sábado, 16 de março de 2013



Crítica filme “A Busca” (A Busca / 2013 / Brasil) dir. Luciano Moura

por Lucas Wagner

  As relações entre pais e filhos representam uma das coisas mais fascinantes e mais complexas que se pode imaginar, porque, muitas vezes, os filhos, logo quando chegam ao mundo, recebem o peso da expectativa dos pais, dos seus sonhos, projetos e tudo o que quiseram em suas próprias vidas jovens mas que, por diferentes motivos, não puderam ter. Mas os filhos são pessoas por si mesmos que, com o passar dos anos e com o amadurecimento, vão reconhecendo isso e, talvez justamente para ir contra os pais, escolhem uma vida que é diametralmente oposta, como que para afirmar sua individualidade. Assim, os dramas/conflitos entre as gerações são profundamente complexos e sensíveis, formando uma teia intrincada que ainda é uma das maiores questões a ser consideradas ao se estudar como se forma a personalidade de um indivíduo. No filme A Busca o cineasta estreante Luciano Moura busca justamente estudar um indivíduo marcado pela própria relação estressante com seu pai, relação esta que acabou servindo diretamente para gerar conflitos intensos em seu filho, que está em uma das etapas mais confusas de sua vida, a adolescência, fase de valor quase sem igual na formação da identidade.

  O roteiro de Elena Soarez e do próprio Luciano Moura se centra em Theo (Wagner Moura), que agora enfrenta um divórcio estressante com a mulher que ainda ama, Branca (Mariana Lima). Os conflitos entre o casal devem ser colocados em espera quando Pedro (Brás Antunes) foge de casa, mobilizando o casal e fazendo com que Theo inicie uma caçada alucinada pelo filho.

  Pelo próprio figurino de Theo já podemos enxergá-lo como um sujeito “sem graça”, comum, que parece não ter nada demais para oferecer. Assombrado pela relação que mantinha com seu pai, Theo parece tremer simplesmente ao ouvir o seu nome, vivendo assim amargurado e reprimido por tudo o que deu errado naquele relacionamento e que o transformou num indivíduo quebrado. Pode ser então que esse seja o motivo de se desesperar tanto quando vê sua própria família sendo destruída, talvez porque ele tenha enxergado nela a possibilidade de ter algo que não teve com seu pai. Assim, a pressão sobre Pedro, seu filho, é absurda, só que esse garoto já esta na idade de se questionar e tomar seu próprio rumo. Isso fica bem perceptível no momento em que ele diz que não quer fazer o intercâmbio que seu pai até já pagou para ele (sem nem consultá-lo). Theo fica sem entender, já que queria que seu próprio pai tivesse feito isso por ele e não lhe é compreensível que seu filho não enxergue isso como algo fantástico. A questão não é nem que Pedro não queira fazer intercâmbio: ele simplesmente quer ir contra o pai.

  Mas se Theo então queria dedicar a construir com sua própria família o que não pôde ter na sua juventude, por que então esta família esta despedaçada? O caso é que, em um dos maiores paradoxos da vida, quanto mais fugimos de ser exemplos aversivos para nós mesmos (como o pai de Theo), acabamos sendo mais e mais parecidos com estes (ou tão terríveis quanto), talvez até porque chegamos no extremo oposto, e extremos são sempre muito perigosos. Moura e Soarez parecem compreender bem isso e, transformando A Busca em um filme sobre conflito de gerações, reproduzem no próprio roteiro a complexa teia dessas gerações no rumo que Pedro toma (e se não quiserem saber, embora eu não ache que venha a estragar o filme ou algo assim, continuem a ler no próximo parágrafo) na relação que cria com seu avô (pai de Theo), procurando justamente a relação que formou quem Theo é.

  Mas A Busca aprofunda ainda mais no estudo de Theo ao lhe proporcionar um arco dramático complexo e bem definido que não envolve apenas seu relacionamento com o pai, o filho e a ex-mulher, mas sua própria relação consigo mesmo e sua óbvia repressão. Na caçada por Pedro, Theo vive diferentes experiências que claramente lhe fizeram falta na sua juventude, de uma existência mais rebelde e libertina que aparentemente lhe foi castrada. Assim, a busca por Pedro se transforma na busca por si mesmo, na completude de sua própria existência mal definida e mal aproveitada compensada em momentos de aproveitamento de detalhes nostálgicos que não deveriam surtir tanto efeito em um adulto, mas que balançam bastante um adulto que não viveu sua juventude propriamente. É interessante assim que, a partir de certo momento, Theo abandone seu carro e use uma moto para completar sua jornada, a qual dirige com um sorriso juvenil no rosto enquanto aproveita o vento batendo contra sua face. Ainda, esse aproveitamento (e também estranhamento advindo do desconhecido) fica evidente nas experiências que Theo vive com os adolescentes em um show de rock regado a ácido e muito sexo, além de desligamento da figura parental (“Seu pai sabe que você tá aqui?”, pergunta Theo para uma adolescente nesse ambiente, recebendo como resposta: “Aqui exatamente, espero que não”). E é emocionante quando Theo vê fotos de seu filho naquele ambiente, estabelecendo uma ligação imediata: é como se os dois estivessem vivendo uma amadurecimento emocional, uma quebra da repressão em que viviam, sendo que um é a causa do outro estar fazendo isso. Ainda é muito inteligente da parte de Luciano Moura ter adotado uma estrutura de road movie, já que, se esse tipo de filme geralmente mostra personagens que, justamente por se jogarem na estrada e se distanciarem de onde vieram, vão conhecendo mais quem são. E aqui é ainda mais interessante porque Theo, ao mesmo tempo que se afasta, se aproxima de seu ponto de origem.

  Mas grande parte da força de A Busca vem de Wagner Moura, um dos atores mais competentes do Brasil e do mundo inteiro atualmente. Com uma expressão constantemente fatigada e a coluna inclinada, Moura já confere fragilidade emocional ao personagem, que busca ressaltar ainda mais através das piscadas constantes e da voz engasgada, que ganha um contorno extremamente doloroso numa conversa particular com Branca, no seu consultório, ou quando comenta o crescimento do filho com um cara que acabou de conhecer. Moura ainda demonstra conhecimento profundo de Theo e do seu arco dramático ao evidenciar como o personagem vai ficando mais “leve” como o passar das experiências que vive (observem o sorriso que tem quando pilota a moto ou quando dá carona para um grupo de adolescentes) ao mesmo tempo em que deixa evidente a estranheza daquelas situações para ele, num misto de alegria e medo que fica bem claro na cena em que ajuda uma adolescente a dar a luz. É como se o personagem estivesse se libertando de uma prisão em que vivia e só agora pudesse pôr as coisas em perspectiva e olhar para frente.

  Mariana Lima (que já tinha demonstrado talento no seriado Sessão de Terapia) consegue construir uma Branca complexa e multifacetada, que também passa por um arco dramático bem definido, e Lima Duarte não tem seu talento desperdiçado como no recente Colegas e aqui, mesmo em uma participação minúscula, consegue criar um personagem trágico que parece carregar o peso de toda uma vida cheia de tragédias e decepções (algo que fica evidente pelo simples olhar marejado e cansado de Duarte), e que fica ainda mais fascinante pela similaridade de seu figurino com o de Theo (que cria ainda mais correlação com o que eu comentei sobre sempre nos parecermos com quem mais fugimos de parecer). O resto do elenco está homogeneamente competente, com cada ator sendo capaz de conferir, em suas pequenas participações no percurso de Theo, o necessário a cada personagem e o que os torna interessantes.

  Sensível em cada aspecto da direção, Luciano Moura emprega um ar de melancolia e suspensão que percorrem todo o seu filme, por mais que, quanto mais chegamos no final, esse ganhe contornos diferentes do que víamos no início. Prestando mais atenção na construção de suas cenas do que muito diretor mais experiente por aí, Moura compõe momentos que surgem poéticos e repletos de significados, como ao posicionar Theo e Branca na contra luz, fazendo com que seu corpos pareçam sombras, como as sombras das pessoas que já foram e não são mais, ou ainda quando posiciona Branca e Pedro atrás de vidraças enquanto Theo fica no meio, na parte aberta entre as portas de vidro, como que representando como o contato com a mulher e o filho está impossibilitado para ele. Ainda o diretor consegue criar simbolismos belíssimos que se tornam mais complexos com o decorrer da trama, como a reforma de uma piscina que se torna uma metáfora para a reconstrução familiar, e que permite o belo plano final, que completa o arco dramático de Branca de forma eficiente, bonita e econômica.

  Uma coisa que, durante a projeção, tinha me incomodado, era que os roteiristas quase nunca davam mais informações sobre os conflitos do passado que ajudaram a formar os personagens, deixando que os conflitos entre Theo e seu pai e Theo e a esposa fossem completos mistérios para o espectador. Mas depois que acabou o filme e refleti mais, percebi que pode ter sido uma jogada de propósito de Moura e Soarez, como que para ressaltar que o que cabe àqueles personagens é olhar para frente, sem se focar no que foi mas no que ainda virá, por mais que o passado continue nos caçando e assombrando.

  Com uma trilha sonora que dá ainda mais ao filme o tom de suspensão, A Busca é uma obra sobre relacionamentos com os outros e consigo mesmo, sobre coisas que não foram vividas e por isso mesmo nos machucam como o diabo, porque o que não é vivido muitas vezes é mais real, presente e pertubador do que toda uma vida. Seus personagens foram movidos à uma mudança por um evento altamente estressante, mas não é mesmo o estresse, os problemas, que nos fazem mover, sair do lugar e fazer algo por nós mesmos?

Nota: 10,0 / 10,0

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