Crítica Terapia de Risco (Side Effects / 2013 / EUA) dir. Steven Soderbergh
por Lucas Wagner
Se há algo que muito aprecio na carreira do
cineasta Steven Soderbergh é como este sempre buscou trabalhar com temas diferentes sob abordagens diferentes. Estamos falando do cara que
dirigiu Traffic (um longa político e
extremamente complexo sobre o tráfico e o uso de drogas), Sexo Mentiras e Videotape (filme erótico que explora a forma como
quatro personagens específicos buscam prazer sexual), Onze Homens e Um Segredo (filme cool
sobre um roubo arriscado) ou ainda À
Toda Prova (exercício de estilo puramente técnico), apenas para citar
alguns exemplos. Por mais que nem sempre acertasse em cheio, os trabalhos do
cineasta nunca caíram totalmente na mediocridade, o que acabava ressaltando o
talento dele em viajar sob todos esses diversos temas. Assim, Terapia de Risco (seu suposto último
trabalho no Cinema) é curioso por tentar unir, em um único filme, diversos
temas, mudando completamente de abordagem a partir de certo ponto, o que,
geralmente, é algo fascinante (vide Um
Drink no Inferno, de Robert Rodriguez). Mas se, à primeira vista, isso é curioso,
não consigo deixar de sentir certa decepção por perceber como um longa complexo
e multifacetado tenha passado para um suspense tipo Tela Quente, pretensamente
inteligente, mas ordinariamente simples.
Escrito por Scott Z. Burns (que já trabalhou
com Soderbergh em Contágio e O Desinformante), a sinopse de Terapia de Risco trata do caso de uma
mulher, Emily (Rooney Mara), cujo marido (Channing Tatum) acabou de sair da
prisão. Não conseguindo lidar bem com essa nova situação, Emily desenvolve um
quadro de depressão, recebendo então os cuidados do psiquiatra Jonathan Banks
(Jude Law), que lhe prescreve determinado medicamento, cujos efeitos colaterais
acabam tendo consequências trágicas.
Assim como em Traffic e Contágio,
Soderbergh parece buscar montar um panorama sobre um determinado tema,
procurando explorá-lo sob diferentes ângulos. Se no primeiro citado o alvo eram
as drogas, e o segundo uma epidemia de proporções globais, aqui é a
psicofarmacologia. O diretor passa de um ponto de vista micro para um macro de
forma mais calma e contida do que nos dois filmes citados. Deixe-me explicar: no
início, acompanhamos o doloroso processo de depressão de Emily, até que, aos
poucos, passamos para a discussão sobre o uso de drogas na psiquiatria, e até
mesmo como Wall Street acaba tendo certo influencia sobre esse assunto. Como
fez com sucesso em Traffic (e onde
tropeçou um pouco em Contágio),
Soderbergh dá grande atenção às consequências humanas da sua temática, adotando
o ponto de vista de seus personagens, assim como desenvolvê-los mais sempre que
pode, tornando-os figuras ambíguas e complexas.
Isso, alias, não impede que Soderbergh e Z.
Burns explorem com propriedade as diversas camadas das discussões eliciadas
pelo roteiro. Como estudante de Psicologia, confesso ter encontrado vários
pontos passiveis de discussão acadêmica aqui: quais são os verdadeiros
benefícios da psicofarmacologia? Até que ponto as drogas são realmente
necessárias e benéficas? Como a personagem de Catherine Zeta-Jones diz em
determinado momento no longa: “Um cardiologista pode prever um ataque cardíaco,
mas nós (terapeutas) não podemos prever todas as mentiras” (eu parafraseei). Através
da análise do comportamento, podemos prever até certo ponto como a pessoa se
comportará em diferentes ambientes, mas não podemos sempre controlar todas as
mínimas variáveis envolvidas no complexo processo do comportamento. Assim, a
confiança no que diz o paciente é até mesmo ilusória, já que o ponto de vista
dele pode estar alterado. Ainda assim, o uso inadivertido (muitas vezes movido
por motivos econômicos) das prescrições de drogas psiquiátricas não é a única
saída possível, já que essas podem ter efeitos colaterais ainda mais graves,
dependendo das variáveis que controlam o paciente em determinado momento. Emily,
ao fazer o que faz no filme, pode ter sido movida por profundos e ambíguos
desejos inconscientes (pelo menos é o que parecia ser até certo momento do
longa) que só foram piorados pelas drogas receitadas por Jonathan. O ser humano
é extremamente multifacetado e complexo para ser definido e “curado” apenas alterando
aspectos biológicos. Sua interação com o ambiente em que vive pode oferecer
dados muito mais valiosos para ajuda-los do que as drogas. Assim também, é
fascinante que o roteiro de Z. Burns se arrisque a investigar até mesmo a
complexa interação entre terapeuta e paciente, como a própria personalidade e o
contexto do primeiro parece influenciar toda essa relação de maneira definitiva
para o segundo.
Ancorado por um elenco forte, Soderbergh tem
a felicidade de contar com as impecáveis atuações de , principalmente, Rooney Mara e Jude Law. Sempre linda, Mara cria uma Emily complexa e frágil, cuja dor
da depressão parece genuína ao espectador por conseguirmos compreender como a
prisão do marido a destruiu e como ela, ainda assim, parece o amar (observe a
alegria extravasada dela no momento em que ele sai da prisão), e tenta assim
ser mais forte do que realmente é, o que acaba causando os piores estragos em sua
pessoa (ressalto aqui que estou dizendo isso desconsiderando as reviravoltas
finais do longa). Já Jude Law cria a figura mais multifacetada do longa,
transformando Jonathan num terapeuta realmente preocupado em ajudar seus
pacientes, ao mesmo tempo em que não hesita em concordar em receitar drogas
ainda em fase de teste para estes (embora sob consentimento dos pacientes);
também, é admirável que Law viaje com tranquilidade sobre todas as camadas de
John, até mesmo quando seu lado mais egoísta e mesquinho vai surgindo durante a
projeção. Não poderia deixar de ressaltar ainda a atenção de Law à pequenos mas enriquecedores detalhes, como pelo fato de se abaixar para conversar com um paciente quando este vai se estressando (demonstrando assim submissão e tentativa de acalmar), ou quando fica no celular enquanto a esposa desabafa. Channing Tatum mais uma vez se mostra um ator carismático ao conferir
tridimensionalidade à um personagem que, sem um ator como ele, não seria nada. Já
Catherine Zeta-Jones parece apenas afundar como atriz, compondo mais uma figura
enfadonha, como fez nos recentes (e ridículos) Rock of Ages e Linha de Ação.
Soderbergh, além da
direção, assina a fotografia (sob o pseudônimo de Peter Andrews) e a montagem (dessa
vez sob o pseudônimo de Mary Ann Bernard), conseguindo mais uma vez criar um
trabalho complexo e competente. Com uma paleta de cores sempre tristes,
variando do cinza (trazendo melancolia) para o verde-amarelado (lembrando
putrefação), Soderbergh consegue traduzir bem o estado psicológico da depressão
de Emily, algo ainda mais bem feito pelo diretor sempre usar uma profundidade
de campo reduzidíssima, permitindo que vejamos praticamente apenas os
personagens que estão mais próximos da tela, o que, na primeira metade do
longa, serve para ressaltar a dificuldade de Emily de enxergar o mundo ao
redor, e depois esse efeito se generaliza a todos os personagens, que parece
sempre presos ao seu próprio mundo e seus próprios problemas (em especial Jonathan). Até mesmo em representações mais óbvias, o diretor se faz bem, construindo composições elegantes, mesmo que claras, como o momento em que Emily observa uma imagem distorcida sua em um espelho, simbolismo que acaba funcionando de toda forma no filme, mesmo depois das reviravoltas finais. Também, Soderbergh traz um ritmo impecável ao longa, nunca deixando que se
torne enfadonho ou irritante, mas sempre segurando o espectador, algo que
também é efeito da linda trilha sonora de Thomas Newman (numa ótima fase de
sua carreira, como fica evidente pelo
seu último e brilhante trabalho em 007 – Operação
Skyfall).
Como disse, Terapia de Risco se envereda por caminhos muito diferentes e
inesperados. O objetivo de Soderbergh e Z. Burns era fazer com que o drama
psicológico crítico se tornasse um suspense conspiratório de intrigas. É uma
proposta interessante que pode agradar à muitos. À mim, não agradou. A trama
criada e as reviravoltas podem até ter sido bem estruturadas pelo roteiro (ao
lembrar do filme, de detalhes específicos espalhados, isso fica evidente), mas
é simplesmente...ridícula. Simplista, besta, além de muito pretensiosa, a trama
perde toda a dimensão complexa que vinha tendo, substituindo-a pelo puro
choque, mesmo que, como já disse, a transição para essa outra abordagem tenha
sido feita com relativo cuidado. Meu problema com ela não é técnico. É
simplesmente narrativo.
Assim, Terapia
de Risco cai de um grande filme para um passatempo dispensável que perderá
a graça se tentarmos assisti-lo de novo. Acaba sendo aquele tipo de longa que
assistimos nos domingos de tarde, deitados na cama, meio dormidos de tanta
cerveja que tomamos no almoço. O que, se considerarmos a carreira de seu
cineasta, não deixa de ser decepcionante, ainda mais se este for mesmo seu
último filme.
Se for mesmo: ainda assim sentirei sua falta
Sr. Soderbergh.
Nota:
5,8 / 10,0
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