Análise:
O Espelho (Oculus / 2014 / EUA) dir. Mike Flanagan
por
Lucas Wagner
Se Invocação do Mal é um excelente terror, o é por conseguir usar os
clichês a seu favor, não almejando ser mais do que é, mas apresentando uma cuidadosa
construção de tensão, brincando com homenagens, e ainda criando personagens com
os quais o espectador consegue se importar. O
Espelho, mesmo talvez não tão eficaz quanto seu colega, ousa mais, e
investe numa trama mais elaborada e macabra, uma estrutura narrativa
intrincada, um vilão inteligentemente perverso e personagens psicologicamente
destruídos por este.
Resumidamente, o
roteiro de Jeff Seidman e Mike Flanagan (este também o diretor do filme) conta
sobre os irmãos Tim e Kaylie que, quando crianças, foram obrigadas a verem a
família ser devastada supostamente pela presença sobrenatural que habita um
antigo espelho. Quando sai de um sanatório onde esteve devido a essas
experiências e o que, por causa delas, foi obrigado a fazer, Tim reencontra a
irmã, cuja tentativa de lidar com o passado inclui enfrentar de frente o infernal
espelho. Para isso, quer contar com a ajuda do fragilizado irmão.
Conseguindo a atenção
do espectador ao usar um recurso óbvio, porém aqui bem orgânico, para
apresentar o personagem título e sua história, O Espelho se torna mais interessante na medida em que alterna
sequências no presente com aquelas que revelam o passado dos personagens
principais. Ao acompanharmos essas duas narrativas paralelas, a montagem do
próprio Mike Flanagan se revela eficiente não só por aumentar a velocidade das
viagens de uma narrativa para a outra, mas também para, a partir de certo ponto
da projeção, permitir que as duas linhas se misturem no ponto de vista “cinematográfico”,
por assim dizer, e também a nível psicológico, já que os fantasmas do passado,
assim como as traumatizantes experiências de antes, começam a influenciar
significantemente o que ocorre agora, seja como os personagens lidam com o
terror ou como o Espelho usa o passado para uma destruição psíquica de suas
vítimas.
Para isso, Flanagan
(como diretor e montador) usa transições um tanto elegantes a medida em que
realiza essas viagens, permitindo que o espectador compreenda o que e como
ocorre na tela, assim como os estados emocionais que tomam conta daquele
universo, algo que varia desde a crescente escuridão responsável por diluir a aconchegante
atmosfera da casa, e até ao usar luzes azuis fantasmagóricas que deixa tudo
mais sombrio. Além disso, o diretor ganha pontos pela economia de linguagem, já
que não raro investe em momentos que dizem muito com pouco, por exemplo: ao
mostrar a marca do golpe da âncora na parede antes de mostrá-la funcionando,
Flanagan evidencia ainda mais a cuidadosa preparação da Kaylie para sua “luta”;
quando os irmãos se encontram fora do sanatório, estes conversam com as cabeças
abaixadas, durante alguns segundos, evitando o olhar e o que este pode trazer;
e, o meu favorito, a explicação sobre a pequena rachadura no espelho que, se
pensar bem, explica muito mais do que uma pequena
rachadura no espelho.
Já um dos motivos pelos
quais o longa consegue ser eficientemente assustador é por algo que vai além da
cuidadosa criação do suspense pelo seu diretor: o personagem título. Pois sim,
o roteiro consegue transformar o Espelho em uma figura “real” e em um vilão
aterrador. Se merece esse adjetivo é por não se contentar em apenas destruir
fisicamente suas vítimas, mas brincar com elas, destruindo-as também a nível
psicológico. A partir de certo ponto, a impressão que fica é que o Espelho se
percebe no controle, e assim abusa da percepção dos personagens, chegando a
usar de golpes baixos/sujos, como sugerir uma irresistível catarse para um (a)
personagem antes de matá-lo (a) impiedosamente.
E outro grande elemento
de força do longa se refere justamente aos seus personagens, cujos dramas não
existem apenas para criar um background trágico,
mas apresentam um grande peso dramático que influencia a narrativa. Tim, por
exemplo, é um sujeito frágil, que parece lutar muito para não se quebrar, algo
plenamente compreensível. Já Kaylie, com a excepcional interpretação da linda
Karen Gillan, se transforma numa figura complexa e trágica, cuja resiliência
que hoje apresenta foi forjada por condições traumatizantes, e é posta a prova
quanto mais ela mergulha na realização de seus objetivos. Assim, vê-la
fraquejar ou sentir medo é algo não só assustador, mas intensamente triste.
Com um elenco
homogeneamente eficaz ao arrancar poderosos sentimentos de seus personagens (e
um dos últimos momentos de Rory Cochrane como o pai é de uma comoção palpável),
O Espelho pode apresentar diversos pecadilhos na construção de sua “complicada” trama, apostar em alguns sustos fáceis,
e bem que poderia permitir viagens temporais nas quais o presente influencia o
passado, o que enriqueceria consideravelmente a obra. Mas nada disso estraga o
que é um excelente exemplar do gênero “terror”.
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