Crítica Sem Dor, Sem Ganho (Pain & Gain / 2013 / EUA) dir.
Michael Bay
por
Lucas Wagner
A
história real dos marombeiros de Miami que, cansados de uma vida apertada no
sentido financeiro, resolvem cometer um sequestro ousado, dá uma ótima comédia
de erros, e isso pelo fato de que tais sujeitos eram realmente...estúpidos.
Despreparados e notavelmente burros, os três fisiculturistas mergulharam de
cabeça numa empreitada arriscada demais, sem pensar todas as possibilidades e
sem ter conhecimento de todas as variáveis envolvidas (um deles não sabia nem o
que era “tabelião”) e, o que é o mais absurdo, vão mergulhando em ações mais
arriscadas e ainda mais estúpidas, como se não tivessem aprendido nada com seus
erros. Entregar um material desse nas mãos de um cineasta como Guy Ritchie
seria o ideal, já que o diretor iria abraçar com toda paixão o absurdo e o
rídiculo dessa proposta, criando um longa diretamente semelhante aos seus
memoráveis Jogos, Trapaças e Dois Canos
Fumegantes e Snatch – Porcos e
Diamantes. Mas não é lá muito inteligente entregar o material para um
cineasta como Michael Bay (de coisas como a trilogia Transformers e Pearl Harbor),
ainda mais com um roteiro porco como esse escrito por Christopher Markus e
Stephen McFeely.
Pois não é senão no roteiro que Sem Dor, Sem Ganho encontra seus piores
problemas, e isso se refere principalmente à completa incapacidade demonstrada
pelos dois roteiristas de contar uma história. Apoiando-se em narrações em off que, muito provavelmente, tentam
remeter ao trabalho feito por Martin Scorsese no inesquecível Cassino, Markus e McFeely criam, na
verdade, narrações enfadonhas que, não trazendo nada de muito interessante ou
pelo menos engraçado, são falhas ainda em não estabelecer bem a história e nem
as motivações dos personagens. E eles levam vários minutos (ou páginas do
roteiro) para explicar as bases da trama e as motivações do personagem Daniel
Lugo (Mark Walhberg), e sua incompetência fica bem visível quando paramos para
pensar o quão vagamente sabemos o que está acontecendo na tela, mesmo com tanta
falação. Aliás, durante o filme inteiro, o que compreendemos é muito vago.
Markus e McFeely ainda falham no quesito humor, já que nunca conseguem criar
alguma tirada ou situação realmente engraçada, falhando em explorar o humor
negro disso tudo (e se alguma vez rimos, é mais por mérito de algum ator, em
especial Dwayne “The Rock” Johnson). Mas não dá muito para esperar algo
competente de roteiristas que cometem erros tão básicos como introduzir um
personagem completamente novo na história em mais da metade da projeção.
E se geralmente condeno Michael Bay como sinônimo
de incompetência/estupidez (quem lê minhas críticas sabe bem disso) aqui o
pobre diabo nem foi tão terrível assim, embora apresente diversas daquelas
marcas que o “consagrou” como um dos piores diretores de sua geração. Estão aqui
todos aqueles irritantes e constantes travellings,
aqueles planos em contra-plongê (câmera filmando de baixo para cima) dando um
caráter heróico aos personagens, aquele humor retardado e sem graça, um
sem-número de planos em contra-luz, aquelas câmeras-lentas fora de hora,
aqueles planos grandiosamente idiotas (o momento em que vemos uma mulher toda
de rosa, com uma malinha rosa, em cima de uma montanha no deserto entra em
conflito, no quesito burrice, com a
loira parada, de salto, no meio de uma guerra em Transformers 3) aquela montagem altamente insana que dificulta para
o espectador a experiência de olhar para
a tela, e, o pior de tudo, o seu machismo escroto e o patriotismo nojento. Aqui,
a pobre coitada da personagem interpretada pela linda Bar Paly é retratada como
uma piranha idiota, mimada, ridícula, nada mais que um objeto sexual a ser
usado e descartado quando não servir mais (como um personagem realmente faz nesse filme com ela), e o
patriotismo é visto na exaltação da “América” sempre feita pelo protagonista, e
da figura da bandeira ser um constante elemento do cenário. Mas, como eu tinha
dito, Bay não está tão nojento,
talvez por ter maneirado um pouco, conseguindo inserir uma energia
relativamente eficiente ao longa, com planos inclinados e (alguns) movimentos
de câmera que conseguem ressaltar um pouco o caráter absurdo e instável de toda
essa história, ainda sendo ajudado pela ótima fotografia de Ben Seresin para
estabelecer uma imagem que sempre lembra sujeira e podridão, ao apostar numa
paleta forte repleta de amarelo e verde
Mas, juntamente com o roteiro, o que faz de Sem Dor, Sem Ganho um longa inferior é a
seriedade com que Bay o dirige durante a maior parte do tempo. Se o já citado
Guy Ritchie abraçaria a bobagem que é esse projeto, e apostaria mesmo na
bagunça e no humor negro para funcionar, Bay parece nunca se definir se quer
fazer um filme de ação ou de comédia, não conseguindo andar em equilíbrio com
os dois, como Ritchie fez tão bem em suas obras já citadas aqui. E nesse ponto,
a ótima trilha sonora de Steve Jablonsky acaba sendo inadequada justamente por
apostar na tensão como ponto principal. O pior de tudo, no entanto, é que Bay
percebe seu erro na metade final do longa, e tenta corrigi-lo inserindo um
humor mais acentuado, além de uma montagem e movimentos de câmera que ressaltam
o absurdo de tudo aquilo; essa estratégia acaba sendo forçada demais, além de
muito óbvia ao escancarar a incompetência do diretor, principalmente quando
recorre a recursos bestas (e desesperados) como piadas, como quando uma legenda
aparece dizendo “essa ainda é uma
história real” ou quando os efeitos colaterais da cocaína são (d)escritos
na tela. Como se não bastasse, o diretor não resiste e insere uma cena de ação
extremamente exagerada no segundo ato, que nem deveria existir, e funciona
apenas para mostrar alguns tiros e correria. O que é uma pena, pois Bay toma
algumas decisões até que acertadas, como ao usar um longo travelling circular em 360º para mostrar uma trágica briga e uma
festa ao mesmo tempo.
Vai sem dizer a completa falta de habilidade
dos roteiristas e do diretor para desenvolver seus personagens, desperdiçando
um elenco que conta com nomes como o de Ed Harris, que aqui parece apenas estar
trabalhando pelo dinheiro. Quem se sobressai é só o sempre ótimo Mark Walhberg,
que mesmo com um arco dramático tão mal escrito, consegue mostrar bem a
trajetória do protagonista, que passa de um homem inocente e sonhador com visão
e princípios, para um inconsequente candidato a psicopata louco por adrenalina,
e também Dwayne “The Rock” Johnson, que com seu enorme carisma, transforma Paul
Doyle num sujeito divertidíssimo em sua religiosidade e inocência quase
infantil, ao mesmo tempo em que não deixa de conferir certo peso dramático
ideal ao personagem; mas o ator é atrapalhado pelo roteiro quando esse demonstra
de novo sua burrice ao mostrar uma transformação brusca e mal feita vivida pelo
personagem.
Inchado em seus desnecessários 129 minutos de
duração (Bay parece realmente incapaz de fazer um filme mais curto do que
isso), Sem Dor, Sem Ganho poderia ter
sido extremamente divertido e engraçado, mas acabou caindo nas mãos de
incompetentes que não sabem fazer Cinema.
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