Análise:
Fruitvale Station – A Última
Parada
(Fruitvale Station / 2013 / EUA) dir.
Ryan Coogler
por
Lucas Wagner
No dia 1º de janeiro de
2009, não muito depois da virada do ano, o jovem Oscar Grand, de 22 anos, pai
de família, foi morto pela polícia numa demonstração de injustificável
violência. Incidente, digamos, infelizmente muito comum, já que não raro as
autoridades se mostram mais brutas do que aqueles contra os quais deveriam “lutar”.
Assim, o diferencial deste Fruitvale
Station – A Última Parada é pegar esse evento “comum” e fazer com que
verdadeiramente nos indignemos com a situação, já que passa a maior parte da
projeção procurando desenvolver a personalidade de Oscar e sua relação com
amigos e familiares, levando-nos a conhecer e nos importar com aquelas pessoas
e que soframos com sua tragédia.
Oscar é retratado como
um indivíduo batalhador, vivendo em um ambiente cujos frutos das tentativas de
levar uma vida decente e longe da criminalidade raramente pagam o esforço.
Negro e pobre, o protagonista já foi preso algumas vezes (provavelmente por posse/tráfico
de drogas), o que o afasta de sua filhinha e de sua mulher, tornando a
convivência familiar cada vez mais problemática, principalmente pela tendência
a ser explosivo que o jovem tinha, não aceitando levar desaforos e se
entregando a estados de fúria que o levam a agredir policiais (quando ficam em
seu caminho) ou ficar encarando um homem que ofendeu a ele e sua mãe, se
segurando para não pular no cara, e consequentemente ignorando a mãe que está
na sua frente.
O que não impedia que o
rapaz fosse corroído pela culpa, sendo capaz de atos admiráveis como esconder
um saco com maconha antes de sua filha entrar no quarto e, mesmo sem dinheiro,
fazer de tudo para agradar a mãe em seu aniversário (e é bonito que, ao
perceber se passar da 00h, prontamente mande um sms parabenizando sua
progenitora). Assim, Oscar pode até se envergonhar por seu estado deplorável e
mentir sobre suas verdadeiras condições, mas é um sujeito admirável e
tridimensional, algo que o roteiro quase estraga ao apostar numa visão por vezes
açucarada do jovem, incluindo sequências tolas como a que quase chora por um
cachorro ferido. E se o protagonista funciona apesar desse tratamento, muito se deve à performance de Michael B.
Jordan, cujo carisma e dedicação permitem um peso dramático ideal à Oscar e seu
desejo de mudança.
Mas o mais interessante
em Fruitvale Station é o modo com que
o diretor/roteirista Ryan Coogler consegue enxergar as pessoas envolvidas no réveillon de 2008 para 2009. Sem se
importar com opção sexual, cor de pele ou status social, todos aqueles
indivíduos são engolfados por um senso de união que surge principalmente em
eventos festivos como esse. Perto da 00h, presos em um metrô, essas pessoas se
unem em uma euforia admirável e, mesmo quando Oscar identifica um sujeito mal
encarado (possivelmente de seu passado de crimes), a tensão que surge quando
esse remexe em sua mochila é prontamente apagada quando revela duas pequenas
caixas de som que vai permitir que todos os passageiros curtam uma música.
Sentimento de aconchego que o próprio espectador sente, embora ainda esteja
tenso pela abordagem que o diretor usou de iniciar o longa com o vídeo de
arquivo do crime e apostar numa câmera inquieta o tempo todo.
Esse senso de
humanidade, fora o estágio em que nos encontramos no conhecimento de Oscar e
seu relacionamento com a mulher, permitem que a agressividade dos policiais
seja ainda mais deplorável, já que a culpa do evento que chamou a atenção da
polícia provavelmente caiu nos ombros de Oscar e seus amigos apenas por sua cor
de pele (mas é admirável que o roteiro humanize um dos policiais quando este se assusta ao perceber a dimensão dos atos dele mesmo e de seus colegas). Desse modo, o asco provocado pela atitude dos policiais é aterrador, e
prova disso é que, se o longa abre com a cena de arquivo real do crime, a cena “fictícia”,
filmada para esse filme, causa muito mais impacto e revolta, por agora termos
uma visão mais tridimensional do ocorrido.
Correndo um pequeno
risco de fracassar devido à sua abordagem levemente melodramática (sequências
como Oscar e sua filha correndo em câmera lenta são lamentáveis), Fruitvale Station – A Última Parada ainda
assim consegue se sustentar como um belo filme já que nos tira de nossa posição
de espectadores reclamões que adoram criticar situações que pouco entendem,
para nos dar a oportunidade de, conhecendo a personalidade da vítima, nos
indignarmos com propriedade diante do absurdo de violência atual promovido por
autoridades.
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