Crítica filme “Mama” (Mama / 2013 / Espanha, Canadá) dir. Andrés Muschietti
por Lucas Wagner
O curta metragem Mama, de 2008, do argentino Andrés Muschietti, tinha pouco mais de dois minutos de duração e ainda assim era uma experiência interessante justamente por deixar o espectador com a pulga atrás da orelha quanto aos antecedentes daquela história. Mais interessante era que Muschietti conseguia arrepiar pela natureza macabra do minúsculo trecho de história que assistimos: quando uma irmã acorda a outra dizendo “Mamãe (mama) está de volta”, não conseguimos imaginar que o que veríamos seria a criatura macabra e arrepiante que aparece. E é convertendo aquilo que é sagrado (a relação entre mãe e filhas) em algo profano, sem explicação de como ou por quê, que o diretor conseguia nos deixar tão curiosos e assustados, mesmo em tão pouco tempo. Impressionando o consagrado cineasta Guillermo Del Toro, Muschietti conseguiu apoio de produção e pôde, assim, transformar o curta em longa metragem. Podemos dizer, no entanto, que o que havia de mais interessante no curta se perde aqui, já que, inexperiente, Muschietti não consegue escapar das convenções do gênero terror, por mais que seu filme seja pontualmente interessante.
De forma resumida, o roteiro de Muschietti, Barbara Muschietti e Neil Cross contam uma história que envolve um massacre promovido por um executivo pai de família que, num surto psicótico, mata mulher e sócios, deixando ainda as filhas sozinhas desaparecidas no meio do nada. Sem desistir das buscas, seu irmão, Lucas (Nikolaj Coster-Waldau), consegue encontra-las cinco anos depois na cabana em que o pai as deixou. Com sérios problemas de desenvolvimento, as irmãs são aos poucos reintroduzidas no meio social, com a ajuda de Lucas, sua namorada Annabel (Jessica Chastain) e o psicólogo Dreyfuss (Daniel Kash), que busca estuda-las e compreendê-las melhor. No entanto, as garotas não estiveram sozinhas durante todo esse tempo na cabana, mas contaram com a ajuda de um fantasma que elas chamam de “mama”.
Se tem algo muito bacana em Mama é que, até certo ponto, Muschietti consegue contornar a trama convencional dos filmes de terror atuais, e transforma sua obra numa experiência mais curiosa por estender-se à mitologia que cria e por certos elementos. A questão das meninas terem sido encontradas quase como selvagens é um ponto legal, assim como a própria situação de terem tido um fantasma como cuidadora. O filme ganha um impulso no momento em que as garotas são encontradas e agarra a atenção do espectador, nos deixando curiosos com como o roteiro desenvolverá essas situações. Infelizmente, o que é interessante quanto à trama acaba aqui, já que, como eu disse antes, Muschietti não consegue fugir tanto das convenções do gênero e, como fica bem fácil de notar, Mama possui uma estrutura basicamente idêntica a qualquer longa de terror dos últimos tempos, o que faz com se torne muito previsível e até enfadonho. O que é uma pena, já que há muitos pontos interessantes que ainda poderiam ser desenvolvidos, como a clara ligação que Muschiatti faz entre seu filme e histórias de conto de fadas, como no ambiente enevoado da cabana, as borboletas que circundam uma personagem, as cerejas que as meninas comem, e até mesmo ao começar o longa com a expressão “Era uma vez...”.
Mas Mama ainda continua tenuamente interessante pela própria fantasma que dá nome ao filme. Embora sua natureza seja bastante clichê, como vamos descobrindo no decorrer da projeção, ela desperta interesse pelo design macabro que a transforma num ser “quebrado”, torcido, claramente expressionista. O modo como se move também é assustador já que ela se movimenta como que com espasmos, “flickando”, lembrando espíritos de filmes de terror japoneses. O desing de som também faz um bom trabalho ao transformar os sons emitidos pela personagem em algo absolutamente aterrorizante, que é o grande responsável por uma das únicas cenas realmente assustadoras do longa. Há ainda a descrição que uma personagem faz sobre um fantasma, que surge poética e elegante, além de lembrar bastante aquela feita no excepcional A Espinha do Diabo, de Guillermo Del Toro (será só coincidência?). Também, no clímax, confesso que senti certa simpatia e melancolia pela fantasma, o que me surpreendeu.
Infelizmente, se senti certa simpatia pela vilã no fim do filme (e olha que, no geral, ela não é nem um pouco simpática), o mesmo fica difícil dizer quanto a outros personagens, pois falta desenvolvimento apropriado a cada um deles. Annabel é uma figura extremamente antipática, egoísta e maldosa, sem qualquer dimensionalidade, sofrendo, no entanto, uma mudança brusca no fim do segundo ato que, sem tal mudança, os roteiristas perceberam que seria difícil concluir seu trabalho. Essa mudança poderia muito bem ter tornado Annabel numa pessoa mais tridimensional, já que permite um arco dramático que, mesmo nada original, é interessante e envolvente. Mas não é o que ocorre, e, por mais que esteja irresistível (mais do que já é) no estilo punk rock n’ roll durona, a atriz Jessica Chastain não pode fazer nada para melhorar sua personagem, por mais que tenha acabado de sair de uma atuação extraordinária no recente A Hora Mais Escura. É claro que, boa atriz como ela, Chastain se agarra ao que pode, tentando ampliar o impacto das mudanças da protagonista, mas essas são sempre jogadas de forma brusca pelo roteiro, o que realmente impede o espectador de se ligar emocionalmente com o que está acontecendo. Já em Lucas fica evidente o esforço de Nikolaj Coster-Waldau em deixar evidente o amor que esse tem pelas sobrinhas, mas acaba que o ator não possui tanto tempo para desenvolver o personagem e, culpa do roteiro de novo, não conseguimos saber por que ama tanto as sobrinhas, já que em nenhuma cena do filme antes isso fica meramente evidente (a não ser quando ele diz isso). Quem interpreta a única personagem realmente complexa do longa é Megan Charpentier como Victoria, a mais velha das meninas, que, por, antes de ter sido isolada, já tinha domínio de vocabulário e certa noção de como se comportar, é a única que tem reais chances de se recuperar. E é realmente sofrido ver os dilemas da menina entre todas as realidades pelas quais passou. Ainda há o interessantíssimo detalhe de seus óculos: quando vê Mama, ela tira os óculos, como se para evitar enxergar a criatura aterrorizante, porém protetora que tem na sua frente (e o que dizer do momento em que a própria Mama tira os óculos do rosto da guria ? Muito bacana).
Em questão de direção, Muschietti quase nunca consegue sair do lugar comum, o que ainda piora devido ao fato de o diretor investir demais em sustos fáceis (aumento da trilha sonora e aparece algo assustador, com um baque forte) que, ao invés de realmente deixar o filme mais assustador, consegue mais é irritar, sem contar que, ainda por cima, o diretor revela um uso incompetente da trilha sonora, já que são raros os momentos em que não há música tocando, o que acaba cansando. No entanto, aqui e ali, Muschietti surpreende na composição extremamente eficiente de alguns quadros. Um plano em específico merece aplausos: quando o diretor posiciona sua câmera de modo que podemos ver o quarto das meninas através da passagem da porta (no ponto de fuga direito, atraindo assim mais atenção do espectador) e também podemos enxergar o corredor da casa; com isso, Muschietti cria uma tremenda cena, enganando o espectador através de uma excepcional mise-en-scéne (movimentação dos atores em cena), quando vamos gradualmente descobrindo o que realmente está acontecendo (e ainda é sensacional que, mesmo numa cena que se revela tão tensa, Muschietti consiga incluir um toque de humor impecável, bem nos últimos segundos da cena). Falando em mise-en-scéne, há outra memorável que marca o longa, que é quando fica evidente a mudança de Annabel através de uma luta que, aos poucos, se torna um gesto de carinho. Há também o plano sequência que, mesmo não tão fascinante, é bastante frenético e inclui uma recriação do próprio curta metragem dentro do contexto da cena.
No entanto, Mama ainda perde força mesmo com alguns atrativos como esses, e um dos maiores problemas é o não aproveitamento de uma trama com bases possivelmente muito interessantes, que poderiam acabar em um longa muito mais complexo em que o terror fosse apenas mais uma das variáveis envolvidas, e não tudo o que interessa. Quais, por exemplo, poderiam ser os possíveis desdobramentos das descobertas do psicólogo? Faltou desenvolvimento do processo de aproximação de Annabel e das garotas, e, o que é mais decepcionante, Muschiatti perdeu a oportunidade de explorar o processo de reabilitação das meninas, que fica totalmente apagado pelo enfoque no terror. Ainda há outros equívocos: um psicólogo de verdade não buscaria uma explicação sobrenatural para os eventos da forma como esse aqui buscou, logo de cara; ele demoraria muito para descartar as explicações racionais. Qual é, também, a ligação exata entre Annabel e Mama, que permite a primeira de sonhar com eventos da vida da segunda? E ainda não podemos desconsiderar os clichês estúpidos do longa, típicos de filmes idiotas de terror, como quando um personagem, ciente dos perigos que pode enfrentar, vai a cabana de noite, com uma lanterninha. Ainda há um defeito que consegue ser mais grave do que todos esses, que é o fato de Muschiatti usar as meninas com problemas de desenvolvimento (principalmente a mais nova), o que as tornam “estranhas”, como elementos para causar sustos, o que é meio ofensivo e idiota. Só que a intensidade com que o diretor faz isso aqui é até perdoada se lembrarmos de como essa mesma estupidez foi cometida no deplorável A Última Casa da Rua, que parecia enxergar uma mulher com deficiência mental como uma espécie de Samara (fantasma do filme O Chamado).
Enfim, Mama não é um péssimo filme, mas está longe de ser algo bom como poderia. É um longa levemente suportável e totalmente esquecível que não faz real esforço em se diferenciar minimamente de qualquer filme de terror que lançam aos montes todo ano, e que só deixam mais deprimidos fãs desse gênero, como eu, por exemplo.
Nota: 5,0 / 10,0
Nenhum comentário:
Postar um comentário