Análise:
Oslo, 31 de Agosto (Oslo, 31, August / 2011 /
Noruega) dir. Joachim Trier
por
Lucas Wagner
Ambientado num universo
cinzento, frio e melancólico, Oslo, 31 de
Agosto é um filme com uma atmosfera que muito diz sobre o estado
psicológico de seu protagonista, cuja personalidade se dedica a estudar durante
os 95 minutos de duração. O mais curioso, no entanto, é como se instala a sensação
de que talvez a angústia pintada pelo diretor Joachim Trier e sua equipe não se
“reduza” a um personagem só, mas a toda uma gama de figuras que parecem
percorrer a tela como fantasmas, muito embora apresentem fachadas de vitalidade
e tranquilidade.
Baseado no livro Le Feu Follet, de Pierre Drieu La Rochelle,
e roteirizado por Eskil Vigt e Trier, o longa acompanha as 24 horas que são
permitidas para que Anders (Anders Danielsen Lie), um interno de uma clínica de
reabilitação de uso de drogas, vá à cidade de Oslo, onde morava, para uma
entrevista de emprego, além de já se permitir um período de teste para quando
for definitivamente liberado da clínica, algo que ocorrerá em pouco tempo. Nesse
dia, o homem reencontra diversas figuras envelhecidas de sua adolescência,
enquanto é colocado contra a parede ao enfrentar questões existenciais.
Interpretado com
brilhantismo por Anders Danielsen Lie com sua expressão sempre cerrada e olhos
que transmitem dolorosas informações, Anders é um homem de 34 anos de idade que
parece evitar se alienar. Diferente de muitos que passaram por reabilitação depois
de intenso e variado uso de drogas, não procura uma espécie de salvação religiosa
ou mesmo dentro de uma filosofia de vida otimista. Apesar de reconhecer os
efeitos destrutivos que o uso de substâncias teve em sua vida, ele permanece
com um pensamento crítico e cínico, algo que provavelmente o ajudou na
promissora carreira como escritor jornalista que um dia teve. Assim, encara a vida
e as aparente possibilidades que se abrem com suspeita. Será que vale a pena
lutar por algo? Será que existe alguma coisa capaz de dar sentido a uma
existência? Será que existe algo como felicidade?
Ao se sentar sozinho em
uma lanchonete, o homem observa as diversas pessoas naquele ambiente e presta atenção
em trechos de suas conversas, escutando fatos cotidianos repletos de vazio, e,
por vezes, Anders enxerga uma pessoa na rua e devaneia sobre sua existência, e
o triste é perceber que, depois de suas atividades imaginadas, a pessoa sobre a
qual pensa chega em casa, e ele a imagina se deparando com uma angustiante
falta de sentido, se pondo a chorar. O mais interessante é que essas imagens
que figuram na cabeça do protagonista nesse momento são acompanhadas pelo áudio
de uma garota no café que tagarela com uma amiga sobre infindáveis planos para
o futuro. Não é a toa que, percebendo essa ironia, Anders sorria tristonho.
Pois o que essa visão racional, cínica, de realidade trás para ele é algo mais
aterrorizante do que uma overdose: a sensação
de que, não importa o que faça, tudo será vazio, efêmero, um espaço entre
desgraças. Esse claro sinal clínico de depressão evidencia seu interior como um
grande abismo, ou um buraco negro, que suga qualquer sinal de vitalidade ou
alegria para sua vida.
O pior de tudo é a
dificuldade que encontramos para julgar esse comportamento de Anders. Afinal,
as pessoas com quem interage parecem justificar essa visão. Um amigo de
antigamente aparenta felicidade para olhos mais ingênuos, com sua bela filhinha
e esposa, com emprego fixo e boa renda. Mas é só prestar um pouco de atenção e
se verá o sarcasmo mordaz que toma conta do sujeito, a castração constante da
esposa que impede que ele se entregue a citações literárias que ama, e se isso
não tinha evidenciado desgraças, ele mesmo desabafa e reclama de uma vida
apática, cujo ápice é jogar Battlefield
com a mulher. Uma ex-namorada de Anders percebe-se alienada numa festa em sua
própria casa ao não conhecer metade das pessoas que lá estão, muitas dessas
garotas jovens cuja beleza expansiva rivalizam com a decadência progressiva da
anfitriã. Até mesmo um cara que transou com a namorada do protagonista
mostra-se amargo o suficiente para rejeitar qualquer demonstração de educação
ou bom senso como sendo arrogância. E assim vai...
Não é bizarro que tais
figuras pareçam encontrar conforto nas farras noturnas, quando músicas altas
que abafam a comunicação impedem interações profundas, e mesmo quando vem o silêncio,
é como uma espécie de abençoado esquecimento de fúrias internas que persistem
em gritar. O mundo cinza e frio, com reduzida profundidade de campo que embaça
horizontes, criado para a obra vai além de colocar-nos na perspectiva de uma
pessoa depressiva, mas ilustra mesmo um universo, uma gama de indivíduos
confusos, insatisfeitos com os rumos proporcionados pelas contingências,
frustrados ao perceberem que talvez esta vida não será grandiosa como um dia esperaram.
31 de agosto não é uma data qualquer, mas o fim do verão na Noruega, época
geralmente associada a alegrias, mas que aqui se parece um inverno; a questão é
mais referente a encarar de vez o fim do verão, não do ano, mas da vida em si.
Muitos dos personagens apenas esbarram com essa visão, mas não Anders, e talvez
por isso seu estado clínico.
Interessante que o diretor,
Joachim Trier, seja parente do polêmico cineasta Lars Von Trier. O curioso é
porque este último, em 2011, também dedicou-se a investigar a depressão, e chegou
a conclusões similares. O problema era que esse seu Melancolia, apesar de possuidor de inegáveis virtudes, era
arrogante na perspectiva de apresentar a depressão como um estado quase
iluminado que afasta suas vítimas da alienação. Joachim Trier é menos chorão e
mais sábio: a depressão não é um estado iluminado, mas sim um que embaça
qualquer possibilidade de alívio, mesmo momentâneo. Em certo ponto da obra,
Anders encontra uma linda universitária, com ideais e otimismo. Num rendezvouz amoroso, ilumina-se a
possibilidade de envolvimento bacana com ela, algo ilustrado de forma mais do
que clara a partir da imagem de um sol nascente. Seria amor eterno? Não. Seria
um mar de rosas enquanto durasse? Sim, já que por baixo destas existem espinhos.
Mas deixar passar essa oportunidade simplesmente por sua inerente efemeridade
não é senão demonstração de imaturidade, ou, no caso de Anders, de uma
impossibilidade clínica de se permitir esse conforto. Talvez por isso as coisas
tem o fim que tem.
Quando, no fim da projeção,
somos levados em retrospectiva a mais uma vez encarar os lugares onde se deram
as interações durante o filme, é como se fôssemos obrigados a encarar novamente
as rasas possibilidades de desconfirmação que foram oferecidas a Anders, que no
fim se mostraram completamente vazias, talvez porque nunca possuíram significado
algum, para começo de conversa. Voltamos à segurança angustiante do
encarceramento entorpecido.
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