por Lucas Wagner
Desde a maravilhosa trilogia De Volta Para o Futuro vimos escassos
filmes sobre viagens no tempo que se desafiavam a ir além de simplesmente
repetir as ideias contidas nos três filmes de Robert Zemeckis. Alguns dos raros
são os inesquecíveis Triângulo do Medo e Donnie Darko, e ainda assim suas tramas
exploram coisas mais complexas do que simplesmente viagens no tempo, flertando
com temáticas como universos paralelos, por exemplo. Não que simplesmente por
não trazer algo mais original que todos os outros filmes de viagens no tempo
tenham sido ruins, afinal, tivemos longas excepcionais como O Homem do Futuro e, é claro, o terceiro
ato de Harry Potter e o Prisioneiro de
Azkaban. Mas agora temos esse Looper,
escrito e dirigido por Rian Johnson, um longa que, mesmo apresentando alguns
problemas de estrutura, certamente é ambicioso e interessante, construindo uma
trama complexa e intrigante que ainda por cima não se esquece de desenvolver
seus personagens.
Sem estragar alguma surpresa, posso tentar
resumir uma sinopse da seguinte forma: no ano de 2044 ainda estamos a 30 anos
da criação da máquina do tempo, que se tornou ilegal assim que criada. Passou a
ser usada, então, por organizações criminosas que, para eliminar algum “empecilho”
humano, mandam essa pessoa para o ano de 2044, em que existem os chamados loopers, responsáveis por eliminar esses
prisioneiros vindos do futuro e se livrar dos corpos. Tudo ocorre bem para o looper Joe (Joseph Gordon-Levitt) até
que é lhe enviado para ser eliminado seu “eu” 30 anos mais velho (Bruce
Willis). Ao cometer o erro de deixá-lo escapar, o Joe jovem parte em uma caçada
para reverter seu erro, enquanto toda a organização looper está em seu encalço.
Esse resumo que fiz na verdade não faz jus ao
longa, já que o roteiro de Johnson não se contenta em construir apenas um ótimo
filme de ação (e com a trama que descrevi acima, convenhamos, isso não seria
nem um pouco impossível), mas leva seus personagens a situações cada vez mais
complexas, criando uma trama intrincada e criativa que vai se tornando mais e
mais ameaçadora, chegando até seu intenso clímax. No entanto, embora inventivo
(não tanto como os citados Triângulo do
Medo e Donnie Darko, mas tá
valendo) o roteiro de Johnson acerta ao inserir homenagens a outros grandes
clássicos sobre viagens no tempo, que se inserem de maneira extremamente
orgânica à narrativa, contribuindo ainda mais para o enriquecimento do longa. O
clássico mais homenageado é O
Exterminador do Futuro, algo que fica claro a partir de certo momento, com
Johnson reforçando essa fonte com referências mais diretas (que não citarei
aqui por serem spoilers) e outras
mais sutis, como o fato do nome da personagem de Emily Blunt ser Sara o que,
juntamente com algumas situações a envolvendo, torna claríssima a ligação com a
inesquecível Sarah Connor (interpretada por Linda Hamilton nos filmes de James
Cameron), além do modo como o diretor de fotografia Steve Yedlin fotografa
Blunt e sua fazenda, com cores quentes e nostálgicas que lembram diretamente as
viagens de Sarah Connor e seus cabelos loiros ao pôr do sol no final de O Exterminador do Futuro. Até mesmo o
cabelo de Blunt está igual ao de Connor.
Fora esses aspectos da
trama, vale comentar que a visão de futuro do filme, mesmo não tão fascinante e
original como a de um Blade Runner ou
Minority Report, funciona bem como
uma crítica velada à sociedade que, como discute o sociólogo Zygmunt Bauman,
cada vez mais se volta à satisfação imediata e inconsequente do prazer. Desse
modo, vemos aqui uma enorme quantidade de pessoas se afundando em drogas e sexo
descontrolado, desperdiçando potenciais fascinantes como telepatia de forma
inútil, ao mesmo tempo em que os cidadãos se mostram mais individualistas e
violentos, o que fica claro quando um homem, ao ver um bem material seu ser
roubado, não pensa duas vezes antes de atirar no ladrão. Porém, confesso que
achei meio estranho que Johnson tenha optado por filmar um futuro sem várias
inovações tecnológicas, já que no presente vemos novos produtos surgirem a cada
semana. Mas, se pensar bem, Johnson pode ter optado por essa abordagem por
achar que ela contribuiria para sua visão de sociedade decadente. Só que não me
pareceu muito realista, nesse sentido tecnológico.
Com uma direção
impecável de cenas de ação, que surgem sempre intensas e bem montadas (além de
acompanhadas de um excepcional design de
som), Johnson mantém a narrativa sob rédeas firmes durante boa parte da
projeção, conseguindo manter um clima tenso ao mesmo tempo em que consegue
trabalhar cenas mais intimistas visando o desenvolvimento dos personagens e da
trama. Johnson ainda se mostra seguro para brincar um pouco mais ao flertar com
efeitos e técnicas mais “exageradas” sem, no entanto, deixar que esses recursos
se tornem repetitivos/cansativos, como as excelentes câmeras inclinadas ou
ainda quando gira a câmera em 360° quando um personagem acaba de se drogar. Além disso, é extremamente eficiente a sequência
em que o cineasta visa mostrar a rotina vazia e entediante de Joe, numa ótima
montagem onde se repetem várias vezes os eventos de cada dia, ou quando
estabelece uma maravilhosa e reveladora rima visual que mostra duas personagens
femininas passando a mão no pé de outros personagens masculinos (e mais
fascinante ainda é que não são nem os mesmos personagens, o que comprova a compreensão
do diretor quanto ao seu trabalho ao aproveitar essa chance para reforçar a
relação psicológica entre Cid e Joe “jovem”). Ainda a fotografia de Steve Yedlin
se mostra competente ao investir em uma paleta triste e sombria durante a maior
parte do tempo, apenas mudando essa lógica nas cenas da fazenda de Sara (Emily Blunt)
e de Joe “velho” (Willis) com sua esposa no futuro, quando investe em tons mais
claros e quentes, que ajudam a reforçar (além da homenagem já comentada a O Exterminador do Futuro) a importância
desses ambientes na vida dos protagonistas, nos seus arcos dramáticos. Também
vale comentar a trilha sonora de Nathan Johnson que, no melhor estilo Hans
Zimmer, consegue ajudar a manter o ritmo do filme enquanto dá o tom necessário
tanto para cenas mais agitadas quanto para aquelas mais sensíveis.
Apesar de eficaz, Rian Johnson comete alguns
erros relativamente graves tanto no roteiro como na direção (e se digo “relativamente”
é porque o longa possui acertos maiores que certamente nos fazem querer ignorar
esses erros). Como eu disse antes, o diretor consegue viajar entre ritmos mais
agitados e outros mais “quietos” com certa destreza, mas isso não acontece em
todo momento. De vez em quando, Johnson é brusco demais ao quebrar o ritmo
completamente para mudar para outro âmbito bem diferente da história, como
quando usa o desmaio do Joe “jovem” para voltar um pouco atrás na narrativa e
contar as contingências que levaram o Joe “velho” ao passado; ou outra ainda
que perturba é quando o cineasta trava bruscamente de novo a velocidade da
narrativa, desta vez para mostrar a rotina de Sara. Falando em Sara, a trama
envolvendo ela e seu filho Cid (Pierce Gagnon), embora importante e fascinante,
é introduzida apenas no meio do filme, o que é um erro básico e juvenil em
direção. Também o relacionamento que se desenvolve entre Joe “novo” e Sara
surge um pouco de repente demais, sem próprio desenvolvimento, embora possamos
encontrar facilmente a razão da atração dos dois a partir de nossa própria boa
vontade e do material que o já nos foi fornecido pelo roteiro. Ainda nessa
linha, é decepcionante que a trama secundária envolvendo o personagem de Kid
Blue (Noah Segan) estivesse sendo desenvolvida com tanto cuidado apenas para
ter um fim decepcionante que nos faz indagar por que Johnson dedicou tanto
tempo àquele personagem afinal. Infelizmente ainda preciso constatar que Johnson
algumas vezes (mas não o suficiente para irritar) investe em coincidências para
fazer o roteiro funcionar, o que é um recurso fraco e preguiçoso. Esses e
alguns outros erros, embora graves, se tornam rasos diante do tanto que nos
envolvemos com a trama e com os personagens.
Os personagens receberam atenção especial de
Johnson, que reuniu aqui um elenco fantástico que cumpre com perfeição seu
papel. Joseph Gordon-Levitt finalmente ganha papel de protagonista de ação
(algo que – ainda – não conseguiu com o cineasta Christopher Nolan, com quem
trabalhou duas vezes), e interpreta Joe “novo” com a mesma disciplina rígida
com que interpretou Arthur em A Origem. Homem
sério, pragmático e meticuloso, Joe é um sujeito que vive uma rotina
atordoante, apoiando as esperanças de uma vida mais “diferente” na perspectiva
de ir para Paris. Embora tenha uma fachada de racionalidade impassível, Joe
sofre absurdamente por dentro, por suas experiências traumáticas na infância e
pela própria rotina em que vive. Aliás, ele se condiciona a ser frio a ponto de
trair pessoas queridas a ele, por ser o mais “racional” a se fazer, mesmo que a
culpa o destrua (e é fascinante e revelador que, no momento em que trai
determinada pessoa, busca ainda se manter por cima ao bater de frente com seu
chefe mesmo em um assunto bobo, já que o chefe diz que ele deve ir para China
enquanto ele afirma que vai para Paris, várias vezes). O arco dramático que
passa ao longo do filme se revela extremamente tocante, quando ele vai se
suavizando na relação com Sara e Cid. E Gordon-Levitt é impecável ao demonstrar
complexas emoções sem, no entanto, fazer grande estardalhaço quanto a elas, já
que isso trairia a natureza do próprio personagem; o ator ainda revela mais e
mais sobre a personalidade do rapaz através de pequenos gestos (observem o
momento em que arruma uma de suas barras de prata s que está fora do lugar). E
sobre tal figura, Bruce Willis não está atrás de Gordon-Levitt, e cria um Joe “velho”
igualmente fascinante. Tendo apanhado e aprendido da vida até encontrar algo
pelo qual realmente valha a pena vive, Willis encarna com absoluta perfeição um
homem que perdeu tudo e se vê numa cruzada desesperada e brutal para resgatar o
que tinha (e o ator revela ter colhões de titânium principalmente na fantástica
cena de ação do headquarters dos loopers). O astro não deixa de lado
momentos mais sensíveis (como quando é obrigado a fazer uma coisa
particularmente horrível) ao mesmo tempo em que se diverte ao mostrar uma
versão mais madura do Joe “novo”, chamando este de “garoto estúpido”, por
exemplo. Ele olha para si mesmo também, como jovem, com uma inegável melancolia
ao ver aquele garoto egoísta e imaturo, que vive morrendo de medo e se
escondendo em si mesmo, e sabe que ele vai sofrer bastante. Aliás, o encontro
de Gordon-Levitt e Willis em uma lanchonete representa um dos melhores (senão o
melhor) momentos do filme, já que, além de extremamente divertido, esse é um
momento intimista que nos leva a conhecer demais aquelas figuras
psicologicamente falando, além de suas diferenças. E nem precisa dizer da
qualidade dos dois atores nessa cena não é?
Do elenco mais secundário quem se destaca
mais é Jeff Daniels, como Abe, um sujeito melancólico que, vindo do futuro,
exerce a função de chefe dos loopers. A
partir de detalhes específicos, o ótimo ator vai desenvolvendo seu personagem a
ponto de, mesmo sem possuir muitas cenas, sentirmos que o conhecemos
profundamente. Além disso, o roteiro deixa subliminar uma relação intrigante (que
não posso revelar aqui) entre ele e Kid Blue, o que o torna mais fascinante.
Kid Blue que, como já foi comentado, tem um desfecho decepcionante, mas é
belamente interpretado por Noah Segan que nos leva a gostar e compreender o
sujeito. No entanto, não consigo compreender o por que de Paul Dano trabalhar
com personagens sempre tão insignificantes, mesmo depois de seus
extraordinários papéis em Pequena Miss
Sunshine e Sangue Negro.
Mas, no que se refere a
atuações, quem domina esse filme mesmo é Emily Blunt e o garotinho Pierce
Gagnon. Linda como sempre, eu não consegui resistir a me apaixonar por Blunt,
que cria uma Sara tão complexa, tão sensível e tão trágica ao mesmo tempo. Ela possui
uma fachada de força, de dureza, que usa para proteger seu filho Cid dos males
do mundo, e esconde por trás dessa dureza, um grito de ajuda e desespero, que
parece sempre entalado na garganta, e tudo isso pelo seu imenso amor pelo
filho. Blunt (que até hoje nunca tinha tido verdadeira chance de demonstrar seu
talento) interpreta Sara com uma força e doçura cativantes, dando enorme
dimensão à personagem. Já Pierce Gagnon é inegavelmente o melhor ator do
elenco, e tem apenas seis anos. Se apresentando com um potencial enorme de ser
um grande ator no futuro, o garotinho chega a assustar em sua interpretação de
Cid, equilibrando tristeza, melancolia e infantilidade numa medida fascinante.
Ele chega a assustar na absurda intensidade de sua atuação em diversos momentos
e, mesmo que saibamos de seu potencial para se tornar uma espécie de Darth
Vader no futuro, é impossível não nos comovermos com aquele garotinho sofrido e
trágico, que já teve sua infância completamente estilhaçada por contingências
terríveis. Gagnon merecia é um Oscar por essa sua interpretação, isso sim, que
é tão madura, mas tão madura, que
consegue demonstrar com maestria até mesmo os sentimentos confusos que tem em
relação a Sara. Genial esse moleque.
Diante disso tudo e da trama intrigante, nos
vemos envolvidos tanto emocionalmente quanto intelectualmente pelo filme, que é
capaz até mesmo de levar às lágrimas (uma mulher atrás de mim chorou
profundamente e seu namorado fez a imbecil pergunta “tá chorando?” e ela
respondeu: “e como que não chora?!”), Looper
possui ainda um clímax impecável, que fecha belamente o longa.
Extremamente violento (em uma cena vemos um
homem explodindo em câmera lenta) e intenso, Looper é
um ótimo filme, sem dúvidas, mesmo com defeitos graves, como já discutido.
Gostei tanto que o assistirei ainda mais algumas vezes, sem dúvidas.
Recomendadíssimo.
Um final conturbado e sem definição deixando no minimo o telespectador com a sensação de perda, talvez do ingresso.
ResponderExcluirMas fica aqui retratado o talento infantil de Pierce Gagnon