Crítica filme "Colegas" (Colegas / 2013 / Brasil) dir. Marcelo Galvão
por Lucas Wagner
“O filme não é sobre síndrome de Down. É uma
história divertida que, por acaso, tem três jovens com síndrome de Down como
protagonistas” disse o diretor Marcelo Galvão. E ele acerta ao escolher uma
abordagem assim para seu filme Colegas,
já que desse modo evita martelar lições de moral batidas como que devemos
sempre respeitar os deficientes mentais, e tratá-los como seres humanos como
todos. Desse modo, ao evitar enfocar suas debilidades, ele respeita muito mais
seus próprios protagonistas, e cria uma narrativa doce e engraçada que, sem
propósitos maiores do que simplesmente divertir, acaba se saindo bem.
O filme conta a história de três amigos com
síndrome de Down que vivem numa casa de apoio, trabalhando como organizadores
da videoteca. Com esse trabalho, eles acabam se tornando cinéfilos, e um dia
decidem seguir as dicas de um de seus filmes favoritos, Thelma & Louise de Ridley Scott, e fogem da casa, decididos a
empreender em uma viagem com o objetivo de realizar o sonho específico de cada
um dos três.
Marcelo Galvão despeja aqui diversas
referências e homenagens a diversos filmes que, obviamente, é fã. Assim, os
personagens dizem frases famosas do Cinema a torto e a direito, como “Say hello
to my little friend” (Scarface) ou “Comi
o fígado dele com favas e um bom vinho” (O
Silêncio dos Inocentes), etc, com o diretor se aproveitando do fato de deficiência
dos protagonistas para permitir que eles digam esse tipo de coisa quando nem
mesmo faz sentido no contexto da cena. Porém, como muitos que leem minhas
críticas sabem, sou muito mais fã da sutileza, e assim as homenagens que mais
apreciei foram aquelas feitas de modo quase subliminar, como a de Psicose (o obviamente psicopata que é
atendente em um hotel, e que aparenta ter “problemas maternos”) ou quando
podemos observar que o cabelo e a pistola de um dos policiais que caçam os três
protagonistas remete diretamente ao Dirty
Harry.
Empregando um tom leve na narrativa, Galvão
busca transformar Colegas quase como
que num conto de fadas, com seus personagens para lá de inocentes, as situações
fantasiosas e as cores sempre fortes e variadas (o campo de girassóis é
particularmente bacana). E essa lógica se apresenta até mesmo em momentos de
olhar mais “artístico” do diretor (como ao filmar os momentos em que os três
protagonistas estão na casa de apoio, no inicio do filme, com quadros
centralizados e câmera estabilizada, para demonstrar maior mecanicismo naquela
rotina) ou em momentos que são até mesmo críticos (como quando vemos uma repórter
mudar bruscamente de assunto durante um jornal, falando, com um sorriso no
rosto, sobre um acidente que matou várias pessoas). E esse tom leve coaduna
perfeitamente com o humor juvenil do longa, capaz de agradar todo tipo de
gente, e que de vez em quando arrisca algo mais pesado.
No entanto, Galvão não consegue ser tão feliz
quanto aos seus protagonistas. Galvão de fato, é inteligente para retratá-los
com extrema doçura que, automaticamente, já nos aproxima deles; além disso, o
diretor ainda acerta ao enfocar a inocência deles (o que já os perdoa dos atos
que cometem durante o filme) e a infantilidade, algo que se reflete na própria natureza
dos sonhos deles, tão bem representadas no primeiro ato. Porém, eles não são
figuras tão marcantes, e nem são tão bons protagonistas assim. O romance entre
Stalone (Ariel Goldenberg) e Aninha (Rita Pokk), por exemplo, é extremamente
artificial e mal desenvolvido, com o diretor apostando que o adoraremos
simplesmente porque o casal tem síndrome de Down. Eles são muito sem
personalidade, algo que apenas Breno Viola como Márcio consegue pontualmente
melhorar, em cenas mais engraçadas e surpreendentes, como aquela em que
consegue transar com uma desconhecida.
Se Goldenberg e Pokk não podem fazer muito
com Stalone e Aninha, e Viola pode fazer algo mais pelo seu Márcio, quem
realmente fica com personagens interessantes são os policiais, que protagonizam
as cenas mais engraçadas do filme. Mas o resto do elenco é mais desperdiçado,
conseguindo impedir até mesmo que um ator como Lima Duarte consiga criar um
personagem mais complexo.
Divertido e descomprometido, Colegas é um filme bacana que cumpre
quase que perfeitamente seus objetivos, e por isso mesmo merece ser assistido.
Melhor assistir uma comédia como essa, realmente valorizando o Cinema
brasileiro, do que fingir que o valoriza assistindo porcarias como De Pernas Pro Ar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário