sexta-feira, 19 de abril de 2013



Crítica filme A Morte do Demônio (Evil Dead / 2013 / EUA) dir. Fede Alvarez

por Lucas Wagner  

  Conseguindo criar um clima de claustrofobia e tensão extremamente eficazes, investindo em movimentos de câmera e efeitos de fotografia e de som específicos que mergulhavam o espectador na insanidade, além de investir num divertidíssimo uso do gore criando um efeito agridoce de humor bizarro, o então jovem estudante de Cinema Sam Raime, em 1981, criou um dos maiores clássicos de terror de todos os tempos: Evil Dead. Com tamanho (e inesperado) sucesso, o longa se transformou numa franquia, que tomou um rumo bastante diferente e criativo no ótimo Evil Dead 2 e no razoável Evil Dead 3: ao invés de serem voltados para o terror (como o primeiro), os dois últimos buscavam ficar na fronteira entre horror e a comédia pastelão (“Groovy!”), sendo que apenas Evil Dead 2 conseguiu um resultado realmente eficaz nessa questão. Agora, mais de vinte anos desde o último filme, Raime retorna como produtor na refilmagem do original dirigida pelo estreante Fede Alvarez, que consegue se transformar quase que num longa à parte, fugindo de apenas repetir o que fez sucesso no primeiro filme, e assim cria algo próprio, mesmo que com inegáveis problemas e sendo infinitamente inferior ao clássico original.

  Buscando mostrar que esse se trata de um filme próprio e não apenas uma refilmagem, Alvarez mergulha o longa num tom constantemente sombrio e macabro, não deixando espaço algum para qualquer humor. Assim, esse novo Evil Dead já abre com um prólogo que surge demoníaco por si só, mostrando uma morte violenta e dolorosa antes mesmo de o título aparecer na tela, já nos preparando para o tipo de coisa que iremos presenciar na próxima hora e meia. Assumindo também uma perspectiva mais séria e emocionalmente densa do que a que Raime explorou, Alvarez e o coroteirista Rodo Sayagues criam personagens que dessa vez não procuram apenas um final de semana de descontração junto aos amigos, mas sim pessoas que, mesmo jovens, são marcados por tragédias e problemas interpessoais e que se uniram naquela cabana (também cheia de memórias) com o objetivo de ajudar a amiga Mia (Jane Levy) à passar por um doloroso processo de desintoxicação das drogas, nas quais mergulhou depois da morte da mãe. A cada segundo de Evil Dead o espectador se sente oprimido, desgastado e cansado diante de tanta tragédia que domina a vida daqueles personagens, sendo que essas sensações são ainda mais ressaltadas pela câmera sempre inquieta/nervosa de Alvarez e por seus planos na maioria fechados. A fotografia de Aaron Morton busca também mergulhar o longa quase sempre na neblina, apoiando-se numa paleta baseada no cinza e no preto (exceto quando os personagens principais são apresentados, onde resquícios da luz do sol representam um fragmento de esperança que os domina, mesmo que fracamente), criando um constante tom de melancolia. E também é preciso reconhecer que a própria direção de arte acerta ao criar a cabana não só como um ambiente sombrio que remete ao original (até mesmo o banco de balanço está lá) mas também como um perfeito símbolo para um passado mais alegre que contrasta com o horrível presente, e assim é um toque de brilhantismo do design de som colocar sons distantes e fantasmáticos de risadas e conversas que veem à memória de Mia ao olhar para fotografias na cabana.

  Sabendo aproveitar bem suas ideias, Alvarez e Sayagues exploram a tênue linha que diferencia a desintoxicação de Mia de uma verdadeira possessão, criando uma narrativa orgânica que liga o processo de recuperação da personagem com a liberação dos espíritos malignos que irão atormentar todo o grupo. Do clássico original, Alvarez busca, acertadamente, não repetir as cenas clássicas, mas sim criar outras que funcionam dentro de sua própria narrativa e lembram o trabalho de Raime. Assim, o inesquecível momento em que uma jovem era estuprada por uma árvore ganha uma certa memória numa cena similar, mas não igual. O mesmo pode ser dito em relação ao momento em que uma personagem é mordida na mão por uma possuída (desta vez recordando um momento icônico de Evil Dead 2). Mas também existem homenagens mais sutis ainda, como a corrente que David (Shiloh Fernandez) dá à sua irmã (que é a mesma que Ash dá à namorada no original), a câmera subjetiva do demônio, a serra elétrica, e até mesmo quando vemos Mia sentada em um Delta 88, carro no qual Sam Raime é apaixonado e inclui em praticamente todos os seus filmes.

  Alvarez desce a mão pesadamente mesmo é sobre o gore, à um nível de violência insana que aqui, diferente de antes (especialmente nos dois últimos filmes), não tem qualquer pretensão de humor. Se antes acharíamos graça de uma personagem vomitando sangue em outra, aqui qualquer graça que poderia existir nesse exagero é sugado para fora do filme por uma atmosfera tão densa que elimina humor. O diretor também usa o grafismo extremo enfocando, por exemplo, tendões e ligamentos de um braço se rompendo, com o objetivo de tornar aquilo tudo mais real, e não fantasioso (e não poderia deixar de citar outro acerto do design de som no que se refere ao terrível barulho de uma personagem se automutilando no escuro). Essa violência também serve à um outro propósito além de nos fazer levar a sério o que estamos vendo e deixar tudo mais real: o nível vai crescendo a ponto de adquirir um ar mais surrealista apocalíptico, culminando numa chuva de sangue. Alvarez também demonstra inteligência ao usar o mínimo possível de efeitos criados em computador, preferindo assim trucagens mecânicas e uma maquiagem grotesca que conferem maior verossimilhança à obra, mesmo que a maquiagem deste não tenha nem um pouco da inventividade e originalidade que tanto enriqueceram os filmes anteriores, que contaram com o grande Greg Nicotero (hoje bem conhecido por seu trabalho na maquiagem no seriado The Walking Dead) como responsável por essa área.

  Uso a questão da maquiagem para entrar nos demônios: aqui, apesar de ameaçadores, eles não se destacam como criaturas minimamente memoráveis. São apenas zumbis, com olhar perdido e tendências malignas cujo único objetivo é ferir suas vitimas. O que é uma pena, já que um dos grandes acertos do original (e do segundo filme também) residia justamente nos monstros, que surgiam como criaturas irônicas e sarcásticas que não visavam ferir apenas fisicamente seus adversários, mas destruí-los psicologicamente também. É bem verdade que o sarcasmo dos demônios não cairia bem na versão de Alvarez, mas ele poderia ter explorado o potencial deles em mergulhar suas vítimas na loucura/desespero. Aqui e ali Alvarez flerta com essa possibilidade (como quando a porta do espelho fecha sozinha na frente de uma personagem, revelando um reflexo satânico que prevê o que acontecerá a seguir), mas são muito raros para significar muita coisa. Acaba que esses monstros se tornam até mesmo um pouco cansativos durante o segundo ato, prejudicando o longa por torná-lo um pouco repetitivo.

  Alvarez pode ser promissor na direção, como já deixei claro ao ressaltar aspectos de seu trabalho aqui, mas ele ainda precisa crescer bastante. Se é um acerto que ele invista em planos mais fechados para criar claustrofobia, e também mantenha a câmera sempre inquieta, esses mesmos aspectos acabam prejudicando diversas cenas de ataques de monstros à pessoas, já que fica muito difícil distinguir exatamente o que está acontecendo na tela. Assim também vale ser ressaltado quanto à fotografia de Aaron Morton que, embora faça um bom trabalho ao conseguir tornar visíveis cenas que se passam no breu total (e outros acertos que já comentei), peca ao deixar escuro demais certos momentos (o beijo lésbico de uma possuída mutilada com a loira bonita, por exemplo, é quase impossível de enxergar). Mas o diretor Alvarez acaba encontrando seus maiores problemas ainda ao não conseguir encontrar maneiras mais criativas de explorar o terror (sem ser só a violência e o gore), não alcançando assim a sensação de pura insanidade que Raime alcançou no original, principalmente no final. Outro grave problema reflete-se na dificuldade que Alvarez encontra para desenvolver seus personagens, apelando até mesmo para a trilha sonora constante para isso.

  Os personagens, aliás, em sua maioria, quase nunca conseguem encontrar um grau maior de tridimensionalidade, algo que também era evidente nos antigos mas que lá acabava não incomodando tanto pela abordagem descompromissada que Raime adotou, diferente da seriedade deste aqui. Eric é um cara arrogante e meio burro, sobre o qual nunca compreendemos muito a não ser que tem algum problema com David que nunca fica bem esclarecido. A loira Elizabeth Blackmore como Natalie só pode ser bonita e calada, encontrando pouquíssimo momentos nos quais pode fazer algo a mais. A linda Jessica Lucas consegue conferir pelo menos alguma força para sua Olivia. Já David é um personagem meio sem graça mas com alguns aspectos interessantes: em primeiro lugar porque é evidente que os roteiristas compreenderam que o que tornou (no primeiro filme) o protagonista Ash num personagem mais memorável, foi justamente sua fragilidade e inocência, características que divide com David, seu sucessor; em segundo lugar, porque todo o background de covardia e culpa que dominam o personagem lhe conferem maior tridimensionalidade e tragicidade, criando para ele até mesmo um arco dramático bem resolvido. O problema fica por conta da atuação de Shiloh Fernandez, ator inexpressivo e incompetente que não consegue trabalhar bem nem mesmo emoções mais básicas de David.

  É, no entanto, na figura de Mia que Evil Dead parece encontrar rumos mais ambiciosos. A questão é que, quando acabamos de ver o filme, a sensação que temos é (não leia o resto deste parágrafo se não tiver assistido. Continue no próximo parágrafo) de termos presenciado uma verdadeira e dolorosa recuperação de Mia do mundo das drogas. Ela ficou mergulhada numa personalidade completamente alheia quando estava possuída (como quando ficava quando sob o efeito das drogas) até que, depois de ser ressuscitada (como havia acontecido depois que sofreu overdose) ela tem a chance de encontrar forças novamente para lutar contra demônios internos (e externos também). Também devemos considerar que um dos aspectos mais problemáticos em relação à pessoa de Mia se refere à ausência de seu irmão, David, que sempre parece fugir de responsabilidades e dificuldades maiores; dessa forma, é realmente muito admirável observar como os roteiristas colocaram David como salvador de sua irmã, sendo o responsável por sua ressuscitação (literalmente do inferno e simbolicamente do mundo das drogas), finalmente abraçando lados mais difíceis e maduros com aqueles com quem tem responsabilidades. E era o que Mia precisava para conseguir se recompor: da figura do irmão, que agora se sacrifica por ela (literalmente). Assim, o terceiro ato ganha uma força extrema que o filme não tinha encontrado até então, já que encontra simbolismos interessantíssimos desde a chuva de sangue até o fato de o demônio contra o qual Mia luta ter a exata aparência dela mesma. Dessa forma, é como se ela estivesse lutando contra si mesma, contra demônios internos e externos e assim encontrando a salvação que tanto procurava. O final do filme surge feliz, pela primeira vez em qualquer Evil Dead, mas isso não foi um erro, mas um acerto que revela até coragem dos realizadores (tenho certeza que muito fã ignorante dos antigos não gostará muito de um final em que alguém sobreviva). E se Jane Levy não é uma grande atriz, a personagem e o seu arco dramático são muito bem escritos e simbolizados para que Mia ganhe força suficiente como protagonista.

  Se mostrando como um filme de terror realmente bom depois de muito tempo de apenas bobagens ou coisas inúteis no gênero, Evil Dead ganha mais se o enxergarmos não como uma refilmagem, mas como um longa de terror com problemas e acertos que faz parte do mesmo universos dos clássicos. Agora, interessante é o fato de Sam Raime estar voltando ao mundo de Evil Dead para escrever e dirigir a continuação do terceiro filme e que Fede Alvarez já planeja uma continuação deste sobre o qual acabei de escrever. Imaginem como será que os dois cineastas farão uma ligação entre os dois filmes? Já aguardo ansioso.

PS 1: A cena pós-créditos levará fãs dos originais, como eu, à loucura.

PS 2: A letra inicial do nome de cada um dos personagens formam a palavra DEMON (“demônio”, em inglês): David, Eric, Mia, Olivia, Natalie... DEMON!

Nota: 8.0 / 10,0

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