sexta-feira, 8 de novembro de 2013


Crítica Capitão Phillips (Captain Phillips / 2013 / EUA) dir. Paul Greengrass

por Lucas Wagner

  Capitão Phillips se insere bem na filmografia do cineasta Paul Greengrass, cujos melhores trabalhos (Voo United 93 e Domingo Sangrento) buscam retratar eventos reais e aterradores numa perspectiva realista e visceral. Assim, esse seu novo filme representa uma experiência intensa ao narrar a captura e cativeiro do comandante de navio mercante, Richard Phillips, por piratas nos mares da Somália, em 2009.

  Indubitavelmente um dos maiores nomes do Cinema de ação atual, Paul Greengrass emprega aqui a mesma brutalidade visceral que já acostumamos a ver em seus trabalhos (para quem não sabe, são dele Supremacia Bourne e O Ultimato Bourne). A câmera nervosa, com diversos closes e rack focus (mudar o foco das lentes durante uma tomada), e planos inclinados, permitem um clima de tensão extremamente eficaz, conferindo adrenalina constante à obra, ainda mais pela montagem frenética (porém compreensível) que investe em cortes rápidos e bruscos, agregando certa crueza/rudeza à obra que combina com a violência vista aqui. Nessa perspectiva, a excelente trilha sonora de Henry Jackman acerta em tons intensos e brutos, investindo muito em sons que lembram tambores e certos toques de guitarra elétrica, além de tons eletrônicos; mais importante é a inteligência com que Greengrass usa o material composto por Jackman: o diretor usa os trechos da trilha em momentos específicos e ideais para a construção do tom perfeito de cada cena, como por exemplo, quando os piratas começam a subir no navio pela escada lateral, e Greengrass corta a música que estávamos ouvindo, e investe numa que é apenas silêncio quebrado por sons de batidas ritmadas isoladas.

  O talento do cineasta para a construção do suspense também fica em constante evidência na obra, em diversas sequências intensas como aquelas que precedem o embarque dos piratas, ou ainda toda a “negociação” no terceiro ato. Ainda, uma das maiores virtudes do roteiro de Billy Ray reside na confiança que apresenta na inteligência do espectador, já que não busca martelar explicações sobre as estratégias de seus personagens ou linhas de ação. Estratégias essas que se revelam extremamente inteligentes e enriquecem o enormemente a obra (a sequência do "tour" pelo navio com os piratas é de tirar o fôlego). Além disso, os piratas são uma ameaça palpável e assustadora, e nunca duvidamos de que são capazes de usar violências para atingir seus fins.

  Falando nos piratas, o tratamento que Greengrass e Ray dão à eles é adequado. Apesar de não serem tão humanos, frágeis e comoventes como os terroristas de Voo United 93 (e que nunca deixavam de ser ameaçadores também), os piratas aqui vistos transmitem toda a violência necessária, mas com o decorrer do projeto, vão revelando toda a insegurança e fragilidade deles mesmos, se transformando não tanto em vilões, mas em mais vítimas da situação que eles mesmos criaram. Para isso, o ator Barkhab Abdi tem uma atuação exemplar como Muse, revelando camadas de líder imponente, infantilidade e insegurança que são palpáveis para o espectador. Na verdade, dentre os piratas, o único erro reside na pavorosa atuação de Faysal Ahmed como Najee, que, estupidamente caricata, se baseia numa gritaria constante e num arregalamento extremo dos olhos para criar um tom de ameaça.

  Mas muitos dos acertos de Capitão Phillips estão mesmo em seu protagonista. Encarando um afastamento gradual em relação à família devido à linha de trabalho que escolheu, Phillips é um homem sério, rígido e inegavelmente frio. Não procura enturmar mais com os marinheiros do que somente com um educado “bom dia”, e não hesita em interromper um momento de lazer deles de maneira brusca sugerindo que deveriam terminar logo suas refeições. O que é compreensível, em vista da carga de estresse que vem enfrentando em casa. Aliás, a sequência inicial do longa é impecável por Greengrass e Ray conseguirem evidenciar tão bem a dificuldade do casamento de Phillips e sua mulher, principalmente pela sutileza de mostrá-la chegando de última hora no carro para ir com o marido até o aeroporto, dizendo um resignado “ok”, como se estivesse fazendo um esforço para realizar uma tarefa que antes podia ser natural. Também é um ótimo toque da direção de arte enfeitar a cabine de Phillips com fotos da família, além de fazê-lo beber de uma caneca com foto de sua mulher e filhos, ilustrando a importância que eles tem para o capitão, o que deixa seu afastamento ainda mais melancólico e trágico. Mas se esses elementos são interessantes no desenvolvimento do personagem, infelizmente acabam servindo mais como uma curiosidade à parte na sua composição, já que à trama referente aos piratas pouco importa essa parte familiar, mas sim outras característica do protagonista, como a sua frieza, inteligência estratégica e resiliência.

  E é com esse material que Tom Hanks entrega uma das melhores e mais poderosas performances do ano. Abraçando a frieza e rigidez do capitão (características raras dentre os personagens habituais do ator), Hanks assume uma disciplina absoluta que é evidenciada em detalhes sutis, como na mania de arrumar os óculos, que vai se tornando quase que um tique nervoso ao longo da projeção. O ator evita grandes arrombos emocionais durante a maior parte do tempo, e prefere trabalhar no controle que Phillips busca manter, para poder comandar e controlar a situação desesperadora em que se encontra. O autocontrole do capitão também às vezes tropeça, algo que Hanks ilustra perfeitamente numa entonação de voz diferenciada ou através de uma rigidez muscular mais evidente e óbvia (denunciando seu nervosisimo). Mas a grande perfeição da atuação de Hanks está mesmo é no terceiro ato, no processo de desestruturação psíquica devido à própria fadiga psicológica pela qual o personagem passa, obrigando-o a agir de forma dissonante de como vinha agindo até então. Tal processo se completa na sua última cena, que é não só um dos maiores momentos da carreira de Hanks, como também o maior motivo do ator merecer ser entupido de prêmios até a alma: o choque dele, a sensibilidade e o desespero tão demasiadamente humanos em sua fragilidade e comoção, fez com que uma lágrima me escorresse de um dos olhos, numa reação sincera da minha emoção diante de tão perfeito talento.

  Assustador, empolgante, impactante e extremamente intenso, Capitão Phillips preenche os critérios para ser mais uma obra de valor dentro de uma carreira admirável como a de Paul Greengrass, mesmo não sendo o seu melhor trabalho. E a última cena do capitão vale tudo e um pouco mais. Tom Hanks é um gênio.
  

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