dos “saqueadores”; além disso, ambientes
como o TET e a biblioteca subterrânea são atrativos à parte.
Apesar de seus inegáveis acertos, Oblivion comete um erro talvez ainda
mais grave do que os que discuti no quarto parágrafo: a completa incompetência
no desenvolvimento dos personagens. Jack é um personagem completamente clichê,
apenas uma repetição do tipo de protagonista que vem se tornando cada vez mais
comum em produções desse tipo: a quem falta memória e que é atormentado por
sonhos que ele não sabe se se refere à um passado verdadeiro ou é só fantasia (mas
é claro que não é só fantasia). Além disso, todo o seu amor pela Terra, e de
achar que esse é o seu lar, mesmo tendo nascido depois de seu fim, nunca cola,
e acaba tornando-o mais enfadonho (a cena em que ele começa a narrar um jogo
clássico de futebol americano que nunca presenciou é, sinceramente,
vergonhosa). Tom Cruise, assim, mesmo na entrega habitual ao personagem, não
consegue tornar Jack uma figura mais complexa e tridimensional, ficando preso à
um protagonista desinteressante, por mais que revelações empolgantes sejam
feitas (só que não são bem exploradas, como já disse). Já Morgan Freeman mais
uma vez desperdiça seu talento em um personagem inútil, e Olga Kurylenko nunca
convence na interpretação nostálgica e melancólica que tenta dar à Julia. A
única que consegue, com muito esforço, deixar a personagem um pouquinho mais
interessante, é Andrea Riseborough, como Victoria, já que é uma personagem mais
ambígua que, de vez em quando, parece se sentir meio culpada pelo pragmatismo
absoluto que emprega em sua vida.
Caindo ainda no erro de deixar coisas sem
explicação alguma (porque Julia parece ser tão importante para todo mundo,
afinal de contas?), Oblivion consegue
nos fazer ignorar um pouco mais de seus erros com o seu final, que surge
corajoso e até poético. Mas, ainda assim, o filme acaba engolido pela falta de habilidade
dos realizadores para explorar com toda a competência necessária uma trama com
tantas possibilidades como essa. É, sem dúvida, um bom filme, interessante e
curioso, mas que não consegue passar disso.
Nota:
6.0 / 10.0
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