Análise:
Debi e Loide 2 (Dumb and Dumber To / 2014 / EUA) dir. Peter e Bobby Farrelly
por
Lucas Wagner
Não é da boca pra fora
que afirmo ser Debi e Loide um marco
cinematográfico importante na década de 90. Em uma época cada vez mais consumida
pelo câncer do “politicamente correto”, Peter e Bobby Farrelly tiveram a
ousadia de fazer um filme que abraçava com “amor” o mais profundo do humor negro,
criando no processo o que é uma aula de uso competente desse tipo de comédia. Fazendo
piada com duas pessoas com óbvios problemas cognitivos, passando por diversas
situações que fazem qualquer espectador questionar seu próprio bom senso por
estar rindo daquilo tudo, Debi e Loide ladrilhou
o caminho para reviver o humor negro, permitindo a existência de diversas
comédias marcantes. O que, obviamente, fez com que essa continuação fosse tão
aguardada.
O resultado,
felizmente, é de qualidade, e Debi e Loide
2 em nada se acovarda frente aos absurdos do original, e tampouco
ultrapassa a tênue linha do hilário para o ofensivo, mantendo-se assim no mesmo
equilíbrio que, em 1994, tinha dado o tempero essencial para criar um filme tão
badalado.
A chave do sucesso
consiste basicamente em como os personagens principais são construídos. Harry
(Jeff Daniels) e Lloyd (Jim Carrey) são pessoas marcadas predominantemente pela
inconveniência, vivendo em uma espécie de mundinho particular colorido. Os
Farrelly, aliás, tem a inteligente decisão de não buscar ancorar esses
personagens em um mundo que evoluiu desde o longa anterior, já que, para todos
os sentidos, o tempo não passou para eles, e assim continuam vestindo as mesmas
indumentárias um tanto patéticas de antes, e até mesmo seu visual (o cabelo de
cuia juvenil de Lloyd e a descuidada juba de Harry) só alteraram no sentido de
que agora fazem parte de um rosto enrugado. Por sinal, ver os
rostos envelhecidos de Daniels e Carrey em personagens marcadamente infantis
tem o duplo efeito de soar cômico e deprimente (e esse último aspecto é o mais
engraçado de tudo).
Aproveitando que citei
sua infantilidade, vale ressaltar que esse é um aspecto essencial para que o
filme funcione, especialmente nas bases do humor negro. Assim como no primeiro
filme, a ausência dessa característica muito provavelmente acarretaria em que
as piadas que os dois fazem ao longo da projeção soassem apenas desrespeitosas.
No entanto, os Farrelly conseguem que em nenhum momento estejamos rindo com eles, mas deles. Assim, quando tentam roubar um aparelho auditivo de um
idoso, tiram sarro de um cego, ou mesmo riem do fato de encontrarem uma mulher
doutora, o espectador inevitavelmente cai na gargalhada, mas por reconhecer que
os idiotas em questão são os próprios protagonistas, que eles mesmos são as
piadas. Além disso, essa infantilidade lhes dá um ar de inegável inocência, que
nos leva até a perdoar essas gafes de bom senso. É interessante, por sinal, que
os realizadores façam mais esforço em infantilizar Lloyd (o cabelo de cuia e o
pijama azul com desenhos), dado ser este o responsável pelas mais grotescas
piadas.
Com figuras que
poderiam ser marcadas apenas pelo seu déficit intelectual, é admirável que
tanto os atores quanto os diretores busquem diferenciá-los em particularidades.
Assim, como já citado, Lloyd é mais agressivo, se acha esperto, ou melhor,
ultra inteligente em suas pegadinhas e em todas as oportunidades que encontra
para tirar vantagem sobre o seu amigo, se achando o máximo por seus feitos.
Nesse sentido, Jim Carrey é extremamente feliz em suas caretas e boca
estupidamente entreaberta, como se ressaltasse a hilária mediocridade da crença
de superioridade de Lloyd. Já Harry é um sujeito inegavelmente mais tímido, ou
talvez apenas esteja mais desligado do mundo real, e mantém um olhar cabisbaixo
que pode se passar por tristeza, mas é apenas desconexão mesmo.
Vale ressaltar que os
irmãos Farrelly continuam sendo exemplos de humor negro, e apresentam a mesma
energia insana e a queda pelo que pode assustar os espectadores mais recatados
que já tinham explorado em obras como Quem
Vai Ficar Com Mary, Passe Livre e
o citado Debi e Loide de 94. Logo,
nem idosos são perdoados, piadinhas envolvendo testículos e fezes rolam soltas,
e se uma cena pode soar trágica ou melancólica por envolverem pais que perderam
seus filhos, logo os cineastas quebram o bom senso com uma piadinha
inconveniente dos protagonistas ou mesmo com a imagem do falecido fumando
maconha.
Debi
e Loide 2, no entanto, é um esforço demasiado inferior ao
anterior, em diversos sentidos. A começar pela própria trama, que repete a
situação de conspiração que já permeava o filme de 94, além de apostar no
esquema de um road movie basicamente
por motivos de preguiça, já que essa parece ser a estrutura ideal para a
ausência de estrutura. Além disso, se quando escrevi sobre Anjos da Lei 2 elogiei o fato do longa reconhecer que está
repetindo o original e assim mesmo o fazer, como um estúpido (e hilário) ato de
revolta, aqui os realizadores repetem diversos eventos do filme anterior, mas
se às vezes é por homenagem, na maioria o que se vê é a notável falta de
criatividade tão comum em continuações.
Em alguns aspectos, há
que se reconhecer uma tentativa de inovação por parte dos Farrelly. A maior
delas talvez seja o de não mais colocar Harry e Lloyd em um universo de pessoas
“normais”, para assim contrastar as naturezas ainda mais com fins cômicos, mas
agora colocá-los lado a lado de criaturas que parecem tão nonsense quanto eles. Se os potenciais cômicos de tal estratégia
são imensos, infelizmente acabam funcionando apenas pontualmente, como na cena
da velhinha excitada ou da conferência sobre matéria escura. Ainda, é bacana
notar as parcas tentativas dos Farrelly de enriquecer um pouco o visual da
narrativa, pelo menos em teoria, como a casa vazia dos protagonistas ou o
ambiente lúgubre da residência dos pais de um falecido amigo de Harry e Lloyd,
onde o único elemento colorido é uma colagem de fotos em homenagem ao filho.
E mesmo que o filme
ainda perca diversos pontos pelas inchadas quase duas horas de duração, com um
número notável de cenas que poderiam ter sido excluídas em prol de maior
fluidez narrativa, Debi e Loide 2 é
um ponto alto na carreira de cineastas que já provaram serem capazes de mais
pontos altos do que parecem entregar.
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