Resenha filme "Ted" (Ted / 2012 / EUA) dir. Seth MacFarlane
por Lucas Wagner
Hoje uma amiga comentou comigo que todo homem precisa de momentos retardados/babacas. Eu concordo, e foi planejando ter meus momentos “babacas” que fui feliz assistir Ted, primeiro filme de Seth MacFarlane (da série de Tv Uma Família da Pesada). E felizmente passei alegres 106 minutos rindo de piadas sobre peidos, sexo, drogas, celebridades escrotas, etc. Mas o filme conseguiu ir até um pouco além e eu me vi envolvido e interessado no triângulo (não sei se amoroso seria a palavra certa) de John (Mark Wahlberg), Lori (Mila Kunis) e do ursinho Ted (Seth MacFarlane). Aliás, se quisermos ir mais a fundo um pouco, poderíamos dizer que o longa trata justamente do momento que todo homem deve passar em sua vida, na hora de deixar a “molequice” de lado e passar a fazer algo sério de sua vida. Não seria tanto forçar a barra, mas não entrarei nessa discussão. Ted é uma comédia divertida e simpática que tem uma parcela de erros que poderiam ter sido evitados, mas que não destroem o filme, que, por outro lado, possui uma ótima parcela de acertos, funcionando como uma espécie de Os Muppets (de 2011) versão para adultos.
Nós acompanhamos a história do menino John, que, quando criança, era excluído e ganhou um ursinho, que deu o nome de Ted, e, numa noite de Natal, fez um pedido para que ele ganhasse vida, o que de fato aconteceu. Ted e John então crescem juntos, passando por diversos períodos da vida lado a lado, sempre assistindo filmes como Flash Gordon e Star Wars, entupindo a cabeça de drogas no processo. Até que John conhece Lori, com quem desenvolve um forte relacionamento que, no entanto, se vê sempre atrapalhado por Ted, que de certa forma, mantém em John um comportamento infantil e imaturo.
A metade inicial do longa merece basicamente apenas elogios. Começando a história em um tom típico de conto de fadas, com direito a narrador e neve, MacFarlane começa a introduzir, de maneira leve, um pouco do humor que rodeará toda a trama, mostrando crianças brincando de bater no garoto judeu do bairro, ou falando que um helicóptero equipado com metralhadoras e mísseis é mais forte do que um desejo de uma criança. Ainda assim, MacFarlane consegue estabelecer de forma doce e carinhosa o relacionamento entre Ted e John, o que é mais do que vital para que a amizade dos dois no futuro seja verossímil. Além disso, o diretor é muito feliz ao tratar da situação da existência de um bichinho de pelúcia que subitamente ganha vida de forma extremamente criativa, mostrando esse indo a talk-shows (onde já exibe um pouco de seu maldoso senso de humor, mesmo sendo ainda muito novinho) tirando fotos, etc, até inevitavelmente cair no esquecimento.
Fora essa introdução, MacFarlane estabelece com muita habilidade a dinâmica da vida de John desde o início da trama em si (ou seja, desde que ele já é um adulto), pintando-o como um sujeito cativante, mas infantil, que não consegue perceber como sua própria imaturidade o impede de avançar na vida. Afinal, ele acorda e a primeira coisa que faz é se drogar ao lado do urso. Assim, ele se vê dividido entre o relacionamento de quatro anos com Lori e sua amizade inconsequente com Ted, até que não dá mais para misturar os dois, o que gera o arco dramático do personagem. Pode parecer clichê (no já citado Os Muppets vimos algo não muito diferente), mas aqui é bem feito e funciona perfeitamente bem. Isso se dá não só por MacFarlane, mas pela excelente atuação do sempre ótimo Mark Wahlberg, ator subestimado da mesma forma como é talentoso. Transformando John em um sujeito completamente adorável, Wahlberg consegue demonstrar extremamente bem os conflitos do personagem de 35 anos, sua dificuldade de deixar a imaturidade de lado e investir em uma vida adulta e responsável, o que é essencial para que possamos nos identificar com ele e não considerar apenas como bobagens seus problemas. Ele é uma criança no corpo de adulto, que não enxerga problema em deixar questões importantes para se pensar de lado apenas porque essas exigiriam muita responsabilidade. Walhberg consegue demonstrar essa inocência do personagem de forma doce e sensível, e ainda consegue construir com perfeição o arco dramático de John, passando por todas as difíceis fases que esse processo o leva.
Mas não é só Walhberg que está ótimo em seu papel. Todo o elenco está assim. Mila Kunis (uma das atrizes mais lindas da atualidade, na minha opnião) consegue transformar o seu conflito em não apenas um “bobagem de namorada”, mas em algo verdadeiro que surge de seu amor por John (e é fascinante que Kunis consiga mostrar apenas através do seu sorriso e do seu olhar, a dimensão do seu afeto por John, muitas vezes nem conseguindo ficar brava com ele). Joel McHale (o Jeff do maravilhoso seriado Community) consegue transformar seu porco Rex em uma figura hilária, egocêntrica e extremamente divertida, fazendo com que não apenas sintamos ódio de seu personagem (o que é adequado aqui), mas que realmente esperemos por mais cenas com ele. Giovanni Ribisi volta a interpretar um sujeito como o que interpretou em Friends (onde ele era o irmão da Phoebe), ou seja, um homem levemente psicótico e disfuncional, mas está ainda mais sensacional como Donny do que no citado seriado, com sua cara de cansado, a eterna submissão ao filho e a intolerância a palavrões. Patrick Warburton (o inesquecível David Puddy de Seinfeld), mesmo em duas pequenas cenas, é o personagem mais engraçado do longa, que descobre acidentalmente ser gay. E, é claro, o próprio Seth MacFarlane, que interpreta Ted através da técnica performance capture (a mesma de Avatar e do Gollum de O Senhor Dos Anéis) consegue ser ao mesmo tempo engraçado, nojento e até mesmo comovente, tornado o ursinho um personagem mais tridimensional do que se esperaria (e muito disso através da fala, da voz, por isso assistir em inglês seria mais do que ideal), o que também é importantíssimo para que os conflitos centrais do filme funcionem. Aliás, a técnica deperformance capture se mostra aqui mais uma vez fantástica, conseguindo traduzir os movimentos de Ted com fluidez e perfeição, ao mesmo tempo que seus olhos estão impecáveis, trazendo até mesmo emoção (e olha que são dois botões como olhos!). Assim, MacFarlane pode atuar de maneira natural, desenvolvendo seu personagem e as cenas de humor com mais habilidade. Para completar, a química entre MacFarlane e Wahlberg está fantástica, nos deixando compreender e aceitar ainda mais a absurda amizade entre Ted e John.
Quanto ao humor, muitas vezes esse funciona muito bem. Politicamente incorreto e apostando profundamente no humor negro, o roteiro de MacFarlane, Alec Sulkin e Wellesley Wild cria situações absurdas e engraçadas, muitas vezes beirando o surrealismo e levando humor até o limite do moralmente aceitável (algumas vezes é viajado até demais, de modo que prejudica o resultado; mas esses momentos, felizmente, são raros). Piadinhas sujas e palavrões em excesso não faltam aqui, o que me agrada (vide primeiro parágrafo). Infelizmente, um dos pontos em que o filme mais falha é no momento em que tenta fazer referências a outros filmes e seriados. Se eu gosto de ver homenagens a clássicos, gosto de vê-las de maneira mais discreta (como na maravilhosa animação Rango), o que aqui não acontece, já que (por falta de confiança no espectador talvez) os roteiristas fazem questão de deixar claro qual filme estão homenageando, muitas vezes trazendo os próprios personagens dizendo qual é; e quando não faz isso, encontram outra maneira de deixar claro (como quando homenageiamIndiana Jones e martelam essa referência com a clássica trilha do filme). Além disso, o filme peca nas tentativas de sátiras da cultura pop, justamente por fazê-las de forma muito explícita e gratuita, como quando zoam Taylor Lautner.
Mas os piores erros não estão aí. Embora divertida e interessante (além de belamente atuada), a subtrama envolvendo o personagem de Giovanni Ribisi e seu gordo filho não se insere de maneira orgânica ao resto do longa, funcionando mais como uma forma de MacFarlane e seus outros dois roteiristas gerarem alguma dramaticidade maior na resolução dos conflitos, talvez por medo de o filme parecer mal acabado ou emocionalmente insatisfatório. Além disso, o próprio terceiro ato do longa é basicamente constituído apenas de erros, levando à uma conclusão completamente insatisfatória e artificial que corrompe todo o processo e dinâmica que o roteiro vinha desenvolvendo até então. E isso surge, principalmente, por medo de desagradar espectadores, algo que fica bem claro até para quem é completamente leigo em Cinema.
Mesmo nos deixando com um gosto amargo na boca devido ao completamente errôneo terceiro ato (e os outros erros discutidos), Ted é uma comédia muitas vezes hilária e nojenta (num bom sentido), conseguindo ser doce e envolvente no processo, devido aos seus três personagens principais (Ted, John e Lori) e sua dinâmica, que poderia ser facilmente taxada de clichê, mas que funcionou muito bem, pelo menos na minha opnião.
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