quarta-feira, 23 de janeiro de 2013


Crítica filme "O Último Desafio" (The Last Stand / 2013 / EUA, Coréia do Sul) dir. Kim Jee-Woon

por Lucas Wagner


  Kim Jee-Woon é um cineasta que eu aprecio cada vez mais. De seus dez filmes (sem contar esse O Último Desafio), assisti três: Medo, Eu Vi o Diabo e O Bom, O Mau, O Bizarro, e os três me encantaram na diferença de abordagem adotada pelo diretor. Em Medo, Jee-Woon cria um terror psicológico mais focado em explorar o psicológico de sua protagonista e causar autêntico medo do que em simplesmente assustar, e com isso construiu uma narrativa extremamente complexa e simbólica. Em Eu Vi o Diabo, o cineasta construiu um longa de ação/suspense sufocantemente intenso e empolgante, com um plano final que confere toda uma complexidade maior ao seu trabalho. Já em O Bom, O Mau, O Bizarro vemos um western cômico delicioso que consegue ser uma perfeita mistura de Sergio Leone e Indiana Jones. Assim, quando vi que ele estrearia seu primeiro filme fora da Coréia do Sul em um projeto com Arnold Schwarzenegger, no melhor estilo que esse protagonizou nos anos 80/90, não podia ficar mais empolgado. Uma mistura assim me anima. E, felizmente, o projeto correspondeu às minhas expectativas, e tem o de melhor que se poderia esperar de um filme como esse.

  A trama pouca importância tem, sendo bobinha como em grande parte dos filmes como esse. Aqui somos introduzidos na vida da pacata cidadezinha de Sommerton, quase na fronteira entre os EUA e o México. Lá, o xerife é Ray Owens (Schwarzenegger), que quer apenas trabalhar tranquilamente e curtir a vida calma. Ao mesmo tempo, o criminoso Gabriel Cortez (Eduardo Noriega) foge da prisão e tem todo o FBI em seu encalço; em seu caminho vai passar por Sommerton, o que proporcionará um encontro com o veterano xerife.

  A direção de Kim Jee-Woon está excepcional, e o cineasta consegue um ritmo praticamente impecável no seu trabalho, divertindo e nos deixando sempre esperando pelo que vai acontecer em seguida. E isso se dá, principalmente, pelo belíssimo trabalho de preparação que o diretor alcança nos dois primeiros atos. Analisemos, por exemplo, o modo como ele apresenta o vilão: agentes do FBI firmemente armados ficam na frente de um elevador, de onde sai outros muitos agentes, liderados pelo chefão John Bannister (Forest Whitaker). Recebemos um resumo do quão Gabriel Cortez é perigoso e, logo em seguida, atrás de outros tantos agente, o vilão sai do elevador, algemado e com a cabeça abaixada. Quando o vemos mais de perto ainda só vemos suas costas, e dentro do caminhão que o transportará, seus cabelos cobrem sua face enquanto esta permanece escura e sombria. Quando não enxergamos o rosto, se instala em nós um sentimento de aflição, de perigo, de que devemos tomar cuidado (vide a inesquecível apresentação do vilão interpretado por Henry Fonda em Era Uma Vez no Oeste, de Sergio Leone). Assim, além de racionalmente sabermos do quão Cortez é perigoso, Jee-Woon nos aflige emocionalmente. Isso ainda cresce pela fuga do vilão, pela sua inteligência psicopata e sua aparente inconsequência, dotada de uma confiança afiada em si mesmo que nos deixa ainda mais tensos; sem contar que o ótimo Eduardo Noriega (do excelente Preso na Escuridão, de Alejandro Amenábar) é bem sucedido ao conferir grande intensidade ao personagem, principalmente no momento em que conta uma atitude particularmente dolorosa que teve que tomar no seu passado (ainda assim não consigo parar de imaginar o que Benício Del Toro seria capaz de fazer se interpretasse Cortez).

  Bom, temos um vilão perigoso e todo o FBI atrás do cara, que consegue despistar todo mundo, sempre com uma carta na manga. Mas em Sommerton as coisas são bem mais calmas, com muitos personagens reclamando justamente do tédio da vida no lugar. Porém, algo estranho está acontecendo lá, mas ainda muito pequeno e insignificante. Enxergamos aqueles indivíduos como que bem frágeis, embora claro que a figura de Schwarzenegger nos lembra constantemente de que de frágeis eles nada tem. Mas, ainda assim, somos levados a nos identificar com aquele povo sem armamento, vulnerável, que pode enfrentar uma tempestade com a qual não tem como lidar. Jee-Woon é extremamente eficiente ao aumentar o clima de tensão constantemente através dos diferentes modos como filma a parte de Cortez e o FBI, e como filma a parte de Sommerton. Jee-Woon utiliza diversos (e velozes) travellings, planos mais curtos e cortes mais rápidos, além de diversos planos inclinados (sugerindo desestabilidade) para criar a tensão necessária com o pessoal do FBI e a fuga de carro do Cortez, ao mesmo tempo em que, quando estamos em Sommerton, os planos são mais longos, os cortes são menos frequentes, os enquadramentos mais centralizados, desacelerando a narrativa para sugerir mais calma naquele local do que no outro que acompanhamos. Assim, Jee-Woon vai aumentando a tensão gradativamente, ao acelerar o ritmo da parte de Sommerton quanto mais se aproxima o encontro de Cortez com o xerife e seus delegados. O diretor chega até a errar um pouco ao adiar demais esse encontro, o que faz com que Jee-Woon seja obrigado a desenvolver um pouco menos o aguardado embate, que, embora muito bacana, acaba com uma sensação de anticlímax, que o diretor tenta demais impedir, mas não consegue por completo (mais comentários sobre isso daqui a pouco). Mas essa calma construção do cineasta é o que mais enriquece O Último Desafio e o torna ainda mais divertido.

  Jee-Woon ainda acerta em outros âmbitos da direção, como no modo como filma a conversa dos personagens de Peter Stormare e Harry Dean Stanton, em que inverte e cria relações de poder através de elegantes enquadramentos em plongê (câmera filmando de cima para baixo, sugerindo submissão, pequenez) e contra-plongê (câmera de baixo para cima, sugerindo poder, força), além de planos mais fechados e mais abertos, tudo seguindo uma estratégia sensacional de um belo trabalho de decompagem do roteiro pelo diretor. Ainda, é bacana que Jee-Woon demonstre maior humanidade em certos momentos do longa, mas em menor medida do que seus outros trabalhos, ainda que em maior medida se comparado a outros filmes no estilo desse. Dessa forma, quando um personagem específico morre em Sommerton, o diretor cria um momento tocante e triste, que se torna ainda mais eficiente se observarmos que Jee-Woon insistiu em deixar esse personagem sempre menor, mais frágil, o que contribui para a nossa identificação com ele (a cena em que é apresentado é muito eficiente nesse sentido, além de divertida*) e intensifica o impacto de sua morte. Assim também é bacana que Jee-Woon busque humanizar o personagem de Schwarzenegger, mesmo de uma forma meio clichê, mas eficiente ao deixar o personagem mais vivido, envelhecido e cansado, e tudo isso principalmente por uma fala em específico, que é muito bonita frente ao que descobrimos sobre ele (“É possível que eu esteja com mais medo do que você”). Jee-Woon também não faz feio nas cenas de ação, que surgem sempre tensas e bem montadas, mesmo que se o cineasta acelerasse um pouquinho mais os cortes, pecaria pelo excesso. E, por mais legais que sejam essas cenas de ação (as perseguições de carro em especial), elas não conseguem alcançar nem a intensidade das do seu Eu Vi o Diabo, e nem a energia e inventividade do seu O Bom, O Mau, O Bizarro. Para completar, o cineasta é feliz ao, assim como no último filme dele que citei, inserir uma boa dose de bom humor, que torna tudo muito mais divertido e leve.

  Apesar de no geral estar excelente, a direção de Jee-Woon peca por aquela questão que comentei no quarto parágrafo: da rapidez do conflito que tanto esperávamos. Apesar de divertido e empolgante, além de muito enérgico, o conflito do final, em Sommerton, aparenta uma pressa maior do cineasta, já que ele dedicou tanto tempo na construção da preparação do conflito, e provavelmente o estúdio tinha imposto um limite de duração para o filme. Assim, Jee-Woon é obrigado a dedicar maior parte do tempo só a Schwarzenegger, enquanto os personagens de Gúzman, Rodrigo Santoro, Johnny Knoxville e Jaimie Alexander, interessantes durante todo o filme, saem de foco e são deixados de lado nesse momento, com, por exemplo, o arco dramático de Santoro e Alexander sendo resolvido de maneira particularmente vergonhosa e apressada. Ainda, Jee-Woon tenta (e com razão) estender o máximo possível a briga entre Cortez e Ray, embora o momento dos carros no milharal funcione mais na ideia do que na prática. Mas o duelo final dos dois é intenso e pesado, com o ótimo vilão enfrentando um protagonista forte, e assim, ainda mais pela dificuldade demonstrada pelos dois e a relativamente longa duração da luta, não parece muito anticlimático.

  Em questão de elenco, Schwarzenegger esbanja o carisma de sempre, ainda conseguindo se sair muito bem nas cenas de ação e de humor, mas nunca deixando de apresentar cansaço (até pela voz) e um comportamento que demonstra experiência e até um pouco de melancolia. Rodrigo Santoro surge intenso como Frank Martinez, embora seja prejudicado no final do filme. Jaimie Alexander faz o que pode com o limitado papel de Sarah Torrance, mas se junta a Genesis Rodriguez (no papel da agetne Ellen) e Christiana Leucas (no papel de Christie) como o trio de beldades lindas que “iluminam” o filme (se você for homem heterossexual ou uma mulher lésbica, é claro). Luiz Gúzman está divertidíssimo, ao passo que Forest Whitaker surge intenso como o agente John Bannister. Mas Johnny Knoxville consegue roubar todas as cenas em que aparece, já que, sempre extremamente divertido, protagoniza momentos que caberiam perfeitamente em Jackass (grupo do qual Knoxville faz parte), criando seu Lewis como um sujeito desequilibrado que parece se importar mais com uma arma do que com pessoas, mesmo que, em certo momento, confunda o nome com que batizou seu revólver, sugerindo mais desequilíbrio psicológico ainda.

  Se juntando aos dois Os Mercenários (mas bem melhor que os qualquer um dos dois) e ao ótimo Plano de Fuga, O Último Desafio é mais um filme de ação que busca resgatar o espírito dos longas badass violentos das décadas de 80/90 em Hollywood, onde não havia o moralismo que impedia diálogos com muitos palavrões, e onde cenas em que uma velhinha atira com uma espingarda em um bandido surgem naturais (e aqui é um dos momentos mais divertidos do longa). E o talento da direção de Kim Jee-Woon só enriquece o trabalho, que ainda ganha contornos de werstern em vários momentos (aparentemente o diretor gosta muito do gênero). Um ótimo filme.

  *SPOILER: a cena em que me referi é a em que o coice do revólver machuca o personagem de Jerry.

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