Crítica filme "Um Alguém Apaixonado" (Like Someone In Love / 2012 / Japão, França) dir. Abbas Kiarostami
por Lucas Wagner
Chega a ser até embaraçoso conversar com
alguém que está em um relacionamento complicado. Para alguém de fora do
romance, a resposta para todos os problemas de seu (sua) interlocutor (interlocutora)
é bastante simples: terminar o relacionamento. O que é o racional a se fazer,
afinal, se algo está nos fazendo mal, paramos de mexer com esse algo. Se comer
camarão me faz vomitar, eu simplesmente não como camarão. Até mesmo nosso
organismo faz isso ao nos fazer vomitar se comemos algo venenoso, expulsando o veneno
do sistema. Mas porque então, estando em perfeito estado de razão, preferimos
continuar sofrendo com um relacionamento morto ao invés de puxar o plugue da
porcaria? Falar assim é fácil, simples, mas relacionamentos são muito mais
complexos e misteriosos, e a pessoa que está vivendo um não parece estar com as
faculdades mentais em perfeito estado.
Olhando de maneira fria e calculista, toda a
razão pela qual entramos em um relacionamento é para procriar. Justifica-se
assim até mesmo a questão da busca do (a) parceiro (a) ideal, já que, como
animais preocupados em aumentar a espécie, é importante que o pai e a mãe dos
filhotes sejam eficientes. Mas por que então não largamos um relacionamento
quando este só parece fazer mal? Novamente a resposta é um mistério. Como
escrevi em minha crítica sobre o maravilhoso Amor, estamos sempre procurando alguém com quem compartilhar nossa
vida, para dar algum sentido à nossa curta existência. No entanto, esse sentido
muitas vezes se aproxima mais da falta de sentido. O cineasta Abbas Kiarostami
parece preocupado com questões como essa na hora que escreveu esse seu novo
filme, Um Alguém Apaixonado, que
trata justamente do gritante niilismo presente no amor e na paixão, e que, no
entanto, suga mais nossa atenção e energia do que questões racionalmente mais
importantes, como acabar com a fome mundial, por exemplo.
Para essa sua análise, Kiarostami cria um
estudo de personagens centrado em Akiko (Takanashi), uma universitária com um noivo
extremamente ciumento, Noriaki (Kase). O ciúme de Noriaki justifica-se em
parte, já que, na verdade, Akiko trabalha, por vezes, como garota de programa
(sem que o noivo saiba, é claro), para assim erguer uma renda extra. Um dia
Akiko tem como cliente um professor de sociologia aposentado, Takashi (Okuno),
e a partir do desenrolar dos acontecimentos, a história de todos mudará para
sempre.
A história é simples de propósito, já que é
objetivo do diretor trabalhar a questão dos relacionamentos de forma mais
próxima possível da realidade. Dessa forma, Kiarostami explora a trama de
mentiras e dor envolvendo o casal Akiko e Noriaki, com os dois personagens
afundado cada vez mais na própria tragédia, da qual aparentemente não
conseguirão escapar nunca. Isso fica bem claro quando o chefe (ou cafetão seria
a denominação correta) de Akiko pergunta para ela o por quê de continuar
insistindo em um relacionamento que nada mais trás a não ser dor, recebendo uma
resposta contida da moça de que “as coisas melhorarão”. Pela expressão dela,
pelo modo como diz essa frase e tenta se esquivar dos questionamentos do patrão,
vemos que ela quer é na verdade nem
pensar em terminar o namoro/noivado, ou em pelo menos encarar de frente
seus problemas. É um completo desligamento da razão, e, novamente pensando de
forma fria e calculista, uma burrice, como se uma mulher adulta estivesse
evitando passar mertiolate por medo de arder (embora a versão atual não arda
mais. Ufa!). Mas o triste fato é que os relacionamentos funcionam mesmo dessa
maneira distorcida.
A nossa necessidade do outro é tão grande que
muitas vezes a única coisa que precisamos é de alguém com quem conversar. O
solitário Takashi é um exemplo disso, e a forma como Kierostami encontra para
trabalhar essa questão, já que o professor aposentado, vivendo sozinho desde a
morte da esposa, contrata Akiko não com o objetivo de obter sexo, mas de apenas
conversar, desafogá-lo um pouco de sua solidão. Mas por que precisa de uma
prostituta para isso? Não seria até mais econômico conversar com um mendigo na
rua que seja? Mas as emoções humanas são mais sutis e complexas, de modo que
ele precisa de alguém do sexo oposto com quem possa, por algumas horas pelo
menos, simular um relacionamento. E Akiko se torna para ele não apenas reflexo
de sua ex-mulher, mas da neta a quem não vê há muito tempo. Kierostami foi
inteligente ainda ao tornar Takashi o personagem mais sensato de todo o filme
já que, mesmo sofrendo com sua solidão, o distanciamento dele do relacionamento
do casal Akiko e Noriaki lhe permite ver as coisas com maior clareza, ao mesmo
tempo em que a experiência lhe confere sensibilidade ao se inserir no mundo dos
dois, demonstrando compreensão pelos complicados sentimentos que os movem.
Kierostami ainda se revela como um diretor
excepcional na construção de suas cenas, já que sabe usar a câmera e outros
elementos com perfeição. Isso fica claro na cena inicial, em que usa um
longíssimo plano de várias pessoas em um clube, ao mesmo tempo em que ouvimos
Akiko contando para o namorado, pelo celular, que está em outro lugar que não
aquele. Esse plano longo nos causa agonia, a agonia que Akiko está sentindo por
mentir para o noivo, ao mesmo tempo em que o fato de Kierostami evitar filmar
Akiko, evitar o olhar do espectador para ela, já ilustra maravilhosamente bem a
vergonha da protagonista. Ainda, a sonoplastia do filme é uma coisa de outro
mundo, já que Kierostami as usa como forma de construção para a atmosfera exata
das diferentes cenas. Podemos ver que,
ao, nos créditos iniciais, ir aumentando o volume das conversas no clube,
enquanto a tela ainda está escura, o diretor está demonstrando cuidado ao nos
inserir delicadamente no universo daqueles personagens. A própria conversação
no clube (muito alta) serve para ilustrar a confusão emocional de Akiko. Outro
belo momento é quando, depois de Akiko ouvir recados da avó pelo celular, e de
tomar uma vergonhosa decisão, o motorista do taxi sintonize o radio do carro em
uma música de festa, e a protagonista começa a se maquiar; a música aqui
representa a transformação da Akiko universitária delicada, na Akiko prostituta
sensual. Mas nada supera o clímax do filme, quando Kierostami usa diversos sons
(vozes de criança, apito de um microondas, passos, gritos, etc) para criar um
clima de tensão insuportável.
Mas Um
Alguém Apaixonado tem mesmo no elenco sua maior força. Rin Takanashi se
revela uma atriz magistral na sua impecável composição de Akiko. Com uma
meiguice irresistível (que, junto com a beleza estupenda da atriz, me fez
apaixonar por ela), Takanashi é maravilhosa ao registrar os complexos
sentimentos da personagem através de pequenos detalhes, como a voz que mal sai
da garganta e o evitamento do olhar do patrão, quando diz que o relacionamento
com o noivo vai melhorar, ou ainda pelo simples olhar dela, ao tomar a decisão
de deixar a avó em uma praça a esperando, enquanto decide ir cumprir seu
compromisso com um cliente (decisão esta que pode muito bem ter vindo para
machucar o noivo). Ryo Kase demonstra também enorme talento como Noriaki, sendo
capaz de tornar palpáveis seus sentimentos desesperados por Akiko (ele parece
que está sofrendo até fisicamente pelos ciúmes que dedica à noiva), em cenas
como aquela em que conversa com Takashi dentro de um carro (e a sua dedicação
em agradar o idoso, quando pensa que este é avô de Akiko, é muito tocante). Já
Tadashi Okumo interpreta com calma o seu Takashi, construindo um sujeito que,
em sua calma e paciência, acaba deixando mais visível ainda seu desespero por
contato humano.
Um
Alguém Apaixonado não é, no entanto, uma obra prima. Embora uma reflexão bem
feita sobre a complexidade emocional dos relacionamentos, e da necessidade do
outro, o filme não promove alguma reflexão muito poderosa, e fica muito atrás,
nessas questões, de um Brilho Eterno de
Uma Mente Sem Lembranças ou O
Fabuloso Destino de Amelie Poulain, que também possuem temática
extremamente similar. Mas, o verdadeiro problema de Um Alguém Apaixonado reside no fato do filme possuir uma estrutura
que acaba soando falha e pretensiosa. Qual o verdadeiro motivo de Kierostami
investir tanto tempo em filmar coisas fúteis do cotidiano como, por exemplo,
basicamente todo o trajeto de taxi que Akiko faz até a casa de seu cliente? É
compreensível que o diretor filme até o momento em que ela desiste de buscar a
avó na praça, mas depois, nos mais de 5 minutos depois, vira um exercício de
paciência vê-la dormindo (por mais que ela seja linda) enquanto o motorista
dirige, e o diretor continua registrando tudo detalhadamente. Basicamente o
filme inteiro é composto de momentos assim, e sem qualquer justificação
narrativa. Diferente do já citado Amor,
em que Michale Haneke opta por um tom pausado/contemplativo para explorar com
calma o cotidiano do casal protagonista (já que o filme é, entre outras coisas,
um estudo da vida a dois daqueles idosos e da lenta degradação deles), aqui
Kierostami faz a mesma coisa só que sem sentido narrativo. E acaba tornando o
longa um pouco maçante.
Ainda assim, Um Alguém Apaixonado é um ótimo filme, que acaba de uma forma
abrupta e trágica, ilustrando com perfeição o fim da vida (literal e
metafórico) daqueles personagens, devido ao amor/paixão. O final é impecável ao
ilustrar brilhantemente como os sentimentos amorosos muitas vezes funcionam
como uma venda que nos impede de enxergar as coisas com clareza, e assim
destruirmos nossa própria vida, apenas para depois percebermos a besteira que
fizemos. Mas, ainda assim, nenhum de nós conseguirá escapar dessa falta de
razão chamada amor, como a vizinha de Takashi, que, apaixonada por ele desde
muito tempo, só que nunca correspondida, encontra conforto em simplesmente
poder observá-lo, saber que ele existe e que não é uma alucinação dela. O amor
é capaz de nos fazer coisas horríveis e de acabar com nossa vida, mas não deixa
de ser lindo e poético. Afinal, se não para amar, conquistar e destruir
corações (inclusive o nosso), para que existimos?
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