Resenha filme "Para Roma, Com Amor" (To Rome With Love / 2012 / EUA, Itália, Espanha) dir. Woody Allen
por Lucas Wagner
Woody Allen é um diretor e um roteirista fascinante. Com um humor refinadíssimo, repleto de referências intelectuais e culturais, o cineasta ainda confere uma atmosfera artística incrível para seus projetos, em que sempre acompanhamos personagens cultos que tem sempre coisas interessantes a discutir, com um linguajar genial, mesmo nas coisas mais banais. E não é só: Allen na maioria das vezes cria personagens complexos e interessantes, cujos dilemas parecem reais, e ainda por cima, na maioria das vezes, promove importantes e profundas reflexões sobre diversos aspectos da vida, como religião, morte, felicidade, moralidade, etc, mas principalmente sobre relacionamentos. Assim o diretor construiu uma carreira com uma quantidade enorme de filmes fascinantes, maravilhosos e lindíssimos como Noivo Neurótico Noiva Nervosa, Hannah e Suas Irmãs, Crimes e Pecados, Rosa Púrpura do Cairo, Era do Rádio, Setembro, Poderosa Afrodite, Melinda e Melinda, Zelig, Poucas e Boas, Vicky Cristina Barcelona, Match Point, Tudo Pode Dar Certo, Meia Noite em Paris, e muitos outros. Mas não é sempre que um grande cineasta realiza um grande filme, e é esse o caso de Allen comPara Roma, Com Amor, um filme inegavelmente divertido e engraçado, mas que não consegue passar disso.
O filme, escrito por Allen, como sempre, conta várias histórias sem ligação passadas em Roma. Tais histórias possuem grande comicidade e sempre se relacionam a questões como relacionamento e fama.
Como fez em grande parte da década passada, Allen continua em seu "tour" pela Europa, produzindo filmes passados em diferentes países europeus idolatrados pelo cineasta, que antes focava sua atenção cinematográfica quase que esclusivamente em Nova York. Porém, aqui já encontramos um dos aspectos onde o cineasta já erra em seu filme: como o título deixa bem claro, o longa devia funcionar, pelo menos em parte, como uma homenagem, uma "carta de amor" à Roma, mas o cineasta em praticamente momento algum explora isso. As situações vividas pelos personagens poderiam se passar em qualquer outro lugar, e mesmo que Allen busque explorar a beleza de ruínas e das paisagens da cidade, em momento algum ele se dedica mesmo a essa questão, não conseguindo captar o romantismo, a classe, a beleza clássica e gloriosa de Roma, e quando tenta mesmo fazer isso, o máximo que consegue é colocar seus personagens para dizer como a cidade é maravilhosa, o que soa falso já que, mesmo que qualquer pessoa em sã consciência aprecie a cidade, não conseguimos sentir a glória desta, algo que o cineasta fez com perfeição invejável ano passado no maravilhoso Meia Noite em Paris, filme que me deixa com uma vontade louca de pegar um avião e apreciar a beleza de Paris, e se possível poder passear pela cidade com uma bela mulher ao meu lado. Em Para Roma, Com Amor, assim como em, por exemplo, Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos (passado em Londres), Allen tem a cidade simplesmente como pano de fundo para contar suas histórias, o que não aconteceu com seu Match Point (passado em Londres), Vicky Cristina Barcelona (passado em Barcelona) e o já citado Meia Noite em Paris, que tinham a própria cidade como algo fundamental à narrativa e que eram hamenageadas belamente.
Também não encontramos aqui discussões realmente importantes ou interessantes, ou no mínimo originais dentro da filmografia do cineasta. Allen procura promover reflexões acerca da futilidade da fama nos dias de hoje, que parece ser dada a uma pessoa simplesmente pelo fato desta falar de banalidades de sua vida pessoal para a mídia; dentro desse mesmo tema, o diretor ainda busca discorrer sobre o vício destrutivo que a fama confere à uma pessoa. Só que essa discussão, mesmo válida, é feita de maneira muito óbvia e inocente pelo diretor (embora muito divertida), que ainda busca deixar ainda mais clara suas idéias apartir de um monólogo que surge falso e previsível. Ainda, vemos aqui, mesmo que de maneira um pouco mais sutil, uma discussão que permeia toda a obra de Allen, discorrendo sobre a morte, o medo e a constante inquietude que o ser humano sente frente à morte. Mas, se essa discussão foi feita de forma complexa e inteligente em Meia Noite em Paris, por exemplo, aqui ela é massantemente óbvia e muito fraquinha, que se encontra basicamente no personagem de Jerry (Woody Allen), que diz que "aposentadoria é morte", querendo dizer que a falta de um objetivo diário, como o trabalho, para preencher sua existência e desviar a atenção da morte. Mas o filme não vai além nessa questão. E ainda podemos encontrar aqui a temática clássica do autor, envolvendo a dicotomia fragilidade/força do Amor, mas que também é trabalhada de forma superficial e tola, embora sempre divertida.
O filme também não conta com nenhum personagem e nenhuma atuação realmente fascinante (embora todas estjam eficientes). Allen interpreta Jerry com seu habitual e impecável timing cômico, criando uma figura (como sempre) adoravelmente neurótica; e mesmo que seu personagem seja tridimensional, não vemos uma grande preocupação de Allen em transformá-lo em uma figura realmente complexa. Roberto Benigni consegue ser carismático como o perdido Leopoldo, mas não pode fazer muito. Penélope Cruz consegue exalar um estrondoso poder sexual, envolvido em um charme erótico fascinante, que se contrapôe com a personagem de Alessandra Mastronardi, que está envolvida em uma áurea de pureza e inocência (o contraponto entre as duas, que fazem parte da mesma história, é muito interessante, se pensar bem). Jesse Eisenberg é carismático e confere a inocência necessária ao seu personagem, John, mas não vai mais longe, assim como Ellen Page, que tranforma sua Mônica em uma pessoa enigmática e interessante, mas que no fundo não deixa de ser um pouco clichê. A melhor atuação do filme, no entanto, fica mesmo por conta de Alec Baldwin (que trabalho uma vez com o diretor há 22 anos, no regular Simplesmente Alice), que confere uma nostalgia e tristeza tocantes a Jack, que enxerga John (Eisenberg), sua versão mais jovem, ao mesmo tempo com trizteza, por observá-lo cometendo os mesmos erros que um dia cometeu, mais também com coçura contagiantes. O personagem mais bem trabalhado, com certeza. Não consigo pensar em nenhum outro ator ou atriz que mereça ser citado aqui, ou qualquer outro personagem minimamente interessante, o que realmente atrapalha o filme (como é a chatice do personagem de Michelangelo, que é chato apenas por ser mal trabalhado).
A direção de Allen também não se mostra isenta de defeitos, principalmente no que se refere à edição. O diretor não tem uma ordem bem estabelicida de como contar sua história, e nem de como navegar entre as diversas narrativas do filme, constantemente deixando alguma de lado para se lembrar dela apenas muito tempo depois. Assim, vemos um filme sem estrutura, que falha inclusive ao estabelecer a cronologia exata do que estamos vendo, já que em algumas histórias parece que se passam dias, ao passo que em outras temos a impressão de não se passaram mais do que algumas horas entre os acontecimentos que presenciamos. E ainda, por que Allen inicia o filme com um narração em off para simplesmente largá-la ainda no início? E como aquele sujeito do trânsito no início supostamente enxerga "tudo" que acontece com os personagens? E por que Allen simplesmente se esquece dele durante enorme parte do filme, se lembrando apenas bem no fim? Ainda é inegável a falha do cineasta ao não estabelecer corretamente a naturaza do personagem de Jack (Baldwin), algo que fica bem às escuras aqui.
No entanto, o filme ainda funciona, meio que quebradiço, devido ao seu humor. Allen continua com grande talento para produzir situações engraçadas, embora não esteja tão brilhante como normalmente é na criação dos diálogos, possuindo somente um realmente interessante, quando Jerry (Allen) está quase tendo um ataque de pânico dentro de um avião que entra em turbulência, e sua mulher tenta acalmá-lo, recebendo como resposta genial: "Como eu posso me acalmar?! Eu sou ateu!". Mas as situações vistas aqui são realmente inusitadas e muitas vezes hilárias, como a cena que se passa em um quarto de hotel, envolvendo um assalto, ou na maneira brilhante como Jerry resolve uma situação envolvendo o medo de um personagem de cantar em público (a piada mais genial do filme). Aliás, Allen se mostra muito mais canastrão aqui neste longa do que geralmente é, produzindo momentos de humor completamente nonsense, o que é interessante. O bom humor e a belíssima e completamente elegante trilha sonora (como é de praxe em um filme de Woody Allen) dão um bom balanceamento ao longa, o que o torna divertido e aproveitável, apesar dos seus muitos defeitos.
Bom, obviamente está anos luz de ser um dos melhores filmes do diretor, mas também não é um dos piores (comoEscorpião de Jade). É levemente legalzinho, e só. Mas ano que vem teremos mais um filme do cineasta, e eu posso aumentar minhas esperanças novamente.
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