Análise:
Era Uma Vez Em Nova
York
(The Immigrant / 2014 / EUA) dir.
James Grey
por
Lucas Wagner
James Grey revelou-se
competente ao trabalhar histórias melancólicas com personagens trágicos e
complexos, vivendo em ambientes degradantes de classe média para baixo que
refletem sua existência. Alcançou resultados notáveis nos excelentes Caminhos Sem Volta e Amantes, e se seu Donos Da Noite não alcança a mesma glória, ainda é dono de momentos
memoráveis. No entanto, mesmo que possua a mesma gama de características que
marcam seus trabalhos, esse seu Era Uma
Vez Em Nova York se consagra como uma obra inferior, emocionalmente insossa
e demasiado enfadonha.
Com o roteiro do
próprio Grey ao lado de Richard Menello, acompanhamos a vida de Ewa (Marion
Cotillard) no momento em que chega aos EUA, vindo da Polônia, e logo se vê separada
de sua irmã. Encontrando amparo financeiro no dúbio Bruno Weiss (Joaquin
Phoenix), a moça acaba sendo obrigada a buscar na prostituição o dinheiro que
pode fazer com que se reúna com a irmã.
Para que justiça seja
feita, antes de mais nada, o visual de Era
Uma Vez Em Nova York faz boa parte do trabalho em situar a história numa
atmosfera melancólica. O design de produção
de Happy Massee aposta nos opressivos cenários (reais ou virtuais) para
transmitir uma sensação de sufocamento a partir de ruas apertadas a atulhadas
de pequenos comércios, enquanto os ambientes interiores nunca falham em
apresentar papeis de parede rasgados e repletos de móveis antigos com um óbvio
cheiro de coisa velha. A bela fotografia de Darius Khondji também prima nos
mesmos quesitos, e acerta no constante uso de sombras e de um triste tom sépia,
em enquadramentos que surgem muitas vezes angustiantes, como aqueles que
mostram o exterior de uma prisão ou uma surra em um túnel.
Mas se brilha no
visual, Era Uma Vez Em Nova York possui
um roteiro particularmente enfadonho que nunca consegue engatar emocionalmente
o espectador, algo que se torna óbvio quando Grey apresenta esforços um tanto
desesperados para conseguir algum (qualquer) efeito dramático, despencando no
melodrama ao recorrer a um constante uso da melosa trilha sonora de Christopher
Spelman ou mesmo no expositivo monólogo de Bruno quase no fim do filme. A situação,
na verdade, vai ficando tão feia que os roteiristas acabam criando uma gama de situações
forçosamente dramáticas para conseguir colocar a trama em movimento, e se torna
sintomático que consigamos perceber que muitos dos principais acontecimentos
narrativos não vem em prol de enriquecê-la, mas simplesmente de fazer com que
ela se mova.
E grande parte dessa
fragilidade emocional recai nos ombros de uma protagonista pálida cujas motivações
nunca evoluem para torná-la minimamente complexa, já que giram sempre em torno
de recuperar a irmã. Assim, passam-se diversos meses enquanto Ewa é jogada de
lá para cá por terceiros sem apresentar qualquer sinal de força ou de
amadurecimento psicológico, e a linda atriz Marion Cottilard parece ficar no
piloto automático de uma performance baseada em um sofrimento redundante. Já
Jeremy Renner é desperdiçado em um personagem cujo único motivo de existir é
conferir alguma ação à trama.
No entanto, qualquer
cena envolvendo o personagem Bruno merece atenção especial, isso em grande
parte pela excelente performance de Joaquin Phoenix, em sua quarta colaboração com
James Grey (ele também esteve em todos os outros filmes que citei no primeiro
parágrafo). Personagem extremamente complexo e ambíguo, Bruno é um indivíduo
inteligente o suficiente para ser um manipulador eficiente, conseguindo o que quer
de suas “pombinhas” (leia-se: prostitutas), mas que também é detentor de uma
óbvia imaturidade emocional, que o leva a agir de modo despropositalmente
agressivo em várias situações, simplesmente porque ele mesmo não consegue
compreender corretamente seus próprios sentimentos o suficiente para agir de
modo mais de acordo com seus desejos e/ou necessidades, se tornando um enigma
para si mesmo. Um papel perfeito para Phoenix, que em toda sua carreira vem
trabalhando sujeitos emocionalmente imaturos e ambíguos, e aqui empresta toda a
intensa instabilidade que faz de Bruno, em certos momentos, quase uma figura dismórfica
e assustadora. E é por causa Phoenix que o citado monólogo acabe não irritando
tanto, já que o ator comove com a sinceridade de sua interpretação.
Para além de Phoenix, Era Uma Vez Em Nova York falha em tantos
quesitos que faz com que o filme quase afunde. E é uma pena que apenas no seu último
plano consiga alcançar um nível de genialidade e força emocional que não deu as
caras em qualquer outro momento da projeção.
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