Crítica filme "As Vantagens de Ser Invisível" (The Perks Of Being a Wallflower / 2012 / EUA) dir. Stephen Chbosky
por Lucas Wagner
As
Vantagens de Ser Invisível é um caso raro de filme que superou o livro. Não
que o romance original seja ruim. Pelo contrário: é um livro sensível e tocante
que explora com habilidade o seu complicado protagonista, ao mesmo tempo em que
nos proporcionava passagens belíssimas e reflexivas, sobre as quais tínhamos
até que fechar o livro por alguns instantes para poder pensar um pouco. Mas
talvez eu tenha gostado um pouco mais do filme pelas excelentes atuações de
Logan Lerman, Emma Watson (suspiros apaixonados) e Ezra Miller, e a trilha
sonora envolvente e sugestiva com vários nomes do rock alternativo das décadas
de 80/90. Não só por isso, talvez, mas vou discorrer mais sobre o que me fez
gostar tanto do longa no decorrer desse texto.
Acompanhamos a história de Charlie (Lerman),
garoto tímido e excluído, que obviamente sofre de grave depressão, tendo
momentos de recaídas que teme bastante. A vida de Charlie muda completamente no
seu ensino médio, quando faz amizades profundas e significativas,
principalmente com Sam (Emma Watson) e Patrick (Ezra Miller).
Uma enorme sorte de As Vantagens de Ser Invisível foi ter como diretor e roteirista o
próprio autor do livro, Stephen Chbosky, que mais do que ninguém, compreende a
essência de seu romance, de seus personagens, e consegue transportar toda essa
força para a tela com grande eficácia. Sem possuir uma linguagem
cinematográfica mais rebuscada, Chbosky dá grande valor à força dos diálogos
que ele mesmo criou no romance e que foram traduzidos aqui. É impossível não se
impressionar com a qualidade, a honestidade, a inteligência e a profundidade de
diálogos e reflexões da maravilhosa narração em off de Charlie, como: “Eu sou feliz e triste ao mesmo tempo, e
ainda estou tentando entender como posso ser assim”; “Eu era realmente popular,
até começar a ouvir música boa”; ou ainda a reflexão final e profundamente
avalassadora, proferida pro Charlie. Chbosky tem uma direção sensível e bonita,
delicada, que observa aqueles personagens com carinho e compreensão, usando de
poucos artifícios que enriquecem a linguagem de seu filme, mas que aqui é algo
que não classifico como um erro, já que não atrapalhou nem um pouco. Em alguns
momentos ele sabe usar muito bem a linguagem cinematográfica, como quando,
algumas vezes, filma Sam em contra-plongé (câmera apontando de baixo para cima),
conferindo maior importância à personagem, ou ainda quando, em vários momentos,
filma Charlie no centro do quadro, em um plano aberto, ressaltando a solidão
deste. Ah, e quase me esqueci de comentar o excelente uso que o diretor faz de
vários raccords, dando mais
dinamicidade à narrativa, ao mesmo tempo em que produz alguns bem elegantes e
inteligentes, como aquele que é meu favorito: um padre coloca uma hóstia na
boca e Charlie e, usando um raccord, Chbosky
corta para uma cena que ele coloca LSD na boca. O uso da trilha incidental,
composta por canções de The Smiths, Pavemente, New Order e, principalmente, a
canção “Heroes” de David Bowie, é excepcional, já que, além de servir para
demonstrar o bom gosto dos personagens, é eficaz ao possuir, em suas próprias
letras, palavras que desenvolvem ainda mais a psicologia daquelas pessoas.
Mas Chbosky é também inteligente ao não se
empolgar demais por estar filmando seu próprio e romance, e assim não teme
deixar de lado várias passagens de seu livro, que no filme não teriam tanta
importância e apenas aumentariam o tempo de duração. Desse modo, até mesmo a
tão trabalhada (no livro) relação entre Charlie e seu professor de inglês, Sr.
Anderson (Paul Rudd) é aqui deixada de lado, para evitar desviar o filme da
narrativa central. Além disso, eu gostei demais
do fato de Chbosky não evitar que um determinado ato seja consumado
bem no final do filme*, algo que tinha evitado no livro e que me deixou irritado
quando li. Na verdade, foram pouquíssimas as coisas que não me agradaram no
filme como adaptação, sendo, por exemplo: no longa, os pais de Charlie perdem
qualquer tridimensionalidade que tinham no livro; o relacionamento de Charlie e
a irmã, tão envolvente e complexo no romance, aqui nem dá sinal de ser
desenvolvido; entre outras coisinhas mínimas.
O centro da narrativa é Charlie, e não uma
reflexão da dificuldade de ser um adolescente, como muitos classificam a obra. As Vantagens de Ser Invisível é um
estudo de personagem extremamente complexo. Charlie é sozinho, mas ao mesmo
tempo extremamente bondoso; uma bondade sincera, de querer ver as pessoas que
ama bem e felizes, deixando que passem por cima dele e muitas vezes deixando
suas próprias necessidades de lado. Por todos os tormentos que já passou em sua
jovem e sofrida vida, Charlie é visto como esquisito, estranho, até mesmo por
ele mesmo; possui uma auto-estima baixíssima e a perspectiva de fazer amigos é
a única coisa que o mantém respirando (além da vontade de não incomodar ninguém
com seus problemas). Assim, logo nos identificamos com ele, com seus tormentos
e problemas, e torcemos por ele. Além disso, por compreendermos tão bem o
personagem, logo nós compreendemos também a absurda importância que a amizade
com Sam e Patrick tem para ele, e nos sentimos confortáveis e até sorrimos nos
momentos de intimidade e alegria que aquele grupo vivencia (a cena que Patrick,
depois de saber de um fato trágico da vida de Charlie, propõe um brinde à ele,
é de dar um nó na garganta). Ele pode ser um garoto estranho, mas o perdoamos
em suas mancadas e sofremos por ele em suas maiores esquisitices, quando essas
o colocam em apuros, justamente pela eficácia do desenvolvimento do personagem.
Charlie ainda vai se tornando mais e mais complexo no decorrer da narrativa, o
que é sempre muito bom, e o torna ainda mais fascinante.
Logan Lerman é um ator fantástico ao
conseguir interpretar com perfeição um personagem tão difícil como Charlie. E
são nos detalhes que ele mais impressiona. Observem o sorriso que não consegue
segurar quando volta para casa depois de sua primeira saída com Sam e Patrick;
ou ainda na entonação engasgada, sofrida, que adota em diversos momentos. Emma
Watson (por quem nutro uma espécie de amor platônico, como aqueles que convivem
comigo bem sabem) também está simplesmente maravilhosa como Sam, conseguindo
torná-la ainda mais interessante do que é no livro. Watson cria uma Sam doce e
apaixonante, com uma certa melancolia pelos seus próprios atos imaturos que um
dia já teve, que simplesmente é de partir o coração. Também Ezra Miller
impressiona. Embora interpretando Patrick com mais afetação do que o
necessário, o ator transforma-o em uma figura extremamente divertida, mas ainda
consegue a proeza de não torná-lo caricato, fazendo com que nos importemos e
sintamos a angústia do personagem frente a determinados acontecimentos. Embora
eu já gostasse de Sam e Patrick no livro, as performances de Watson e Miller
conseguiram transformá-los em figuras ainda mais complexas e interessantes,
algo que enriquece bastante o longa. O resto do elenco está perfeito, embora
nem todos recebam tanta atenção quanto esses três principais.
Há, no entanto, um elemento que é fundamental
para meu carinho com essa obra (tanto livro como filme, mas principalmente o
último) que não dá para discutir aqui. Como disse o crítico Pablo Villaça certa
vez: “um filme são todos os filmes que você já viu, o que está vendo, e tudo
que já viveu em sua vida”. Assim, As
Vantagens de Ser Invisível reflete (assim como dois outros belíssimos
filmes desse ano: Drive e Moonrise Kingdom) muitos sentimentos
meus como pessoa, meu referente pessoal. Dessa forma, muita da emoção que eu
senti vendo esse filme (e lendo o livro), muitas das vezes que enchi os olhos
de lágrimas ou que me arrepiei, se referem a uma identificação mais profunda
que sinto com a obra. O que não deve ser desconsiderado dentro da minha
apreciação da obra, mas que não tem muito lugar numa análise crítica.
Conseguindo se colocar, sem vergonha de ser
feliz, como um dos melhores filmes do ano, As
Vantagens de Ser Invisível ainda entrega uma sequência final maravilhosa (mesmo
sendo idêntica à do livro) que consegue arrepiar e nos deixar com um grande
sorriso no rosto e um sentimento de gratidão por ter acompanhado, durante essas
duas belíssimas horas, a história do complicado Charlie, e de sabermos, mesmo
diante de um final aberto como esse, que ele está no caminho de uma existência
mais plena e feliz.
*SPOILER: o ato a que me referi é a transa
entre Sam e Charlie. Ok, não foi certeza que aqui eles transaram, mas pelo
menos Chbosky nos deu o benefício da dúvida.
Adorei a sua análise sobre o filme, principalmente quando se refere à identificação do espectador com a história, e acho que é realmente esse o ponto principal da obra, sua apelação à identificação.
ResponderExcluir