Análise:
Carrie – A Estranha (Carrie / 2013 / EUA) dir. Kimberly
Pierce
por
Lucas Wagner
O soberbo clássico Carrie – A Estranha dirigido por Brian
De Palma em 1976 (baseado no livro homônimo de Stephen King, que não li) servia
tanto como prova do estilo de seu diretor, como ainda era uma metáfora para os
males do fanatismo religioso e para a transformação de menina em mulher,
criatura poderosa e sedutora. Essa sua refilmagem, no entanto, logo de cara
troca a inesquecível e sensual cena de abertura por uma (desnecessária) que
busca o mero choque, provando que o longa que veremos se importa muito mais em “impressionar”
do que em envolver ou fazer pensar.
Em linhas gerais, a
trama conta a história de Carrie White (Chloë Grace Moretz), garota criada por
uma mãe solteira e fervorosamente religiosa, que impede a filha de qualquer
contato com o mundo por acreditar que tudo é sujo, impuro. Assim, a garota
sofre constante bullying na escola,
em especial por sua falta de informação sobre qualquer coisa que diga respeito
à sexualidade. E é nesse contexto que ela descobre que tem poderes
telecinéticos e passa a tentar controla-los para seus próprios objetivos.
Sem dúvidas, o maior
pecado da obra é ser extremamente maniqueísta. Enquanto o original possuía figuras
complexas e ambíguas, esse novo é lotado de personagens ou inacreditavelmente
maus, ou irritantemente bons. E isso vale até para a seleção do elenco, já que
os “bonzinhos” na sua maioria são loiros (as), brancos (as) e de olho claro,
além de possuírem barba feita (no caso dos homens), enquanto os maus possuem
cabelo escuro, e barba por fazer. “Curioso” também que Chloë Grace Moretz (Carrie,
protagonista) e Gabriella Wilde (Sue, “boazinha”) estejam muito mais bonitas
que Portia Doubleday (Chris, antagonista) que de atriz linda passa a horrorosa
por um bizarro bronzeamento artificial. Pior ainda é a falta de bom senso dos
realizadores ao incluirem uma cena com toque homossexual entre duas garotas do
time das “más” como que para ressaltar um clima de perversão, revelando um tipo
de pensamento ignorante e... podre.
Esse tratamento
maniqueísta fica ainda mais gritante no que diz respeito à mãe de Carrie,
Margareth White. Perdendo toda a complexidade da versão trágica e triste
interpretada por Piper Laurie em 76, a versão de Julianne Moore é uma caricatura
inverossímel. A mania de se cortar e de ficar batendo a cabeça quando não sabe
o que fazer, sem contar quando diz coisas tão estúpidas que chegam a ser
engraçadas (ao dar a luz ela grita: “O que será isso? Câncer?”), fazem dela não “apenas” uma
fanática religiosa mas uma doente mental (mesmo que o fanatismo religioso seja,
à sua maneira, uma forma de doença). E com isso, Moore pouco pode fazer a não
ser atuar como uma zumbi/fantasma que de vez em quando grita, e demonstra um
carinho pela filha que nunca convence (diferente do que ocorria no original).
Falando em caricatura, a diretora Kimberly Pierce se esbanja
em planos pomposos e em incontáveis momentos de câmera lenta. Não que ela não
acerte nunca. Dois planos em específico são sensacionais: quando vemos
Margareth se aproximando através de um vidro fosco (transformando-a numa
criatura deformada e bizarra), ou quando Carrie quebra um espelho (distorcendo
a imagem, revelando sua fratura interna) e depois o remonta “com a mente” (reconstruindo
uma identidade agora sua). Mas os óbvios planos inclinados, os exaltados closes em fechaduras de portas, os
planos contra plongê (focando de
baixo para cima) sempre muito teatrais tentando ser ameaçadores, além do óbvio
fetiche da diretora por objetos pontiagudos, torna seu trabalho bem inferior. E
para ficar pior, a diretora investe numa montagem vergonhosa em determinado momento, quando mostra diversos
adolescentes se arrumando para o baile de formatura, com movimentos
coreografados que parecem saídos de Sex And
The City ou Glee, com uma
irritante trilha teen, demonstrando
que a diretora parece ter tido um lapso e pensado que estava fazendo um filme
de comédia adolescente, e não um terror. Mas não dá para esperar muito de uma
diretora que simplesmente se esquece que a sua protagonista não sabia se
maquiar e muito menos arrumar o cabelo, e, ainda assim, de uma hora para a
outra, sem ir em salão algum, surge fatal, brilhantemente maquiada e com cabelo
(antes ressecado) agora hidratado,
E assim, o tratamento de Carrie acaba sendo prejudicado,
embora paradoxalmente seja um dos corrimões onde o longa consegue se erguer
levemente. No original, a Carrie de Sissy Spacek era uma menina inocente e
confusa, que, sofrendo influências das tentações da vida de adolescente e das
restrições da mãe, não conseguia se afirmar tanto quanto queria; aliás, nem
sabia bem o que queria. A protagonista nessa refilmagem perde muito de sua
complexidade por já se mostrar sempre decidida no que quer, sendo capaz de ver
a mãe como errada mesmo que tenha sido desenvolvida dentro dos valores
religiosos de Margareth durante 18 anos, o que é psicologicamente absurdo.
Ainda assim, a protagonista reserva elementos interessantes,
principalmente quando vai conhecendo mais sobre suas habilidades telecinéticas
e demonstra um prazer perverso e orgástico diante de seus poderes, o que a
torna mais ambígua. E assim, a sempre talentosa Chloë Grace Moretz acerta ao
conseguir demonstrar a timidez quase patológica de Carrie, atentando para
detalhes que revelam mais sobre a sede da garota por maiores interações sociais
(o sorriso que dá quando acha que estão rindo de algo que ela fez enquanto, na
verdade, estão rindo dela), e ainda
conseguindo evidenciar o prazer quase sexual da protagonista ao ir descobrindo
seus poderes, se assustando e se encantando
com eles (afinal, uma metáfora no original era justamente a da menina se descobrindo sexualmente). O único
problema de sua atuação reside no fato de, depois da ótima sacada da atriz de
gaguejar ao conversar com todo mundo menos com a mãe (com quem tem costume), Grace
Moretz abandone a estratégia. E é uma pena que o roteiro ainda atrapalhe o
trabalho da atriz pela malfeita construção de seu arco dramático, que não
desenvolve bem nem a sua personalidade cada vez mais confiante e nem o
amadurecimento na manipulação de seus poderes.
Acertando pelo uso destemido de violência e por uma
fotografia que, mesmo um pouco óbvia, é por vezes eficiente (o pôr do sol
quando Tommy busca Carrie em casa), essa refilmagem de Carrie – A Estranha é uma obra fraca, juvenil e maniqueísta,
perdendo todo o poder de sedução, as belas metáforas e os excelentes
personagens de um clássico imortal.
Mas o filme de brian de palma tbm é um filme juvenil, alguma cenas do livros estavam no filme mas kimberly peirce deletou.
ResponderExcluirConcordo com o anonimo o filme de Brian De Palma, tbm é juvenil só mudou a geração, o filme de 1976 está na lista dos 50 melhores high school, ops isso é bem adulto né?
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