sábado, 18 de maio de 2013



Crítica Terapia de Risco (Side Effects / 2013 / EUA) dir. Steven Soderbergh
 por Lucas Wagner

  Se há algo que muito aprecio na carreira do cineasta Steven Soderbergh é como este sempre buscou trabalhar com temas diferentes sob abordagens diferentes. Estamos falando do cara que dirigiu Traffic (um longa político e extremamente complexo sobre o tráfico e o uso de drogas), Sexo Mentiras e Videotape (filme erótico que explora a forma como quatro personagens específicos buscam prazer sexual), Onze Homens e Um Segredo (filme cool sobre um roubo arriscado) ou ainda À Toda Prova (exercício de estilo puramente técnico), apenas para citar alguns exemplos. Por mais que nem sempre acertasse em cheio, os trabalhos do cineasta nunca caíram totalmente na mediocridade, o que acabava ressaltando o talento dele em viajar sob todos esses diversos temas. Assim, Terapia de Risco (seu suposto último trabalho no Cinema) é curioso por tentar unir, em um único filme, diversos temas, mudando completamente de abordagem a partir de certo ponto, o que, geralmente, é algo fascinante (vide Um Drink no Inferno, de Robert Rodriguez). Mas se, à primeira vista, isso é curioso, não consigo deixar de sentir certa decepção por perceber como um longa complexo e multifacetado tenha passado para um suspense tipo Tela Quente, pretensamente inteligente, mas ordinariamente simples.

  Escrito por Scott Z. Burns (que já trabalhou com Soderbergh em Contágio e O Desinformante), a sinopse de Terapia de Risco trata do caso de uma mulher, Emily (Rooney Mara), cujo marido (Channing Tatum) acabou de sair da prisão. Não conseguindo lidar bem com essa nova situação, Emily desenvolve um quadro de depressão, recebendo então os cuidados do psiquiatra Jonathan Banks (Jude Law), que lhe prescreve determinado medicamento, cujos efeitos colaterais acabam tendo consequências trágicas.

  Assim como em Traffic e Contágio, Soderbergh parece buscar montar um panorama sobre um determinado tema, procurando explorá-lo sob diferentes ângulos. Se no primeiro citado o alvo eram as drogas, e o segundo uma epidemia de proporções globais, aqui é a psicofarmacologia. O diretor passa de um ponto de vista micro para um macro de forma mais calma e contida do que nos dois filmes citados. Deixe-me explicar: no início, acompanhamos o doloroso processo de depressão de Emily, até que, aos poucos, passamos para a discussão sobre o uso de drogas na psiquiatria, e até mesmo como Wall Street acaba tendo certo influencia sobre esse assunto. Como fez com sucesso em Traffic (e onde tropeçou um pouco em Contágio), Soderbergh dá grande atenção às consequências humanas da sua temática, adotando o ponto de vista de seus personagens, assim como desenvolvê-los mais sempre que pode, tornando-os figuras ambíguas e complexas.

  Isso, alias, não impede que Soderbergh e Z. Burns explorem com propriedade as diversas camadas das discussões eliciadas pelo roteiro. Como estudante de Psicologia, confesso ter encontrado vários pontos passiveis de discussão acadêmica aqui: quais são os verdadeiros benefícios da psicofarmacologia? Até que ponto as drogas são realmente necessárias e benéficas? Como a personagem de Catherine Zeta-Jones diz em determinado momento no longa: “Um cardiologista pode prever um ataque cardíaco, mas nós (terapeutas) não podemos prever todas as mentiras” (eu parafraseei). Através da análise do comportamento, podemos prever até certo ponto como a pessoa se comportará em diferentes ambientes, mas não podemos sempre controlar todas as mínimas variáveis envolvidas no complexo processo do comportamento. Assim, a confiança no que diz o paciente é até mesmo ilusória, já que o ponto de vista dele pode estar alterado. Ainda assim, o uso inadivertido (muitas vezes movido por motivos econômicos) das prescrições de drogas psiquiátricas não é a única saída possível, já que essas podem ter efeitos colaterais ainda mais graves, dependendo das variáveis que controlam o paciente em determinado momento. Emily, ao fazer o que faz no filme, pode ter sido movida por profundos e ambíguos desejos inconscientes (pelo menos é o que parecia ser até certo momento do longa) que só foram piorados pelas drogas receitadas por Jonathan. O ser humano é extremamente multifacetado e complexo para ser definido e “curado” apenas alterando aspectos biológicos. Sua interação com o ambiente em que vive pode oferecer dados muito mais valiosos para ajuda-los do que as drogas. Assim também, é fascinante que o roteiro de Z. Burns se arrisque a investigar até mesmo a complexa interação entre terapeuta e paciente, como a própria personalidade e o contexto do primeiro parece influenciar toda essa relação de maneira definitiva para o segundo.

  Ancorado por um elenco forte, Soderbergh tem a felicidade de contar com as impecáveis atuações de , principalmente, Rooney Mara e Jude Law. Sempre linda, Mara cria uma Emily complexa e frágil, cuja dor da depressão parece genuína ao espectador por conseguirmos compreender como a prisão do marido a destruiu e como ela, ainda assim, parece o amar (observe a alegria extravasada dela no momento em que ele sai da prisão), e tenta assim ser mais forte do que realmente é, o que acaba causando os piores estragos em sua pessoa (ressalto aqui que estou dizendo isso desconsiderando as reviravoltas finais do longa). Já Jude Law cria a figura mais multifacetada do longa, transformando Jonathan num terapeuta realmente preocupado em ajudar seus pacientes, ao mesmo tempo em que não hesita em concordar em receitar drogas ainda em fase de teste para estes (embora sob consentimento dos pacientes); também, é admirável que Law viaje com tranquilidade sobre todas as camadas de John, até mesmo quando seu lado mais egoísta e mesquinho vai surgindo durante a projeção. Não poderia deixar de ressaltar ainda a atenção de Law à pequenos mas enriquecedores detalhes, como pelo fato de se abaixar para conversar com um paciente quando este vai se estressando (demonstrando assim submissão e tentativa de acalmar), ou quando fica no celular enquanto a esposa desabafa. Channing Tatum mais uma vez se mostra um ator carismático ao conferir tridimensionalidade à um personagem que, sem um ator como ele, não seria nada. Já Catherine Zeta-Jones parece apenas afundar como atriz, compondo mais uma figura enfadonha, como fez nos recentes (e ridículos) Rock of Ages e Linha de Ação.

  Soderbergh, além da direção, assina a fotografia (sob o pseudônimo de Peter Andrews) e a montagem (dessa vez sob o pseudônimo de Mary Ann Bernard), conseguindo mais uma vez criar um trabalho complexo e competente. Com uma paleta de cores sempre tristes, variando do cinza (trazendo melancolia) para o verde-amarelado (lembrando putrefação), Soderbergh consegue traduzir bem o estado psicológico da depressão de Emily, algo ainda mais bem feito pelo diretor sempre usar uma profundidade de campo reduzidíssima, permitindo que vejamos praticamente apenas os personagens que estão mais próximos da tela, o que, na primeira metade do longa, serve para ressaltar a dificuldade de Emily de enxergar o mundo ao redor, e depois esse efeito se generaliza a todos os personagens, que parece sempre presos ao seu próprio mundo e seus próprios problemas (em especial Jonathan). Até mesmo em representações mais óbvias, o diretor se faz bem, construindo composições elegantes, mesmo que claras, como o momento em que Emily observa uma imagem distorcida sua em um espelho, simbolismo que acaba funcionando de toda forma no filme, mesmo depois das reviravoltas finais. Também, Soderbergh traz um ritmo impecável ao longa, nunca deixando que se torne enfadonho ou irritante, mas sempre segurando o espectador, algo que também é efeito da linda trilha sonora de Thomas Newman (numa ótima fase de sua  carreira, como fica evidente pelo seu último e brilhante trabalho em 007 – Operação Skyfall).

  Como disse, Terapia de Risco se envereda por caminhos muito diferentes e inesperados. O objetivo de Soderbergh e Z. Burns era fazer com que o drama psicológico crítico se tornasse um suspense conspiratório de intrigas. É uma proposta interessante que pode agradar à muitos. À mim, não agradou. A trama criada e as reviravoltas podem até ter sido bem estruturadas pelo roteiro (ao lembrar do filme, de detalhes específicos espalhados, isso fica evidente), mas é simplesmente...ridícula. Simplista, besta, além de muito pretensiosa, a trama perde toda a dimensão complexa que vinha tendo, substituindo-a pelo puro choque, mesmo que, como já disse, a transição para essa outra abordagem tenha sido feita com relativo cuidado. Meu problema com ela não é técnico. É simplesmente narrativo.

  Assim, Terapia de Risco cai de um grande filme para um passatempo dispensável que perderá a graça se tentarmos assisti-lo de novo. Acaba sendo aquele tipo de longa que assistimos nos domingos de tarde, deitados na cama, meio dormidos de tanta cerveja que tomamos no almoço. O que, se considerarmos a carreira de seu cineasta, não deixa de ser decepcionante, ainda mais se este for mesmo seu último filme.

  Se for mesmo: ainda assim sentirei sua falta Sr. Soderbergh.

  Nota: 5,8 / 10,0

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