sábado, 29 de dezembro de 2012


Crítica filme "No" (No / 2012 / Chile) dir. Pablo Larraín

por Lucas Wagner


  Sempre achei comerciais de TV algo extremamente hilário. Não que todos sejam de fato bons, mas pela própria “tosquice” de sua existência. Em comerciais sobre pastas de dente, por exemplo, as pessoas estão surrealisticamente felizes por fazer algo tão comum e rotineiro como escovar os dentes. Mas muito do que faz com que esses comerciais todos sejam tão fora da realidade está baseado em conceitos que guiam a publicidade; em algo que faz vender. Em No, novo filme de Pablo Larraín, o que se procura vender é uma ideia numa campanha política, e muito do que se pôe em cheque é a melhor forma de se vender a ideia de que a ditadura seja algo ruim.

  O filme se passa no Chile em 1988, quando o ditador Augusto Pinochet, pressionado pelo resto do mundo, anuncia um peblicito para ser decidido se ficará ou não no poder. Dividem-se então o grupo do “Sim” e do “Não”, e cada um tem 15 minutos diários na TV para promover sua campanha. Acompanhamos os desenvolvedores da campanha do “Não”, formada por partidos de esquerda.

  Pablo Larraín toma uma decisão interessantíssima quanto ao visual do seu longa, e o filma completamente em U-Matic, que era a tecnologia usada pela publicidade para gravação em videocassete. Assim, No pode até afastar algumas pessoas diante dessa escolha, mas de fato é fascinante, já que parece que estamos vendo algo realmente filmado em 1988. E, além de servir como uma luva no sentido temático, essa tecnologia trás até uma beleza peculiar para o longa, meio retro (não, eu não sou hipster), que Larraín reconhece bem, e, juntamente com o diretor de fotografia, usa muitas vezes a imagem desfocada e estourada de encontro com a luz, o que produz resultados admiráveis e belos.  

  Larraín acerta ainda ao conferir extremo realismo ao longa. S       em trilha sonora, Larraín investe em cenas que, em si mesmas, não fazem muito pelo filme, mas que ajudam a estabelecê-lo, assim como seus personagens, como pautados no mundo real, palpápel. Um exemplo bem claro disso é quando René (Gael García Bernal) está usando o trilho de brinquedo de seu filho, e o garotinho vem brigar com ele por isso, e ele o coloca para dormir de novo; ou ainda quando um grupo de esquerdistas estão conversando sobre a campanha enquanto fazem um churrasco. Além disso, Larraín usa diversas imagens de arquivo que se inserem com perfeição visual ao longa.

  Esse realismo se adéqua com perfeição ainda à própria narrativa, que visa observar os bastidores da campanha. Desse modo, em diversas cenas, podemos observar desde o planejamento até a filmagem de propagandas defendendo tanto a prevalência de Pinochet, quanto a democracia. E, o que é muito interessante, essas propagandas são extremamente parecidas.

  Larraín ainda consegue usar seu filme com o propósito de levantar algumas discussões. Muitos dos esquerdistas que compõem a campanha do “Não” nem mesmo acreditam que ganharão, mas querem usar aquela oportunidade apenas para demonstrar seu desgosto para com a ditadura. O que é algo no mínimo... triste. Essa falta de perspectiva na melhora da humanidade, de que esta possa ser pelo menos consciente quanto ao que pessoas como Pinochet fazem ao seu próprio país, de certa forma revela o pessimismo enorme com que nos vemos encarando a sociedade: como um bando de ovelhas que não conseguem olhar além de seu próprio nariz. E como poderíamos, afinal? As provas que temos sempre são basicamente de pessoas que se negam a enxergar algo que não lhes seja agradável, que doa um pouco, mesmo que por excesso de realidade. Assim, é sintomático que a melhor forma de fazer essa campanha do “Não” se revele através de um otimismo que se distoe dos horrores que a ditadura promoveu. Além disso, Larraín tem a inteligente decisão de mostrar algumas pessoas se ofendendo com a forma como a campanha é conduzida.

  Com um elenco coeso, o único que realmente ter a oportunidade de trabalhar melhor seu personagem é o ótimo Gael García Bernal (Diários de Motocicleta, Ensaio Sobre a Cegueira, etc). Seu René é um sujeito que já foi exilado no exterior, junto com seu pai. Mas, no momento em que o longa acontece, ele vive uma excelente vida material, trabalhando como respeitado publicitário, que conhece bem as artimanhas da profissão, e usufrui de uma prosperidade dos anos da ditadura. Ainda assim, René não é um cara feliz (é só olhar para sua expressão em qualquer momento do longa para constatarmos isso), já que sua mulher é rebelde e luta contra a ditadura com unhas e dentes, constantemente sendo presa por isso, e se separou dele. Há uma certa ambiguidade no personagem no que se refere ao modo como enxerga a realidade chilena: se ao mesmo tempo já foi exilado e não aprove a ditadura, René parece viver numa realidade alternativa àquela, e o próprio modo como conduz a campanha do “Não” indo contra todas as pessoas que se sentiram realmente ofendidas por apresentá-la de modo leve e otimista, já é prova disso. E Gael García Bernal interpreta-o com perfeição, conseguindo torná-lo uma figura ainda mais complexa e fascinante principalmente pela sua expressão no final, quando não consegue encontrar sentido que o satisfaça emocionalmente diante da felicidade de seus companheiros.

  Divertindo com os bizarros comercias de propaganda política da época (o do homem com uma figura escrito “No!” na língua, e a de “No ticias” são particularmente estranhas e engraçadas), No não é um filme que vai agradar todo mundo. Os mais ignorantes vão tachá-lo de “chato”. Mas é um longa complexo e interessante com um visual peculiar que realmente alcança todos os objetivos a que pretendia. É um filme excelente. 

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