Resenha filme "A Entidade" (Sinister / 2012 / EUA) dir. Scott Derickson
por Lucas Wagner
Com O
Exorcismo de Emily Rose, o cineasta Scott Derickson demonstrou ser um bom
diretor na condução de cenas de terror. No entanto, seu longa foi severamente
prejudicado por não encontrar seu rumo nem como gênero de terror e nem como
drama de tribunal, não conseguindo se estabelecer como nenhum dos gêneros e
muito menos se mostrando capaz de viajar entre eles com tranquilidade. Nesse
seu novo filme, A Entidade, Derickson está mais
confortável justamente por se focar apenas no gênero terror, e desenvolver a
partir daí uma trama assustadora e interessante, que nunca perde o ritmo,
mantendo um clima claustrofóbico durante toda a projeção, fazendo por merecer
seu título original nos EUA: Sinister, que
é, literalmente, “sinistro”.
O roteiro do próprio Scott Derickson e C.
Robert Cargill é centrado no escritor de livros de crime de não-ficção do
polêmico Ellision (Ethan Hawke), que planeja escrever um novo livro baseado em
um crime verdadeiro, e por isso se muda com a família para a casa onde
aconteceram os assassinatos (embora sua mulher não saiba disso). Ao começar a
estudar o caso, descobre coisas realmente macabras que elevam a gravidade do
que vivencia ao extremo.
O maior sucesso do filme é mesmo sua trama.
No inicio acompanhamos uma investigação nada sobrenatural, mas que vai, aos
poucos, ficando mais e mais estranha e grotesca, consequentemente aumentando o
nosso interesse no que vemos. Quando Ellison encontra uma caixa com filmes no
formato Super 8 (isso não é spoiler, está
até no trailer), acompanhamos imagens realmente macabras e assustadoras, que só
ficam atrás daquelas vistas em Se7en ou
na 6ª temporada de Dexter, o que vai
nos atiçando ainda mais. Os roteiristas vão introduzindo elementos
sobrenaturais à trama calmamente, até que chegam a explorar o ocultismo de uma
forma que deixaria o grande escritor de terror H.P Lovecraft orgulhoso,
deixando a estranheza de tudo nos dominar. E as “verdades” que vamos
descobrindo são realmente interessantes e assustadoras, além de funcionar muito
bem no contexto, levando o longa de uma investigação “normal” de um crime para
uma situação bem mais aterrorizante. Desse modo, os roteiristas conseguem a
proeza de nos fazer ficar na ponta da poltrona, arrepiados, a partir da própria
trama, o que é o ideal num filme de terror, e que é pouco percebido pelos
cineastas que se dedicam a explorar esse tema atualmente, infelizmente.
No entanto, na direção, Derickson comete
alguns deslizes. Esses deslizes se referem justamente a grande parte das
sequências de terror, o que é uma surpresa se levarmos em conta o que eu
escrevi no primeiro parágrafo. O grande problema é que o cineasta investe
muito, nessas cenas, em lugares comuns, em maneiras fáceis de assustar,
principalmente no início da projeção. Assim, somos obrigados a presenciar cenas
de suspense que terminam mostrando que o que estava causando medo era um
animal, ou filha do protagonista, etc, além de usar o filho problemático de
Ellison não menos que duas vezes para “nos pegar”. Derickson vai deixando um
pouco essas manias infames e clichês no decorrer do longa, embora ainda invista
pesado em artifícios como portas que rangem, chão barulhento, barulhos de
passos, etc; e mesmo quando o cineasta tenta ser mais criativo, nem sempre se
sai muito bem, como fica bem claro numa determinada cena envolvendo crianças na
casa durante uma noite, que chega até a despertar o sentimento de vergonha
alheia no espectador (aliás, o longa parece até Atividade Paranormal – que eu gosto do primeiro, por sinal – ao
sempre escolher o período noturno para assustar, o que aqui acaba se mostrando repetitivo,
enquanto no filme citado funcionava bem dentro da trama). Mas isso não destrói
toda a atmosfera de terror simplesmente porque a própria trama, como comentei,
nos deixa tensos e arrepiados (o que é mais eficiente e mais difícil do que
apenas assustar), e ficamos realmente com medo de tudo o que vemos, não devido
às tentativas do diretor de assustar, mas porque fomos sugados para dentro da
atmosfera ocultista. Porém, Derickson se sai bem na direção nas cenas dos
vídeos caseiros e na criação do clima claustrofóbico e sombrio (apesar dos
“sustinhos”) em que nos mergulha desde a macabra cena inicial; muitas vezes
ainda o diretor usa uma edição eficiente que flerta com o expressionismo, ao
incluir cortes estranhos e grotescos, que parecem propositalmente mal feitos,
justamente para deixar tudo mais surreal. A trilha sonora de Christopher Young
(compositor que geralmente não gosto muito) também deve ser comentada, já que
está simplesmente impecável na criação de tons que não podem ser definidos
senão pela palavra “esquizofrênicos”, investindo basicamente na cacofonia para
funcionar, o que é uma brilhante decisão e funciona maravilhosamente.
Apesar de se focar basicamente no terror, o
roteiro acerta ao não se esquecer do desenvolvimento psicológico de Ellison,
que se torna um personagem extremamente complexo que enriquece bastante o
filme. Depois de escrever um sucesso estrondoso 10 anos antes, Ellison nunca
mais conseguiu produzir algo igual. Investindo em livros de investigações
verdadeiras que sempre apontam o que policiais deixaram de olhar, o autor ganhou
fama de polêmico mas também de dedicado, sempre sacrificando a própria família
para conseguir escrever, chegando a atos extremos como morar numa casa (e
arrastar a família junto) que serviu de cenas do crime. E Ellison, mesmo numa
época terrível, não tendo escrito nada de sucesso por muito tempo, se orgulha
imensamente do que faz, sendo capaz de entrar numa ferrenha discussão com um
xerife logo na primeira conversa que tem com ele. O caso é que a natureza do
que investiga, além da fama que construiu para si mesmo, tem efeitos
completamente negativos para seus filhos, com um que inclusive está
desenvolvendo sintomas psicopatológicos diante de tudo que é obrigado a passar
devido ao pai. Mas Ellison se sente imensamente culpado frente a isso, e
lamenta. O sempre competente Ethan Hawke (de filmes como Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto, Antes do Amanhecer,
Sociedade dos Poetas Mortos, etc) demonstra tudo isso e mais na sua
impecável atuação, e se não fosse por ele, o personagem não teria a mesma força.
Porque a complexidade de Ellison não se refere somente ao que eu comentei, mas
ele ainda é mais ambíguo do que podemos imaginar a principio, o que fica mais
do que claro na belíssima cena em que assiste um talk show em que esteve presente quando escreveu seu Best-seller, e se entristece ao ver como
mudou com o passar dos anos, como seus objetivos se confundiram, assim como seu
idealismo modificou bastante. E Hawke tem o melhor momento de sua performance
no melancólico sorriso que dá quando ouve a si mesmo jovem dizendo que
“preferia cortar suas mãos a escrever apenas pelo sucesso e fama”, e percebemos
nesse momento como ele entra em profunda auto-análise quando ao que está
fazendo de sua vida (e o modo pejorativo como chama determinado delegado –
Deputy So and So – demonstra uma forma de desprezo que surge automaticamente
forçada, como numa louca tentativa de provar seu já não tão forte idealismo). E
mais, o ator faz tudo isso e ainda demonstra com firmeza absoluta o arco de um
homem pragmático e realista sendo obrigado a aceitar a existência do
sobrenatural. Um ótimo personagem e uma maravilhosa atuação.
Mas devo reclamar de mais algumas coisas
aqui, mesmo tendo gostado do filme. Quando Ellison vai descobrindo mais sobre o
caso, algumas evidências tornam particularmente difícil para nós acreditarmos
que a polícia não tinha percebido a ligação entre os diversos assassinatos e
desaparecimentos, o que torna a experiência um pouco artificial. O que é pior,
no entanto, é o clímax, que surge
abrupto e completamente anti-climático. Mesmo tendo terminado com coerência e
coragem (devo dar o braço a torcer quanto a isso), a impressão que fica é que
os roteiristas não sabiam bem como preparar o final e simplesmente acabam aí, o
que dá uma sensação estranha no espectador ao sair da sala.
Mesmo assim, o longa ainda é feliz ao contar
com as excelentes performances de Juliet Rylance (que interpreta a esposa de
Ellison de forma complexa, sem antagonizá-la, como muitas vezes acontece nesse
tipo de filme) e James Ransome (que surge bem divertido como o “Deputy So and
So”), e é certamente uma ótima surpresa numa época em que a regra geral dos
filmes de terror parece ser besteiras completamente descartáveis como Mulher de Preto, Chernobyl ou A Filha do Mal.
sinceramente, eu achei um lixo esse filme, final meio sem sentido
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