quarta-feira, 17 de julho de 2013



Crítica O Cavaleiro Solitário (The Lone Ranger / 2013 / EUA) dir. Gore Verbinski

por Lucas Wagner

  Cineasta que encanta pela versatilidade, Gore Verbinski construiu uma carreira até agora admirável por possuir um catálogo de gêneros e estilos totalmente distintos, como o terror opressivo de O Chamado, a melancolia de O Sol de Cada Manhã ou o descompromisso da trilogia Piratas do Caribe, conseguindo ainda (o que é mais admirável) manter um nível de qualidade elevado em quase todos seus trabalhos (o “quase” era por causa do terceiro Piratas do Caribe, a ovelha negra da filmografia dele até então) e alcançando o seu ápice no inesquecível Rango, animação western que ainda funcionava como um longa de crise de identidade. No entanto, um dos aspectos mais decepcionantes desse seu novo projeto, O Cavaleiro Solitário, é justamente a percepção aqui do exato mesmo Verbinski de Piratas do Caribe, já que o diretor recicla a mesma fórmula, adequando-a a um contexto que, se de vez em quando funciona, no geral vemos um trabalho extremamente inferior, o pior de seus filmes até agora.

  O que é decepcionante, principalmente se contarmos com o restante da carreira dele e com a extraordinária sequência de ação que ocorre ainda no primeiro ato do filme. Essa sequência, envolvendo uma invasão à um trem em movimento, trazia tudo o que havia de melhor nos dois primeiros Piratas do Caribe, principalmente no divertidíssimo trabalho de misé-èn-scene (movimentação e posicionamento dos atores em cena) promovido pelo diretor, que, assim como nos ótimos dois primeiros capítulos da trilogia citada, cria momentos curiosos em seu absurdo coreografado, funcionando quase que como uma dança elegante e frenética dos personagens. Ainda podemos observar os característicos travellings e movimentos por demais ousados com a câmera, acompanhando (em planos mais longos) malabarismos insanos dos personagens no meio de suas lutas, sem contar toda a energia e bom humor que transborda de toda essa sequência. Não é atoa que me lembrei de outra recente e brilhante sequência de ação rodada em um trem em movimento, que se deu no excelente western sul-coreano O Bom, O Mau, O Bizarro.

  Mas toda essa perfeição não é mantida durante toda a projeção, e logo após essa sequência o longa vai caindo de qualidade cada vez mais, com uma história por demais pedestre e bobinha, além de totalmente previsível e maniqueísta, para segurar desnecessários 149 minutos de duração, esticando os acontecimentos até o limite para dar esse tempo de duração supostamente épico. O que é pior é, no entanto, que o estilo Piratas do Caribe faroeste aqui vem totalmente forçado, com toda a fantasia e absurdo daquele longa (que lá tanto divertia) aqui surgindo mais como uma maneira de Verbinski tornar seu trabalho mais aberto para um grande público. O que é uma pena, já que O Cavaleiro Solitário possui homenagens à diversas formas de western, desde os mais clássicos (da década de 30) até o western spaguetti de Sergio Leone, mas se vê forçado à ser levinho e descompromissado demais, e momentos como as gracinhas promovidas pelo cavalo branco podem arrancar algumas risadas, mas são simplesmente muito infantis para o longa (o momento em que o cavalo aparece em cima do tronco de uma árvore, usando um chapéu, é até vergonhoso). Aliás, o humor do longa é sempre muito infantil, e a “necessidade” de ser engraçadinho atrapalha o tom do longa, que nunca soa ameaçador e nunca nos leva a preocupar com os personagens principais, ainda mais por afirmar, em certo momento, que um deles é impossível de morrer.

  Engessado pela Disney para tentar repetir o sucesso da citada trilogia, Verbinski não consegue nem mesmo demonstrar a mão boa que tinha para sequências de ação, a não ser na já comentada sequência do assalto ao trem ou ainda a que se passa no clímax que, mesmo não tão boa quanto à primeira, atinge um nível de excelência invejável e divertido. Mas, no geral, as cenas de ação estão tão apagadas, sem energia ou inventividade que, na maioria daquelas que preenche o segundo ato, muitas vezes apenas na metade dessas sequências percebemos que tem ação acontecendo ali, mas nada muito empolgante. A impressão que fica é que o diretor queria fazer algo diferente, mais sério, e não descompromissado como Piratas do Caribe, mas sim como Rango que, mesmo sendo uma animação e com bom-humor, surgia mais centrado e relevante que O Cavaleiro Solitário. Só isso poderia explicar o modo como o longa é absurdamente arrastado em todo o seu segundo ato, contendo sequências inutilmente longas que poderiam muito bem ter sido mais editadas (como todo o hiato entre a saída de John Reid com outros pistoleiros até o momento em que encontra, acordado, o índio Tonto). E se não reclamo do fato do longa ser contado em flashback é porque, aqui e ali, o roteiro e a direção encontram formas um pouco mais inventivas de usar esse recurso, indo e vindo no fluxo narrativo de forma mais fluída, às vezes até mostrando acontecimentos que ainda não ocorreram até onde vimos o filme, e ainda Verbinski é feliz ao, muitas vezes, ligar as cenas de Tonto (Johnny Depp) contando a história para o garotinho e aquelas da linha narrativa normal com raccords que acabam funcionando surpreendentemente bem.
  Já no que diz respeito aos personagens e ao elenco, também não há muitas coisas boas a falar, em especial no caso de Tonto, que já surge à sombra do inesquecível Jack Sparrow. Aliás, o índio aqui é uma versão fraca e sem graça do pirata (e com isso não estou considerando o quarto Piratas do Caribe, que não é do Verbinski e, na minha opnião, não é um filme, mas sim uma piada de mal gosto), funcionando pura e simplesmente como mero alívio cômico e, quando o roteiro tenta lhe dar maior dimensão, falha pela forma clichê como o faz. Assim, a performance de Johnny Depp pode ser muito divertida, mas é muito pouco frente à um ator tão bom como ele. Já o geralmente competente Tom Wilkinson cria um personagem estereotipado e ridículo, ao passo que Ruth Wilson só consegue fazer papel de fêmea em perigo. Armie Hammer, no entanto, consegue aproveitar seu micro-arco-dramático como o protagonista John Reid, enquanto Helena Bonham Carter tem a personagem mais interessante do filme, mas muito pouco explorada.
  Tecnicamente, como não poderia deixar de ser, O Cavaleiro Solitário é impecável, desde os efeitos especiais até à maquiagem, passando por um design de produção sublime que recria os ambientes do Velho Oeste com uma perfeição invejável. No quesito técnico, no entanto, quem mais se sobressai é o excepcional Hans Zimmer, que mais uma vez cria uma trilha sonora fascinante ao compor temas originais e intensos para acompanhar as sequências de ação, e ainda faz algo que fez tão bem em seus trabalhos em A Origem e Sherlock Holmes – Jogo das Sombras, misturando suas criações com trabalhos já existentes, aqui criando tons que remetem à inesquecível faixa da trilha de Ennio Morricone para Era Uma Vez No Oeste, quando o vilão interpretado por Henry Fonda era apresentado; ainda, Zimmer brinca até mesmo ao trazer, em determinado momento, acordes que lembram a peça “O Lago dos Cisnes”.
 Atrapalhado e mal escrito, O Cavaleiro Solitário falha principalmente por tentar ser apenas um faroeste estilo Piratas do Caribe, impedindo que Verbinski pudesse realmente brincar com todas as possibilidades do projeto, o que resultaria em algo bem mais marcante. Não posso dizer que fiquei triste ao ver o fracasso absoluto de bilheteria que o longa representou, e tenho a esperança que possa ensinar uma lição à Disney.


3 comentários:

  1. Gostei de sua crítica, apesar de achar que em alguns momentos ela se torna redundante, mas você escreve bem. Quais críticos e sites de cinema você lê ou segue?

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    1. Leio sempre o Pablo Villaça. Mas tb passo pelo Omelete e vejo a média de notas no Rotten Tomatoes

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