Crítica filme "No" (No / 2012 / Chile) dir. Pablo Larraín
por Lucas Wagner
Sempre achei comerciais de TV algo
extremamente hilário. Não que todos sejam de fato bons, mas pela própria “tosquice”
de sua existência. Em comerciais sobre pastas de dente, por exemplo, as pessoas
estão surrealisticamente felizes por fazer algo tão comum e rotineiro como
escovar os dentes. Mas muito do que faz com que esses comerciais todos sejam
tão fora da realidade está baseado em conceitos que guiam a publicidade; em
algo que faz vender. Em No, novo
filme de Pablo Larraín, o que se procura vender é uma ideia numa campanha
política, e muito do que se pôe em cheque é a melhor forma de se vender a ideia
de que a ditadura seja algo ruim.
O filme se passa no Chile em 1988, quando o
ditador Augusto Pinochet, pressionado pelo resto do mundo, anuncia um peblicito
para ser decidido se ficará ou não no poder. Dividem-se então o grupo do “Sim”
e do “Não”, e cada um tem 15 minutos diários na TV para promover sua campanha.
Acompanhamos os desenvolvedores da campanha do “Não”, formada por partidos de
esquerda.
Pablo Larraín toma uma decisão
interessantíssima quanto ao visual do seu longa, e o filma completamente em
U-Matic, que era a tecnologia usada pela publicidade para gravação em
videocassete. Assim, No pode até
afastar algumas pessoas diante dessa escolha, mas de fato é fascinante, já que
parece que estamos vendo algo realmente filmado em 1988. E, além de servir como
uma luva no sentido temático, essa tecnologia trás até uma beleza peculiar para
o longa, meio retro (não, eu não sou hipster),
que Larraín reconhece bem, e, juntamente com o diretor de fotografia, usa
muitas vezes a imagem desfocada e estourada de encontro com a luz, o que produz
resultados admiráveis e belos.
Larraín acerta ainda ao conferir extremo
realismo ao longa. S em trilha
sonora, Larraín investe em cenas que, em si mesmas, não fazem muito pelo filme,
mas que ajudam a estabelecê-lo, assim como seus personagens, como pautados no
mundo real, palpápel. Um exemplo bem claro disso é quando René (Gael García
Bernal) está usando o trilho de brinquedo de seu filho, e o garotinho vem
brigar com ele por isso, e ele o coloca para dormir de novo; ou ainda quando um
grupo de esquerdistas estão conversando sobre a campanha enquanto fazem um
churrasco. Além disso, Larraín usa diversas imagens de arquivo que se inserem
com perfeição visual ao longa.
Esse realismo se adéqua com perfeição ainda à
própria narrativa, que visa observar os bastidores da campanha. Desse modo, em
diversas cenas, podemos observar desde o planejamento até a filmagem de propagandas
defendendo tanto a prevalência de Pinochet, quanto a democracia. E, o que é
muito interessante, essas propagandas são extremamente parecidas.
Larraín ainda consegue usar seu filme com o
propósito de levantar algumas discussões. Muitos dos esquerdistas que compõem a
campanha do “Não” nem mesmo acreditam que ganharão, mas querem usar aquela
oportunidade apenas para demonstrar seu desgosto para com a ditadura. O que é
algo no mínimo... triste. Essa falta de perspectiva na melhora da humanidade,
de que esta possa ser pelo menos consciente quanto ao que pessoas como Pinochet
fazem ao seu próprio país, de certa forma revela o pessimismo enorme com que nos
vemos encarando a sociedade: como um bando de ovelhas que não conseguem olhar
além de seu próprio nariz. E como poderíamos, afinal? As provas que temos
sempre são basicamente de pessoas que se negam a enxergar algo que não lhes
seja agradável, que doa um pouco, mesmo que por excesso de realidade. Assim, é
sintomático que a melhor forma de fazer essa campanha do “Não” se revele
através de um otimismo que se distoe dos horrores que a ditadura promoveu. Além
disso, Larraín tem a inteligente decisão de mostrar algumas pessoas se
ofendendo com a forma como a campanha é conduzida.
Com um elenco coeso, o único que realmente
ter a oportunidade de trabalhar melhor seu personagem é o ótimo Gael García
Bernal (Diários de Motocicleta, Ensaio
Sobre a Cegueira, etc). Seu René é um sujeito que já foi exilado no
exterior, junto com seu pai. Mas, no momento em que o longa acontece, ele vive
uma excelente vida material, trabalhando como respeitado publicitário, que
conhece bem as artimanhas da profissão, e usufrui de uma prosperidade dos anos
da ditadura. Ainda assim, René não é um cara feliz (é só olhar para sua
expressão em qualquer momento do longa para constatarmos isso), já que sua
mulher é rebelde e luta contra a ditadura com unhas e dentes, constantemente
sendo presa por isso, e se separou dele. Há uma certa ambiguidade no personagem
no que se refere ao modo como enxerga a realidade chilena: se ao mesmo tempo já
foi exilado e não aprove a ditadura, René parece viver numa realidade
alternativa àquela, e o próprio modo como conduz a campanha do “Não” indo
contra todas as pessoas que se sentiram realmente ofendidas por apresentá-la de
modo leve e otimista, já é prova disso. E Gael García Bernal interpreta-o com
perfeição, conseguindo torná-lo uma figura ainda mais complexa e fascinante
principalmente pela sua expressão no final, quando não consegue encontrar sentido
que o satisfaça emocionalmente diante da felicidade de seus companheiros.
Divertindo com os bizarros comercias de
propaganda política da época (o do homem com uma figura escrito “No!” na língua,
e a de “No ticias” são particularmente estranhas e engraçadas), No não é um filme que vai agradar todo
mundo. Os mais ignorantes vão tachá-lo de “chato”. Mas é um longa complexo e
interessante com um visual peculiar que realmente alcança todos os objetivos a
que pretendia. É um filme excelente.
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