Crítica filme "Django Livre" (Django Unchained / 2012 / EUA) dir. Quentin Tarantino
por Lucas Wagner
Desde que assisti Pulp Fiction, há muito tempo, espero ansiosamente por ver um western dirigido por Quentin Tarantino.
Afinal, o diretor já demonstrou ser enorme fã do gênero, inclusive inserindo
diversas homenagens em seus próprios trabalhos, não importa se seja Kill Bill ou À Prova de Morte. E o melhor é que, com o apresso do cineasta pelo
humor negro e pela violência gráfica, ele optaria certamente pelo western spaghetti, consolidado por
Sergio Leone. E aqui está, o western que
tanto esperei por ver Tarantino dirigindo. E o resultado é bem bacana,
divertido e estiloso, embora Tarantino cometa basicamente os mesmos erros que
tão frequentemente prejudicam seus projetos.
O roteiro do próprio diretor nos leva a
acompanhar o caçador de recompensas Dr. Schultz (Christoph Waltz), que é
completamente contra a escravidão e, no entanto, precisa da ajuda do escravo
Django (Jamie Foxx) para rastrear três bandidos que, vivos ou mortos, valem uma
fortuna. Schultz faz um acordo com Django, que se desenvolve a ponto de o
caçador de recompensas se ver envolvido na empreitada do escravo de encontrar
sua mulher, Broomhilda (Kerry Washington).
Mais uma vez, Tarantino dá um show de estilo.
Com enquadramentos extremamente elegantes (mesmo que pálidos perto daqueles
vistos em Kill Bill – Volume 1, por
exemplo), o diretor, ao lado do fantástico diretor de fotografia Robert
Richardson (responsável pelas fotografias de outros trabalhos do cineasta e de
vários do grande Martin Scorsese), se diverte criando planos inclinados e
movimentos de câmera que remetem diretamente aos westerns de Sergio Leone (como os closes rápidos), mas nunca
perdendo a peculiaridade tarantiana da coisa. Ainda, o cineasta é feliz nas sequências
de tiroteio, que se revelam enérgicas e bem montadas, principalmente a que
ocorre no início do terceiro ato (embora aqui Tarantino cometa o erro de trocar
o silêncio em que a sequência começou por uma música de hip hop que não tem simplesmente nada a ver com o momento); o
diretor também se mostra eficaz ao trabalhar bem a tensão de certos momentos (o
monólogo de DiCaprio sobre a diferença entre negros e brancos é particularmente
eficaz nesse sentido), investindo em planos mais fechados para criar maior
sensação de claustrofobia. O humor negro característico do cineasta está
presente, em cenas que funcionam, em sua maioria, com uma perfeição invejável,
com o diretor conseguindo com que demos gargalhadas ao, por exemplo, vermos um
moribundo no chão levando diversos tiros acidentais e gritando desesperado.
Assim também a violência gráfica pesada que o diretor tanto gosta está muito
presente (algo que deixou muito a desejar em seu último trabalho, o mediano Bastardos Inglórios), com um tiro sendo
capaz de fazer um estrago exagerado em qualquer um que o recebe. Também devo
comentar que a trilha sonora está quase perfeita, com Tarantino usando e
abusando de belas canções e de temas que remetem diretamente aos inesquecíveis
acordes criados pelo Deus Ennio Morricone nos faroestes de Leone, com uso de
flautas, guitarras elétricas e tudo que se tenha direito. No que se refere à
trilha, ela só não é perfeita pois não consigo entender o que passou pela
cabeça do cineasta quando pensou que seria uma boa ideia usar hip hop em um faroeste.
Agora, em questão de ritmo, Tarantino comete
alguns erros mais graves. Desde Kill Bill
– Volume 2, o diretor vem deixando seus trabalhos excessivamente longos,
chegando ao absurdo disso em Bastardos
Inglórios, filme que tinha um ritmo completamente enfadonho e enrolado, e que
poderia ter pelo menos 30 minutos a menos. Em Django Livre a situação não é tão grave assim, mas o filme tem
problemas com o ritmo que os quatro primeiros longas do cineasta (Cães de Aluguel, Pulp Fiction, Jackie Brown,
Kill Bill – Volume 1) não tinham. Se antes de Dr. Schultz e Django
começarem necessariamente a caçada por Broomhilda o filme estava ágil e
empolgante, a partir desse momento ele fica excessivamente lento, muito mais do
que o necessário (afinal, que o diretor diminuísse o ritmo é óbvio e correto,
mas não tanto como ele faz), e, sem conseguir empolgar como antes, o longa fica
devagar e deixa o espectador sonolento, já que muitas das cenas poderiam ter
sido mais enxugadas em prol de dar mais agilidade ao projeto. Felizmente, no
terceiro ato Tarantino empolga com um ritmo muito mais rápido, embora apague
alguns bons personagens com um senso de grande anticlímax.
O que era melhor em Tarantino, no entanto,
eram seus diálogos. Porém, depois de Jackie
Brown seus trabalhos vêm tendo cada vez menos diálogos geniais, embora
alguns sejam bem memoráveis (Uma Thurman e Vivica A. Fox em Kill Bill – Volume 1 me vem à cabeça na
hora). Django Livre tem um número bem
maior de bons diálogos do que Bastardos
Inglórios, por exemplo, mas não são tantos nem tão bons quanto em Pulp Fiction, Cães de Aluguel ou Jackie
Brown. Os melhores estão logo no início do longa, como aquele que introduz
o personagem de Schultz ou o (brilhante!) que mostra um bando de fazendeiros em
algo como uma Ku Klux Klan reclamando das sacolas em suas cabeças. Mas esses
vão caindo bem de qualidade ao longo do filme e, por mais que o monólogo de
DiCaprio que já citei seja muito bom, isso se dá mais pelo talento do ator e
pela direção da cena, já que o que ele fala (embora reflita bem o pensamento da
época) não tem nada de muito interessante. Há algumas falas muito boas aqui e
ali (“Vocês tinham minha curiosidade, mas agora têm minha atenção”, ou aquela
que é minha favorita: “Matar brancos e ainda ser pago por isso? Como não
gostar?”), mas nenhum diálogo fantástico que lembre porque Tarantino é tão bom
nesse aspecto. Ah, para não parecer só um reclamão, os diálogos de Django
durante uma matança bem no finzinho do filme são muito bons.
O maior problema do Tarantino, em qualquer
trabalho seu, se refere ao desenvolvimento dos personagens. Embora divertidos e
interessantes em sua excentricidade, é raro encontrar, em algum filme do
cineasta, algum indivíduo realmente complexo e tridimensional. Django Livre não é excessão, embora o
elenco faça um bom trabalho com o que tem. Jamie Foxx confere carisma à Django,
além de ser eficiente ao retratar a raiva que sente dos brancos que o
oprimiram; ainda assim, Django não é um protagonista muito interessante, o que
impede maior envolvimento nosso com o que estamos vendo. Leonardo DiCaprio se
diverte absurdamente ao criar seu primeiro vilão como um sujeito detestável
que, mesmo não sabendo francês, só gosta de ser chamado de monsieur; o mais bacana sobre o personagem é que ele é um muito
infantil/imaturo, e DiCaprio ressalta isso na surpresa que transmite no olhar
(que o deixa com uma cara de assustado e de criança mimada que acabou de ser
contrariada) algumas vezes ao ser insultado, surpresa essa que, pouco tempo
depois, se transforma em charme, como se ele estivesse contornando a situação.
Mas, por mais que seja imaturo, Candie odeia ser passado para trás, e a fúria
que DiCaprio transmite nesses momentos é essencial para o levarmos a sério como
vilão. Já Samuel L. Jackson, mesmo claramente se divertindo com o tipo
esquisito que interpreta (um escravo que de vez em quando parece achar que é
patrão, como quando surge sentado, segurando um copo com conhaque antes de
passar uma informação importante ao seu senhor), ainda assim tem o personagem
mais sem graça que já interpretou sob o comando de Tarantino (os outros foram
em Pulp Fiction e Jackie Brown, e que são figuras
memoráveis). Quem tem, no entanto, a melhor atuação do longa é Christoph Waltz,
que transforma Dr. Schultz em uma figura brilhante, mesmo que o roteiro impeça
que trabalhe mais a complexidade do personagem. Waltz cria Schultz como um
indivíduo extremamente ambíguo que parece não pensar duas vezes antes de dar um
tiro em alguém, embora, na verdade, tenha tudo calculado, e pareça gostar de
zombar de seus adversários, mesmo que implicitamente (como quando insiste em
pagar por um escravo mesmo depois de ter atirado nos donos, ou quando convence
um capitão de que este deve a ele $200,00). Ainda, seu Schultz tem um caráter
mais humano pelo seu ódio pela escravidão, que o leva a se comover com a
história de Django e o leva a algumas ousadíssimas e mal calculadas decisões
(algo estranho a ele) ao longo do filme. É uma atuação perfeita, digna de um
Oscar, que só enfraquece devido ao fato de Tarantino dedicar cada vez menos
atenção à ele no decorrer do longa, tirando-o de cena de forma completamente
anticlimática (algo que acontece com o personagem de DiCaprio também, diga-se
de passagem).
Enfim, Django
Livre é um filme bacana, que me agradou da forma com esperava que iria
fazê-lo. A maior parte dos erros são quase previsíveis se tratando de um
trabalho de Tarantino, que é um ótimo cineasta, mas não é um gênio como muitos
acham. Para quem gosta da obra dele, e também gosta de western, vai se divertir. Eu me diverti, embora não ache o filme
digno de prêmios (a não ser para Waltz).
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