Análise:
Magia ao Luar (Magic in the Moonlight / 2014 / EUA) dir. Woody Allen
por
Lucas Wagner
Woody Allen apresenta preocupações
filosóficas recorrentes em sua obra, quase sempre envolvendo ateísmo,
racionalismo, paixões absurdas, sentido da vida, entre outros temas. Chegando
quase sempre a conclusões semelhantes em todos seus trabalhos, não foram poucas
as vezes em que o fomento da genialidade de alguns de seus melhores filmes estão
justamente em como o diretor maneja essas preocupações, como em Crimes e Pecados, Tudo Pode Dar Certo ou, de um modo mais irreverente, A Última Noite de Boris Grushenko. Esse
seu Magia ao Luar tem muitas dessas
mesmas reflexões, e grande parte de sua força está em suas conclusões, mas
ainda assim é uma obra que peca em uma visão demasiado parcial. Ou ao menos é o
que aparenta.
A trama gira em torno
do momento em que Stanley (Colin Firth), um ilusionista racionalista que se
diverte desmascarando charlatões, recebe a oportunidade de desmascarar a bela
norte-americana Sophie (Emma Stone – adorável como sempre), suposta vidente que
vem encantando muita gente. Acaba por encantar, inclusive, Stanley.
Interpretado por Colin
Firth com um carisma essencial para que possamos nos divertir com o sujeito,
Stanley apresenta o que chama de grande “fé na Ciência” (nem vou discutir o
quão o termo “fé” está mal colocado) e usa um racionalismo exacerbado em
absolutamente todos os aspectos de sua vida, se tornando um indivíduo
insuportável para os demais, já que acredita haver uma ligação inerente entre
ser lógico/racional com ter certeza de que não existe qualquer sentido na vida
e que a existência é apenas um gelado espaço entre dois vazios. Não demora
muito para que desconfiemos que esse modo de enxergar o mundo não é outro senão
um que constantemente impede Stanley de viver.
Duas possibilidades se
desdobram ao estudar esse personagem: uma em que o problema não esteja
necessariamente em se ter uma visão racional, mas sim no modo como Stanley a
usa; a outra possibilidade reside na própria visão. Apesar de, por conhecer bem
o trabalho de Allen, crer que a primeira visão seja mais provável de bater com
a do cineasta, Magia ao Luar parece
sofrer de uma parcialidade relativamente rara na obra do diretor, já que aqui
os problemas parecem mais advindos a começar pela confiança excessiva na Ciência.
Em primeiro lugar,
Allen demonstra não saber nem do que está falando, já que afirma ser a
Psicanálise uma forma de Ciência (risos incontroláveis). Em segundo lugar,
percebe-se que as pessoas felizes em Magia
ao Luar sempre são indivíduos que aceitam a ignorância científica e a
crença no metafísico como fórmulas para a felicidade. Nesse sentido, Stanley é
uma visão estereotipada de ateu que, pessoalmente, muito me irritou, em
especial quando o personagem se percebe finalmente feliz ao aceitar algumas
crenças no sobrenatural. Ser ateu, ou mesmo ter grande confiança na Ciência,
não significa necessariamente ser infeliz, e não é todo ateu que enxerga com
tristeza o fato de não existir vida após a morte. E digo isso não só em meu
nome, mas no de diversos outros ateus que conheço, para quem as belezas
inerentes da vida real compensam a descrença numa fantasia. E creio que Woody
Allen (um ateu), pelo que já mostrou em outros filmes, também pensa assim, mas
ao não colocar qualquer contraponto ao racionalismo pessimista de Stanley, o
diretor tende a apresentar essa visão parcial, em especial quando o único outro
“cientista” do filme (o – risos histéricos infinitos - psicanalista) se rende a
crendices e à oração.
Aparentemente o diretor
percebe seus tropeços e a partir de certo ponto tenta corrigi-los ao alegar que
a “injeção de vida” que Stanley recebe se refere não tanto às crenças que
desenvolveu ao lado de Sophie, mas sim por uma paixão que não tinha conseguido
identificar. Sinceramente, isso não colou, em primeiro lugar pelo notável desespero
do diretor em evidenciar isso com diálogos expositivos que só não irritam mais
do que aqueles em que insistem em martelar os defeitos de Stanley. Mas também
porque não convence que o protagonista tenha se apaixonado sem perceber, e a alegação
de que não tinha qualquer olhar sexual pela moça é sincera demais para que a
tomemos como simples incompreensão do sujeito sobre seus reais sentimentos.
Apesar de esquemático
ao limite e excessivamente parcial em sua visão, além de problemático no que
tange a resolver sua parcialidade, Magia
ao Luar chega a conclusões comuns na obra do diretor, e novamente podemos
perceber a doçura de uma visão em que, mesmo em uma existência que carece de
sentido, em um mundo cruel e frio, podemos encontrar magia em excesso. Há coisa
mais mágica do que se apaixonar? Do que sentir uma genuína euforia pela
existência de outra pessoa? E saber que essa outra pessoa se sente do mesmo
modo? Assim, Allen mais uma vez encontra conforto numa visão humanista que
valoriza os sentimentos, a força de gestos que, aparentemente pequenos, são capazes
de dar um pouco de sentido à vida. Como a tia Vanessa diz no filme: o mundo
pode ou não ter um propósito, mas há magia na vida.
Ainda, o longa nunca é
enfadonho, e apresenta particular beleza estética nos quadros que tanto
aproveitam as maravilhosas e inexprimivelmente românticas maravilhas do sul da
França. Além disso, o elenco igualmente eficaz serve bem como veículo das
excelentes falas de Allen, além de o longa arrancar gargalhadas e sorrisos de
alegria no lindo diálogo onde tia Vanessa induz Stanley a uma auto-análise sem
que este perceba.
Enfim, mais importante
do que isso, Magia ao Luar proporcionou
a mim e às duas amigas que me acompanharam ao cinema uma frutífera discussão envolvendo
diversos aspectos dentro e fora da obra. Então, mesmo pecando e demonstrando
alguma imaturidade, Woody Allen continua fazendo Cinema que ultrapassa o entretenimento
por entretenimento.
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