Crítica Elisyum (Elisyum / 2013 / EUA) dir. Neil Blomkamp
Distrito
9 é provavelmente uma das mais importantes ficções científicas da década
passada, e isso por diversos motivos, entre eles, a própria estética de
documentário, o ritmo frenético e intenso, levando o espectador à beira da
poltrona o tempo inteiro, além da criação de um anti-herói complexo e trágico a
quem odiamos mas para quem também torcemos; mas acima de tudo, a distopia
criada pelo diretor Neil Blomkamp era fascinante por ser uma metáfora
intrincada que explorava com muita propriedade todas as possibilidades críticas
da proposta. Blomkamp agora volta com uma nova ficção científica mais arrojada
visualmente e que em muitos aspectos remete ao seu trabalho anterior, mas que
acaba decaindo muito por não saber lidar tão bem com sua própria ambição.
Escrito pelo próprio Blomkamp, Elisyum também conta uma distopia, desta
vez sobre condições em que a Terra se tornou inabitável, tanto pela poluição
quanto pela superpopulação, o que obrigou as pessoas mais ricas e poderosas,
desejosas por manter o seu estilo de vida, a passarem a viver em uma estação
espacial que fica na órbita da Terra, que recebeu o nome de Elisyum (metáfora
advinda da mitologia grega, onde esse era o nome do lugar para onde as almas
boas e inocentes iam depois da morte). As pessoas pobres, sem recursos, ficavam
apodrecendo na Terra, sonhando em talvez um dia ir para a estação, mas enquanto
isso vivendo em um ambiente sujo, decadente e corrupto.
Apesar de pegar muito emprestado da trama da
obra-prima Wall-e, Blomkamp faz bem
ao construir um universo realista e que, como muitas boas ficções científicas,
serve como convite à reflexão sobre ideias e possibilidades futuras. O universo
do longa é perfeitamente palpável, onde a Terra um dia será inabitável e que as
pessoas mais pobres ficaram privadas dos benefícios que só o dinheiro pode
comprar. Além disso, o diretor acerta ao tocar em temas sensíveis como mostrado
pelo papel da Secretária da Defesa interpretada por Jodie Foster, que usa de
meios ilegais e toma medidas drásticas e violentas para erradicar qualquer
possibilidade de pessoas da Terra entrarem em Elisyum; ainda é interessante que
Max (Matt Damon) em certo momento seja criticado por trabalhar honestamente,
sintoma de uma sociedade tão sem esperança que o próprio ato de sonhar se torna
criticável; não há também como não notar a violência com que os policiais-robôs
tratam as pessoas da Terra (que não são nem chamados de cidadãos), ou ainda
como o atendimento de serviços é sempre feito por robôs, ressaltando a
distância que os habitantes de Elisyum procuram do seu antigo planeta.
Aliás,
o filme poderia até gerar discussões interessantes no círculo da sociologia
promovida por nomes como Zygmunt Bauman, Anthony Giddens, Anderson Clayton,
entre outros, que discutem o estabelecimento de uma “sociedade do Glamour”,
onde busca-se viver com o máximo de prazer possível, abraçando o belo (que só
com dinheiro se compra) e erradicando aquilo que é feio, que é desagradável. A
criação de um outro habitat, que
segregasse aqueles com predicados suficientes para serem aceitos em uma
sociedade hedonista com uma monodisposição para o prazer daqueles que não tem
predicados para serem aceitos como membros, parece ser a forma última da
desumanização promovida pela globalização e advento de tecnologias como a
internet e os celulares, que individualizam mais e mais os seres humanos e dão
subsídios à manutenção dessa sociedade do Glamour. Aliás, os luxuosos
condomínios fechados de hoje servem como uma versão reduzida de Elisyum, pois,
no fim das contas, serve ao mesmo propósito de criar um mundinho próprio para
quem pode pagar.
Ainda assim, Blomkamp peca terrivelmente ao
abandonar a exploração dessas ideais quase totalmente a partir da metade do
longa, quando transforma esse em apenas um filme de ação. É verdade que, nesse
aspecto, ele continua relativamente competente e empolgante (como discutirei
mais adiante nessa crítica), mas perde tudo aquilo que o fazia caminhar para
ser um grande filme, jogando fora para se tornar um blockbuster qualquer. Também não há como não comentar que Blomkamp
apresenta uma tendência perigosa na repetição da mesma estrutura de Distrito 9, fazendo com que a jornada de
Max aqui siga basicamente os mesmos passos e seja controlada por quase as
mesmas variáveis de Markus lá.
Visualmente também, Elisyum comete erros perigosos. O design de produção faz muito bem ao fazer da Terra uma imensa
favela, e também ao criar Elisyum de modo que remeta diretamente à Citadel do
jogo de vídeo-game Mass Effect, mas
peca ao fazer da estação espacial um ambiente totalmente monótono e repetitivo,
ignorando as diversas possibilidades visuais para se focar apenas no mais óbvio
possível: pequenos lagos, gramados e casas envidraçadas. Mais errada ainda é a
fotografia de Trent Opaloch. Acertando ao fotografar a Terra com uma imagem
granulada e uma luz estourada, passando a ideia de calor, angústia, sujeira e
desespero, Opaloch e Blomkamp (muitas das decisões da fotografia partem também
do diretor) erram terrivelmente ao manter a mesma lógica em Elisyum, o que
entra em contradição com o ambiente higienizado que este deveria ser; muito
mais certo seria ter fotografado a estação com cores frias, tendendo ao cinza e
ao azul escuro, além de cortar a granulação, criando uma imagem plastificada
que passaria a ideia de falsidade. Mas em relação aos efeitos especiais o longa
se sai bem, principalmente em detalhes como ferrugens na lataria dos robôs.
Como dito antes, Blomkamp entrega toda a
segunda metade da projeção para a ação, criando um clímax de sangue e violência
que surge, como em Distrito 9, dirigido
com uma habilidade imensa, onde o diretor demonstra toda sua competência na
criação da tensão e intensidade necessárias. Aliás, Elisyum é, como Distrito 9,
Looper e Dredd, ou seja, um dos raros blockbusters
atuais que tem a audácia de explorar toda a dimensão da violência das
situações, além de não poupar nos palavrões.
Infelizmente,
diferente dos outros três longas citados, Elisyum
não conta com personagens tão fortes ou marcantes que nos façam torcer por
eles. Não que o elenco não faça um bom trabalho. Jodie Foster abraça a vilania
absoluta da Secretária da Defesa de Elisyum, ao passo que Alice Braga ressalta
o caráter de princesa trágica de Frey. O genial Wagner Moura empresta
intensidade imensa à Spider, interpretando-o como um sujeito imoral e ambíguo
em suas intenções, e Sharlto Copley mais uma vez rouba a cena todas as vezes
que aparece, fazendo do mercenário Kruger um indivíduo completamente insano e
absurdo em sua psicopatia desenfreada. E Matt Damon fica com um papel ingrato
de um protagonista cujas motivações são óbvias e por vezes clichês, mas ainda
assim consegue extrair intensidade e determinação do personagem, conferindo
peso dramático ideal à Max.
Filme menor na ainda iniciante carreira de
Blomkamp, Elisyum tem predicados
suficientes para que não percamos esperança no trabalho desse diretor, que
ainda tem muito o que mostrar e explorar.
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