Crítica filme “A Busca” (A Busca / 2013 / Brasil) dir. Luciano Moura
por
Lucas Wagner
As relações entre pais e filhos representam
uma das coisas mais fascinantes e mais complexas que se pode imaginar, porque,
muitas vezes, os filhos, logo quando chegam ao mundo, recebem o peso da
expectativa dos pais, dos seus sonhos, projetos e tudo o que quiseram em suas próprias
vidas jovens mas que, por diferentes motivos, não puderam ter. Mas os filhos
são pessoas por si mesmos que, com o passar dos anos e com o amadurecimento,
vão reconhecendo isso e, talvez justamente para ir contra os pais, escolhem uma
vida que é diametralmente oposta, como que para afirmar sua individualidade. Assim,
os dramas/conflitos entre as gerações são profundamente complexos e sensíveis,
formando uma teia intrincada que ainda é uma das maiores questões a ser
consideradas ao se estudar como se forma a personalidade de um indivíduo. No
filme A Busca o cineasta estreante
Luciano Moura busca justamente estudar um indivíduo marcado pela própria
relação estressante com seu pai, relação esta que acabou servindo diretamente
para gerar conflitos intensos em seu filho, que está em uma das etapas mais
confusas de sua vida, a adolescência, fase de valor quase sem igual na formação
da identidade.
O roteiro de Elena Soarez e do próprio
Luciano Moura se centra em Theo (Wagner Moura), que agora enfrenta um divórcio
estressante com a mulher que ainda ama, Branca (Mariana Lima). Os conflitos
entre o casal devem ser colocados em espera quando Pedro (Brás Antunes) foge de
casa, mobilizando o casal e fazendo com que Theo inicie uma caçada alucinada
pelo filho.
Pelo próprio figurino de Theo já podemos
enxergá-lo como um sujeito “sem graça”, comum, que parece não ter nada demais
para oferecer. Assombrado pela relação que mantinha com seu pai, Theo parece
tremer simplesmente ao ouvir o seu nome, vivendo assim amargurado e reprimido
por tudo o que deu errado naquele relacionamento e que o transformou num
indivíduo quebrado. Pode ser então que esse seja o motivo de se desesperar
tanto quando vê sua própria família sendo destruída, talvez porque ele tenha
enxergado nela a possibilidade de ter algo que não teve com seu pai. Assim, a
pressão sobre Pedro, seu filho, é absurda, só que esse garoto já esta na idade
de se questionar e tomar seu próprio rumo. Isso fica bem perceptível no momento
em que ele diz que não quer fazer o intercâmbio que seu pai até já pagou para ele (sem nem
consultá-lo). Theo fica sem entender, já que queria que seu próprio pai tivesse
feito isso por ele e não lhe é compreensível que seu filho não enxergue isso
como algo fantástico. A questão não é nem que Pedro não queira fazer
intercâmbio: ele simplesmente quer ir contra o pai.
Mas se Theo então queria dedicar a construir
com sua própria família o que não pôde ter na sua juventude, por que então esta
família esta despedaçada? O caso é que, em um dos maiores paradoxos da vida,
quanto mais fugimos de ser exemplos aversivos para nós mesmos (como o pai de
Theo), acabamos sendo mais e mais parecidos com estes (ou tão terríveis quanto),
talvez até porque chegamos no extremo oposto, e extremos são sempre muito perigosos.
Moura e Soarez parecem compreender bem isso e, transformando A Busca em um filme sobre conflito de
gerações, reproduzem no próprio roteiro a complexa teia dessas gerações no rumo
que Pedro toma (e se não quiserem saber, embora eu não ache que venha a
estragar o filme ou algo assim, continuem a ler no próximo parágrafo) na
relação que cria com seu avô (pai de Theo), procurando justamente a relação que
formou quem Theo é.
Mas A
Busca aprofunda ainda mais no estudo de Theo ao lhe proporcionar um arco
dramático complexo e bem definido que não envolve apenas seu relacionamento com
o pai, o filho e a ex-mulher, mas sua própria relação consigo mesmo e sua óbvia
repressão. Na caçada por Pedro, Theo vive diferentes experiências que claramente
lhe fizeram falta na sua juventude, de uma existência mais rebelde e libertina
que aparentemente lhe foi castrada. Assim, a busca por Pedro se transforma na
busca por si mesmo, na completude de sua própria existência mal definida e mal
aproveitada compensada em momentos de aproveitamento de detalhes nostálgicos
que não deveriam surtir tanto efeito em um adulto, mas que balançam bastante um
adulto que não viveu sua juventude propriamente. É interessante assim que, a
partir de certo momento, Theo abandone seu carro e use uma moto para completar
sua jornada, a qual dirige com um sorriso juvenil no rosto enquanto aproveita o
vento batendo contra sua face. Ainda, esse aproveitamento (e também
estranhamento advindo do desconhecido) fica evidente nas experiências que Theo
vive com os adolescentes em um show de rock regado a ácido e muito sexo, além
de desligamento da figura parental (“Seu pai sabe que você tá aqui?”, pergunta
Theo para uma adolescente nesse ambiente, recebendo como resposta: “Aqui
exatamente, espero que não”). E é emocionante quando Theo vê fotos de seu filho
naquele ambiente, estabelecendo uma ligação imediata: é como se os dois
estivessem vivendo uma amadurecimento emocional, uma quebra da repressão em que
viviam, sendo que um é a causa do outro estar fazendo isso. Ainda é muito
inteligente da parte de Luciano Moura ter adotado uma estrutura de road movie, já que, se esse tipo de filme
geralmente mostra personagens que, justamente por se jogarem na estrada e se
distanciarem de onde vieram, vão conhecendo mais quem são. E aqui é ainda mais
interessante porque Theo, ao mesmo tempo que se afasta, se aproxima de seu
ponto de origem.
Mas grande parte da força de A Busca vem de Wagner Moura, um dos
atores mais competentes do Brasil e do mundo inteiro atualmente. Com uma
expressão constantemente fatigada e a coluna inclinada, Moura já confere
fragilidade emocional ao personagem, que busca ressaltar ainda mais através das
piscadas constantes e da voz engasgada, que ganha um contorno extremamente
doloroso numa conversa particular com Branca, no seu consultório, ou quando
comenta o crescimento do filho com um cara que acabou de conhecer. Moura ainda
demonstra conhecimento profundo de Theo e do seu arco dramático ao evidenciar
como o personagem vai ficando mais “leve” como o passar das experiências que
vive (observem o sorriso que tem quando pilota a moto ou quando dá carona para
um grupo de adolescentes) ao mesmo tempo em que deixa evidente a estranheza
daquelas situações para ele, num misto de alegria e medo que fica bem claro na
cena em que ajuda uma adolescente a dar a luz. É como se o personagem estivesse
se libertando de uma prisão em que vivia e só agora pudesse pôr as coisas em
perspectiva e olhar para frente.
Mariana Lima (que já tinha demonstrado
talento no seriado Sessão de Terapia)
consegue construir uma Branca complexa e multifacetada, que também passa por um
arco dramático bem definido, e Lima Duarte não tem seu talento desperdiçado
como no recente Colegas e aqui, mesmo
em uma participação minúscula, consegue criar um personagem trágico que parece
carregar o peso de toda uma vida cheia de tragédias e decepções (algo que fica
evidente pelo simples olhar marejado e cansado de Duarte), e que fica ainda
mais fascinante pela similaridade de seu figurino com o de Theo (que cria ainda
mais correlação com o que eu comentei sobre sempre nos parecermos com quem mais
fugimos de parecer). O resto do elenco está homogeneamente competente, com cada
ator sendo capaz de conferir, em suas pequenas participações no percurso de
Theo, o necessário a cada personagem e o que os torna interessantes.
Sensível em cada aspecto da direção, Luciano
Moura emprega um ar de melancolia e suspensão que percorrem todo o seu filme, por
mais que, quanto mais chegamos no final, esse ganhe contornos diferentes do que
víamos no início. Prestando mais atenção na construção de suas cenas do que
muito diretor mais experiente por aí, Moura compõe momentos que surgem poéticos
e repletos de significados, como ao posicionar Theo e Branca na contra luz,
fazendo com que seu corpos pareçam sombras, como as sombras das pessoas que já
foram e não são mais, ou ainda quando posiciona Branca e Pedro atrás de vidraças
enquanto Theo fica no meio, na parte aberta entre as portas de vidro, como que
representando como o contato com a mulher e o filho está impossibilitado para
ele. Ainda o diretor consegue criar simbolismos belíssimos que se tornam mais
complexos com o decorrer da trama, como a reforma de uma piscina que se torna
uma metáfora para a reconstrução familiar, e que permite o belo plano final,
que completa o arco dramático de Branca de forma eficiente, bonita e econômica.
Uma coisa que, durante a projeção, tinha me
incomodado, era que os roteiristas quase nunca davam mais informações sobre os
conflitos do passado que ajudaram a formar os personagens, deixando que os
conflitos entre Theo e seu pai e Theo e a esposa fossem completos mistérios
para o espectador. Mas depois que acabou o filme e refleti mais, percebi que
pode ter sido uma jogada de propósito de Moura e Soarez, como que para
ressaltar que o que cabe àqueles personagens é olhar para frente, sem se focar
no que foi mas no que ainda virá, por mais que o passado continue nos caçando e
assombrando.
Com uma trilha sonora que dá ainda mais ao
filme o tom de suspensão, A Busca é
uma obra sobre relacionamentos com os outros e consigo mesmo, sobre coisas que
não foram vividas e por isso mesmo nos machucam como o diabo, porque
o que não é vivido muitas vezes é mais real, presente e pertubador do que toda uma vida. Seus personagens foram movidos à uma mudança por um evento altamente
estressante, mas não é mesmo o estresse, os problemas, que nos fazem mover,
sair do lugar e fazer algo por nós mesmos?
Nota:
10,0 / 10,0
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