quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013


Crítica filme "Colegas" (Colegas / 2013 / Brasil) dir. Marcelo Galvão

por Lucas Wagner


  “O filme não é sobre síndrome de Down. É uma história divertida que, por acaso, tem três jovens com síndrome de Down como protagonistas” disse o diretor Marcelo Galvão. E ele acerta ao escolher uma abordagem assim para seu filme Colegas, já que desse modo evita martelar lições de moral batidas como que devemos sempre respeitar os deficientes mentais, e tratá-los como seres humanos como todos. Desse modo, ao evitar enfocar suas debilidades, ele respeita muito mais seus próprios protagonistas, e cria uma narrativa doce e engraçada que, sem propósitos maiores do que simplesmente divertir, acaba se saindo bem.

  O filme conta a história de três amigos com síndrome de Down que vivem numa casa de apoio, trabalhando como organizadores da videoteca. Com esse trabalho, eles acabam se tornando cinéfilos, e um dia decidem seguir as dicas de um de seus filmes favoritos, Thelma & Louise de Ridley Scott, e fogem da casa, decididos a empreender em uma viagem com o objetivo de realizar o sonho específico de cada um dos três.

  Marcelo Galvão despeja aqui diversas referências e homenagens a diversos filmes que, obviamente, é fã. Assim, os personagens dizem frases famosas do Cinema a torto e a direito, como “Say hello to my little friend” (Scarface) ou “Comi o fígado dele com favas e um bom vinho” (O Silêncio dos Inocentes), etc, com o diretor se aproveitando do fato de deficiência dos protagonistas para permitir que eles digam esse tipo de coisa quando nem mesmo faz sentido no contexto da cena. Porém, como muitos que leem minhas críticas sabem, sou muito mais fã da sutileza, e assim as homenagens que mais apreciei foram aquelas feitas de modo quase subliminar, como a de Psicose (o obviamente psicopata que é atendente em um hotel, e que aparenta ter “problemas maternos”) ou quando podemos observar que o cabelo e a pistola de um dos policiais que caçam os três protagonistas remete diretamente ao Dirty Harry.

  Empregando um tom leve na narrativa, Galvão busca transformar Colegas quase como que num conto de fadas, com seus personagens para lá de inocentes, as situações fantasiosas e as cores sempre fortes e variadas (o campo de girassóis é particularmente bacana). E essa lógica se apresenta até mesmo em momentos de olhar mais “artístico” do diretor (como ao filmar os momentos em que os três protagonistas estão na casa de apoio, no inicio do filme, com quadros centralizados e câmera estabilizada, para demonstrar maior mecanicismo naquela rotina) ou em momentos que são até mesmo críticos (como quando vemos uma repórter mudar bruscamente de assunto durante um jornal, falando, com um sorriso no rosto, sobre um acidente que matou várias pessoas). E esse tom leve coaduna perfeitamente com o humor juvenil do longa, capaz de agradar todo tipo de gente, e que de vez em quando arrisca algo mais pesado.

  No entanto, Galvão não consegue ser tão feliz quanto aos seus protagonistas. Galvão de fato, é inteligente para retratá-los com extrema doçura que, automaticamente, já nos aproxima deles; além disso, o diretor ainda acerta ao enfocar a inocência deles (o que já os perdoa dos atos que cometem durante o filme) e a infantilidade, algo que se reflete na própria natureza dos sonhos deles, tão bem representadas no primeiro ato. Porém, eles não são figuras tão marcantes, e nem são tão bons protagonistas assim. O romance entre Stalone (Ariel Goldenberg) e Aninha (Rita Pokk), por exemplo, é extremamente artificial e mal desenvolvido, com o diretor apostando que o adoraremos simplesmente porque o casal tem síndrome de Down. Eles são muito sem personalidade, algo que apenas Breno Viola como Márcio consegue pontualmente melhorar, em cenas mais engraçadas e surpreendentes, como aquela em que consegue transar com uma desconhecida.

  Se Goldenberg e Pokk não podem fazer muito com Stalone e Aninha, e Viola pode fazer algo mais pelo seu Márcio, quem realmente fica com personagens interessantes são os policiais, que protagonizam as cenas mais engraçadas do filme. Mas o resto do elenco é mais desperdiçado, conseguindo impedir até mesmo que um ator como Lima Duarte consiga criar um personagem mais complexo.

  Divertido e descomprometido, Colegas é um filme bacana que cumpre quase que perfeitamente seus objetivos, e por isso mesmo merece ser assistido. Melhor assistir uma comédia como essa, realmente valorizando o Cinema brasileiro, do que fingir que o valoriza assistindo porcarias como De Pernas Pro Ar. 

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