segunda-feira, 24 de setembro de 2012


Resenha filme "Poder Paranormal" (Red Lights / 2012 / EUA) dir. Rodrigo Cortéz

por Lucas Wagner

  É simplesmente terrível a sensação que se tem quando se está assistindo um filme excelente, complexo e desafiador, com personagens intrigantes e um clima empolgante e interessante, e este longa, bem no finalzinho, implode completamente, sem qualquer mínima possibilidade de salvação. Infelizmente foi essa mesma a sensação que tive ao terminar de ver esse Poder Paranormal. Se, durante boa parte da trama (para falar a verdade, até os cinco minutos finais) estávamos acompanhando um filme desafiador e complexo, que enxerga na Ciência a solução de diversos problemas e o verdadeiro caminho para o conhecimento, além de contar com atuações impecáveis do trio principal (principalmente da extraordinária Sigourney Weaver) nos cinco minutos finais ele destrói tudo isso em prol do simples espetáculo. Assim, a sensação que temos ao sair da sala de cinema é de profundo desapontamento. Mas vamos por partes. Primeiramente discutirei como o filme estava andando, para depois comentar a reviravolta final (e nesse momento seria melhor que quem não viu o longa, não lesse).

  Escrito e dirigido por Rodrigo Cortéz (do aclamado e corajoso Enterrado Vivo), Poder Paranormalconta a história da psicóloga Margareth (Weaver) que, juntamente com o físico Tom Buckley (Cillian Murphy), se dedicam a desacreditar a parapsicologia, a taxando de pseudo-ciência e considerando suas “manifestações” (como mediunidade, por exemplo) como farsas. Até que o famoso médium Simon Silver (Robert De Niro) entra em atividade novamente, levando-os em uma busca para desacreditá-lo.

  O roteiro de Cortéz se revelava completamente anti-dogmático, mesmo dentro do contexto liberal de hoje em dia, em que é “feio” criticar crenças religiosas. O caso é que, como fica bem claro em certo momento do longa, cada Ciência possui sua pseudo-ciência: na astronomia seria a astrologia; na medicina, a acupuntura e a homeopatia; e na psicologia seria a parapsicologia (embora não seja apenas essa a pseudo-ciência dentro da psicologia, mas deixa quieto, senão terá muita gente me torrando a paciência ao ler isso). O mundo de hoje em dia, mesmo em pleno século XXI, encontra diversas pessoas perdidas e que não aguentam um “vazio” de uma vida que tem fim; ou seja: não suportam a ideia da não existência de vida após a morte. Assim, muitas dessas pessoas se põem contra o caminho da Ciência, funcionando como freio para o progresso do conhecimento simplesmente porque não conseguem amadurecer intelectualmente o suficiente para poder enxergar na Ciência não niilismo e “desumanização” (infelizmente é enorme a quantidade de pessoas que acreditam que ela é “desumana”), mas uma forma confiável e sistemática de poder adquirir conhecimento. Muitas pessoas ainda preferem viver em suas pequenas caverninhas intelectuais, escutando seus pastores e padres e dando as costas para coisas mais fascinantes justamente por serem comprovadas. Não que não exista um Deus ou o que quer que seja (isso ninguém pode comprovar), mas a crença em Deus não deveria servir como barreira para o avanço científico simplesmente porque essa não passa a mão na cabeça de cada um e cria normas e comportamentos padronizados para poder se conseguir uma vida boa após a morte. A Dra. Margareth e o Dr. Buckley são como que dois cavaleiros solitários, assim como, na vida real, são os físicos Marcelo Gleiser e (foi) Carl Sagan, na busca da chamada alfabetização científica.

  Encontrando dificuldades para atuar mesmo dentro de sua própria Universidade, Margareth e Buckley se veem muitas vezes desacreditados e sem dinheiro para poder realizar aspectos básicos de pesquisa (a sala de trabalho deles é atulhada e bagunçada, cheia de equipamentos velhos e ultrapassados), mas não desistem, e muitas e muitas vezes “quebram a cara” de quem se pôe contra o seu caminho. Nesse sentido, a cena da aula no início é impecável já que demonstra a imensa confiança da Dra e do Dr no seu conhecimento, conseguindo rebater com absoluta maestria (ao mesmo tempo que com delicadeza), qualquer dúvidas quanto à validade de seus experimentos e teses. O roteiro de Cortéz fica praticamente 100% do lado da Ciência (eu não estou considerando a reviravolta final, vejam só), e em nenhum momento busca explicações místicas para os acontecimentos. Até mesmo quando mais desacreditamos e a situação se torna desesperadora, existe uma explicação natural. A propósito, a confiança que desenvolvemos em relação aos doutores é enorme, e se torna, a partir de determinado momento, um estratégia genial de Cortéz para desenvolver o suspense, como discutirei no parágrafo seguinte.

  Com a chegada de Silver, a situação muda. Estamos diante do que parece ser um verdadeiro e poderoso médium. De início, estamos com a confiança tão enraizada nos doutores que esperamos uma explicação racional. Quando essa vai ficando cada vez mais de lado e difícil de ser encontrada, e passam a sofrer com o ódio de Silver que detesta que tentem desacreditá-lo, ficamos imensamente angustiados e tensos, ficando desesperados como os protagonistas. Deve existir uma explicação racional, mas porque então não a encontramos? Nesse momento, Cortéz se revela relativamente bem na construção do suspense, conseguindo construir uma atmosfera pesada e claustrofóbica que nos deixa tensos. Mas seu suspense é apenas relativamente bom devido ao fato de que Cortéz muitas vezes investe no senso comum, com pessoas aparecendo do nada, sustos falsos e acordes altos na trilha sonora, gerando cenas que nos deixa com um sentimento de vergonha alheia como aquela em que Buckley segue o pessoal de Silver pela rua. Mas, ignorando essas tristezas, o suspense funciona muito bem, ao mesmo tempo em que, surpreendentemente, Cortéz não deixa de lado sua defesa científica e coloca o suspense em primeiro lugar. Mesmo quando parece que estamos vendo apenas um suspense comum, na verdade tudo isso está acontecendo para descrever e discutir o valor da Ciência.

  Fortalecendo ainda mais o longa, temos um trio principal de personagens fascinantes e complexos, interpretados com maestria por seus atores. Cillian Murphy (de A Origem, Batman Begins, Extermínio) foge da armadilha do roteiro que tenta simplificar seu personagem a partir de racionalizações clichês de seu comportamento (envolvendo, para variar, a mãe), e transforma Tom Buckley em uma pessoa complexa (observem como muda sua atitude e seu tom de voz, ficando mais amargo e carrancudo, ao contar sua história para a futura namorada) que enxerga na Dra. Margareth uma figura materna, e vê na Ciência uma fonte de conhecimento verdadeiro e sistemático. A ótima química que se estabelece entre Murphy e Weaver é, aliás, importantíssima para que os eventos do segundo ato deem certo e façam sentido (psicologicamente falando) para o personagem. Agora, Robert De Niro está fantástico, sublime, interpretando Silver com reminiscências de sua performance no maravilhoso Coração Satânicode 1987. Arrogante mas gentil, Silver vai se revelando uma figura cada vez mais ambígua e rancorosa, não suportando que tentem desacreditá-lo e usando todos os recursos possíveis para destruir (física e psicologicamente) quem quer que seja que o considere um impostor e realize alguma ação contra ele (e a ambiguidade que gira em torno da morte de um cético que o atacou filosoficamente na década de 70 é mais material para se pensar sobre sua personalidade), e De Niro demonstra tudo isso com intensidade absoluta. Mas não é só, e ele se revela mais complexo ainda no impecável monólogo que tem em um momento quase no terceiro ato, quando De Niro demonstra uma sabedoria monstruosa como ator ao se dedicar a usar uma cadência cansada e deprimida para dizer sua fala (e as próprias palavras que diz são belamente escritas por Cortéz, como: “Ser ou parecer que é, eis a questão. Sempre foi”).

  Mas os maiores créditos de atuação vão mesmo para a maravilhosa Sigourney Weaver, uma atriz com um talento grandioso que rivaliza com o de outras deusas como Fernanda Montenegro ou Maryl Streep. A eterna Ellen Ripley interpreta Margareth como uma cientista confiante a ponto de ser arrogante (observem como ela evita tocar na mão de uma médium, no início do filme, por desprezo). Tendo experiência de 30 anos de trabalho, ainda trai um sorriso ao quebrar uma teoria parapsicológica, mediúnica, demonstrando sua superioridade e sabedoria. Mas ela também é gentil, quando não está irritada, e, como fica claro na já citada cena da aula, não despreza crenças alheias, mas continua firme e forte em suas propostas e provas científicas. Mas, quando é para brigar (como na cena de seu debate na Tv) ela não demonstra escrúpulos e defende a Ciência com unhas e dentes, falando coisas muitas vezes que ferem outros no mais profundo de suas próprias crenças, sem se importar com isso, no entanto. Porém, ela é ainda mais complexa quando observamos que esse niilismo com que enxerga o mundo, muitas vezes a machuca, e a falta de perspectiva da existência de vida após a morte lhe fere e ela se encontra desesperada ao tentar manter o filho (um vegetal deste criança, devido a um mero tombo inesperado) vivo por meio de máquinas, simplesmente porque “sabe” que não existe nada depois da morte. Aliás, Cortéz é sábio ao usar o filho e seu infeliz e caótico acidente como uma variável, mas não justificativa para a racionalidade da personagem. Weaver tem uma performance forte e comovente, jamais suavizando Margareth, mas permitindo que a compreendamos melhor e que soframos com ela quando se mostra mais sensível, como na maravilhosa cena em que, numa conversa com Buckley, revela sobre a única vez em que teve dúvidas sobre a existência ou não do sobrenatural, o que faz com que compreendamos sua resistência ao investigar Silver, e nos sensibilizamos com esse fato. Weaver compõe a personagem a partir de detalhes cuidadosos e calculadíssimos que deixam bem claro a preparação dela para o trabalho. Lindíssima performance. Lindíssima.

  Bom, se o filme acabasse 5 minutinhos antes do que acaba, estaria quase terminando minha resenha, concluindo que Poder Paranormal é um filme excepcional, mesmo com alguns probleminhas. Mas não é assim, e o longa, em cinco minutos, revela uma bomba que destrói tudo que tinha construído. E agora quem não viu o filme não é aconselhado a continuar a ler a resenha. Pode ler o último parágrafo, mas só. Bom, agora só para quem viu o filme: quando descobrimos que Silver é uma farsa, a tese do longa de que a Ciência é confiável e segura parece confirmada, mas então descobrimos que o próprio Buckley é um médium. Com isso, o filme se destrói, cai numa lama de irracionalidade e desmente todo o resto que vinha trabalhando. Eu gostaria de dizer que isso surgiu do medo de Cortéz de desagradar o público mais religioso, já que isso seria ainda melhor do que a verdade. Mas a realidade é que, em retrospectiva, vemos que o plano de Cortéz era tratar o filme inteiro como um truque de mágica, desviando a atenção do espectador de detalhes específicos para a trama que discuti até agora. No final, descobrimos que tudo que se discutiu sobre Ciência, todas as reflexões feitas foram apenas para desviar nossa atenção (o principal segredo de um truque de mágica é desviar a atenção do público, como no filme mesmo é dito). Observem como Buckley é um sujeito apagado no início do longa, por exemplo, justamente para que não prestemos atenção nele. Além disso, essa reviravolta ainda simplifica demais os conflitos do personagem, colocando que era apenas sua vontade de ter um semelhante que o fez caçar Silver do jeito que caçou.  Ridículo demais, além de revelar a absurda imaturidade de Cortéz como escritor e cineasta, preferindo uma reviravolta boba e clichê às discussões complexas e desafiadoras que vinha trabalhando até então. Isso é que é fuder o próprio trabalho, meu Deus!

  Assim, Poder Paranormal parecia um grande filme, mas se revelou um bobagem frustrante e decepcionante, imatura e inocente, que acha que o mero “chocar” é mais importante do que pensar.

6 comentários:

  1. O cara que escreveu essa resenha merece um abraço. Todas essas palavras (inclusive as últimas) ressaltam meu sentimento em relação ao filme. Por hora, achei ser um dos filmes mais inteligentes e originais que vi, mas no final nem mesmo eu queria acreditar que tenha sido aquilo mesmo, não mesmo. Como pode tal obra ter um desfecho tão pobre como tal? É nessas horas que a gente perde o amor pela vida. :(

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  2. Pensei a mesma coisa. Decepcionante. Belas palavras. Um filme excelente se não tivesse um final tão ridículo.

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  3. Ja eu achei o filme todo um porre sem fim, e oq me encantou e me fara rever com outros olhos foi justamente o final.

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    1. Concordo com você. O que me intrigou foi o fim. Mas temos que admitir, o filme foi um grande truque.

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  4. As pessoas q acreditam em mediunidade eh pq tiveram uma prova de q existe, e nao pq ouviu de outras pessoas e passou a acreditar. As pessoas q nao acreditam eh pq nunca tiveram essa prova ou contato, mas tb nunca conseguiram provar ao contrario e so passarao a acreditar qnd tiver q acontecer, e esse dia chegara para todos. Enquanto isso todos devem se respeitar e nao criticar ou falar mal do q o outro acredita.

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  5. Duvide de tudo e tenha suas próprias experiências!
    Tem coisas que não são e nunca serão comprovadas... mas quem passou pela experiência nunca mais enxergará as coisas como antes.

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