Crítica filme “A Hora Mais Escura” (Zero Dark Thirty / 2012 / EUA) dir. Kathryn Bigelow
por
Lucas Wagner
Um dos episódios da decepcionante primeira
temporada do seriado The Newsroom trata
do momento em que vários jornalistas recebem a notícia de que Osama Bin Laden
foi morto, assim ficando responsáveis pela “honrosa” tarefa de transmitir para
a população norte-americana esse fato tão “maravilhoso”. Esse episódio me
causou o mais profundo nojo, já que os realizadores deram um tom extremamente
ufanista, de profunda alegria e emoção diante da morte do líder da Al Quaeda.
Não estou dizendo que Bin Laden fosse um bom homem, mas sim que essa
comemoração (acompanhada de uma trilha melosa) transmitia toda a indecência
daqueles personagens e dos norte-americanos que estavam comemorando a morte de
um ser humano. Todos felizes e se abraçando, com lágrimas nos olhos, abrindo
champagne e comemorando esse “grande feito” do governo, se sentindo como
irmãos, membros todos de uma grande nação. Pois eu digo que não há nada de
bonito nisso, e muito menos de patriótico. O meu medo acerca desse A Hora Mais Escura, que narra a caça ao
terrorista, era de que também tendesse a ser uma grande masturbação
norte-americana, tratando esse evento como algo patriótico. Felizmente, a ótima
cineasta Kathryn Bigelow consegue tratar o tema com frieza e objetividade,
criando ainda um eco temático com seu trabalho anterior, o inesquecível Guerra ao Terror, que tratava da guerra
nos campos de batalha, enquanto aqui ela trata da mesma guerra no plano da
espionagem e da inteligência longe da batalha real.
Assim como no excelente Argo, a maior virtude de A
Hora Mais Escura é de nunca evitar retratar ações repugnantes realizadas
pelos norte-americanos nos eventos narrados. Dessa forma, Bigelow mostra cenas
de tortura pesadas e impiedosas, nas quais fica impossível que evitemos olhar
com desgosto para os agentes norte-americanos responsáveis pelo ato. E a visão
crítica da diretora e do roteirista Mark Boal (também responsável pelo belo
roteiro de Guerra ao Terror) chega ao
ápice quando mostram o presidente Barack Obama negando a tortura que já vimos acontecer, o que é irônico e
corajoso por parte dos realizadores. Ainda, é interessante que diretora e
roteirista retratem diversos empecilhos de comunicação que, muitas vezes,
acabam mandando os personagens para caminhos errados, evidenciando ainda mais a
complexidade da caça.
Bigelow demonstra mais uma vez seu valor como
cineasta ao investir num ritmo sempre frenético e tenso, junto com a montagem
enérgica (que, no entanto, nunca deixa o longa confuso) e a câmera sempre na
mão, transmitindo instabilidade. Assim, a cineasta nunca deixa que o longa se
torne enfadonho, mesmo com quase três horas de duração. Bigelow consegue criar
um ritmo crescente de tensão, ainda sempre deixando o espectador inseguro
quanto ao que pode acontecer com os personagens, já que esses parecem sempre
muito expostos a perigos; ainda, a diretora consegue fazer com que o próprio
espectador compartilhe da exaustão dos personagens nessa caçada. O único
problema que acaba por diminuir um pouco a qualidade do filme é a sua própria
estrutura que, visando explorar os longos anos em que a caçada aconteceu, acaba
por ter que apressar o tempo que dedica a alguns desses anos; assim, somos
surpreendidos sempre por estarmos acompanhando o que aconteceu, por exemplo, em
2004 e, pouquíssimo tempo depois pularmos para 2005. É claro que seria
impossível trabalhar, em um mesmo filme, por mais longo que seja, a caçada nos
mínimos detalhes, mas essa estrutura, junto com a quantidade de informações que
já temos que acompanhar, acaba prejudicando o desenvolvimento dos personagens.
Aliás, se A
Hora Mais Escura possui ainda alguns personagens tridimensionais, isso se
dá não tanto pelo roteiro ou pela direção, mas sim pelos atores. E para isso o
grande destaque fica por conta da linda Jessica Chastain, na primeira atuação
de sua carreira em que pode realmente mostrar todo seu talento (nem na
obra-prima A Árvore da Vida ela teve
muita chance). Interpretando um arco dramático tipo Ellen Ripley (a
protagonista dos quatro Alien), de
mulher frágil que vai se tornando mais forte e imponente, Chastain dá enorme
intensidade à Maya, intensidade que vai crescendo com o decorrer dos anos e a
exaustão da caçada, que vai a isolando de outras pessoas, já que deve dedicar
cada vez mais ao seu trabalho. Observem a competência da atriz quando perguntam
para ela se ela não tem amigos. Ainda, Chastain demonstra ainda mais talento ao
conferir a Maya pequenos sinais de maior jovialidade, como nas risadinhas
infantis que dá ao receber uma notícia que tava torcendo por receber. Mas o
mais importante mesmo é que a atriz vai deixando que o espectador compartilhe
todo o seu desgaste ao longo dos anos, tornando-a uma protagonista fascinante,
contornando alguns dos tropeços desesperados de Boal para tentar desenvolvê-la,
como quando recorre a diálogos expositivos e artificiais.
No elenco, Jason Clarke também surpreende
como Dan, conseguindo criar um personagem extremamente complexo e ambíguo, que não
aprecia exatamente o que deve fazer, mas também não hesita em fazer o que é
preciso. Todos os outros personagens, mesmo com o elenco coeso, não possuem muitos
sinais de tridimensionalidade, algo que, de fato, é difícil em um projeto
complexo como esse, mas não é impossível (vide A Rede Social, O Informante,
Zodíaco, Munique, etc). E isso é realmente uma pena, já que o que justamente
fazia de Guerra ao Terror uma
obra-prima tão admirável era o mergulho absoluto proporcionado por Bigelow e
Boal na psique de seus personagens, nos fazendo mais próximos à eles, enquanto
compartilhávamos de suas dores e angústias, que pareciam nunca ter um fim.
Dessa forma, a ligação emocional que tínhamos com aquele filme era muito maior
do que a que temos com esse.
Ainda assim, A Hora Mais Escura merece aplausos sinceros pela sua cena final,
que confere ao longa uma complexidade ainda maior, além de criar uma ligação
fascinante com Guerra ao Terror. O fato
é que, assim como o sargento William James (Jeremy Renner) se afogava na
guerra, a ponto de sua vida se definir tanto por isso e ele passar a necessitar
da guerra como quem necessita de uma droga, Maya deixou qualquer sombra de uma
vida pessoal para se dedicar à exaustiva caçada à Bin Laden, e quando essa
finalmente acaba, ela não consegue evitar se sentir desamparada e sozinha num
mundo que ela não tem mais contato: o mundo dos relacionamentos humanos. Assim,
é impossível não apreciar a inteligência de Bigelow ao terminar seu filme
mostrando a protagonista sozinha em um avião, sem um destino certo, e filmá-la
em primeiro plano, quando essa não consegue evitar que lágrimas lhe escorram
pelo rosto, numa mistura de alívio e desespero. E mais uma vez Chastain
demonstra quão boa atriz é.
Enfim, A
Hora Mais Escura é um ótimo filme, que pode não chegar aos pés de Guerra ao Terror, mas nem por isso deixa
de ser mais um acerto dessa parceria entre diretora e roteirista. E só o fato
de possuir uma protagonista tão fascinante já é o suficiente para que eu queira
revisitar esse projeto ainda várias vezes.
Nota: 8,8 / 10.0
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