sexta-feira, 12 de outubro de 2012


Resenha filme "Os Infratores" (Lawless / 2012 / EUA) dir. John Hillcoat

por Lucas Wagner


  Certos tipos de filme possuem um charme que lhe é inerente, como o horror/comédia trash, o cinema noir, o faroeste, etc. Um desses gêneros com certeza é o dos gângsters da época da Lei Seca nos EUA. As Tommy Guns, os ternos elegantes, os chapéus, a cara de mal, tudo isso já confere um charme irresistível a qualquer filme que venha a tratar de um tema como esse. Mas um longa metragem não se sustenta simplesmente com esse charme; esse deve vir mais como uma cobertura de um bolo. Tendo “substância”, um filme apenas se enriquece pelo seu gênero. Infelizmente, esse Os Infratores não tem “substância”. Tem o charme, mas não o recheio, e por isso mesmo se mostra uma obra falha, que não consegue nem aproveitar o excelente elenco que tem à disposição. E o pior é que o filme anterior de seu diretor, John Hillcoat, foi a obra-prima extraordinária A Estrada (não confundam com Na Estrada de Walter Salles).

  Bom, tecnicamente não há o que reclamar, realmente. A direção de arte está impecável, reconstruindo ambientes do interior dos EUA na década de 1920 com perfeição. Os figurinos também estão perfeitos, conseguindo o glamour desejado. Além disso, Hillcoat reuniu aqui uma curiosa trilha sonora incidental que apenas enriquece o seu trabalho. Porém, narrativamente o filme é muito falho. O roteiro de Nick Cave é esforçado, mas fica a impressão de que o roteirista não sabia bem o que estava fazendo, e assim o seu trabalho aparece todo desestruturado, resultando em um longa que parece não encontrar o seu centro em momento algum. Se parece que acompanharemos a luta pela liderança do contrabando, com a polícia no encalço dos Bondurant (família de contrabandistas protagonista), em outros o roteiro pula logo para tentar mostrar Jack Bondurant (Shia LaBeouf) se estabelecendo como um gângster de classe, ou tenta se focar nos relacionamentos amorosos de Jack e Bertha (Mia Wasikowska) ou Forest (Tom Hardy) e Maggie (Jessica Chastain), mas nunca consegue estabelecer um centro narrativo e deixar os outros como coadjuvantes (pela lógica o centro é a luta de poder dos Bondurant com a polícia, mas o roteiro desfoca demais desse assunto). Além disso, Cave investe demais em cenas inúteis, e no Cinema, cada mísera cena de um filme deve ter alguma importância dentro do desenvolvimento dos personagens ou da trama; mas Cave não parece compreender isso, e somos obrigados a presenciar momentos particularmente inúteis como quando Jack vai bêbado à uma igreja.

  Hillcoat não está muito melhor do que Cave e se afasta muito do diretor que foi quando dirigiu A Estrada, parecendo aqui estar sempre no piloto automático. Os maiores problemas de seu trabalho ficam principalmente na questão do ritmo. Os Infratores possui um ritmo absurdamente irregular, revelando um Hillcoat que não sabe bem como lidar com o roteiro de Cave, e assim pula de um tipo de cena para outra sem qualquer lógica, usando diversas vezes montagens para acelerar o tempo como verdadeiras muletas narrativas.

  Quanto ao elenco, é de encantar os olhos de qualquer cinéfilo: Shia LaBeouf, Tom Hardy, Jessica Chastain, Mia Wasinkowska, Gary Oldman, Guy Pearce, Dane DeHaan, etc. No entanto, desses todos, os únicos que realmente conseguem fazer algo de útil com seus personagens são Shia LaBeouf e Tom Hardy. O primeiro se mostra um ator competentíssimo lutando para se desfazer da “fama” que conseguiu na trilogia Transformers, focando-se agora em papéis mais sérios. E LaBeouf é extremamente feliz na sua performance de Jack, conseguindo estabelecer muito bem um arco dramático pro personagem, tornando-o tridimensional e caro ao espectador. Um momento em particular me chamou muita atenção, e deixou mais do que claro o talento do ator, que é quando seu irmão Forest tem uma conversa com ele, logo depois que ele levou uma tremenda surra. Envergonhado e sendo insultado pelo irmão, Jack fica com os olhos marejados e, mesmo sabendo que isso é algo improvável, promete que cuidará do assunto com as próprias mãos, mas admite (completamente embaraçado) que precisará de ajuda. Esse momento, aliás, deixa bem definida a psicologia do personagem: um rapaz que admira os irmãos durões e maus, mas encontra dificuldade em ser como eles, embora morra de vontade (é, tá, pode ser clichê, mas aqui é bem trabalhado, que é o que realmente importa). Agora Tom Hardy, pela quinta vez esse ano entrega uma excepcional atuação (as outras vezes foram nos impecáveis O Espião Que Sabia Demais e Guerreiro, no ótimo Batman – O Cavaleiro Das Trevas Ressurge, e no fraco Guerra é Guerra). Seu Forest Bondurant é um homem durão e perigoso, que já acredita ser uma verdadeira lenda imortal. E Hardy lhe confere imponência e força, como um sujeito que não aceita abaixar a cabeça para ninguém; ao mesmo tempo o ator deixa claro seu amor pelos irmãos, o que é importante para humanizar o personagem. Hardy ainda é muito feliz ao, assim como fez em sua performance como Bane no filme do Batman, incluir pequenos trejeitos humorísticos, como no grunhido que sai de sua garganta em diversos momentos do longa, revelando irritação, cansaço e até curiosidade, só que de uma forma animalesca. Aliás, os melhores momentos de humor vêm dele, já que o roteiro aproveita bem a fama dele de ser imortal e faz graça das diversas vezes que ele enfrenta situações mortais e não morre (e não pude deixar de dar uma grande gargalhada bem no final do filme, numa situação dessas).

  Agora de resto, vemos atores esforçados mas castrados pelo roteiro. A linda Jessica Chastain (do maravilhoso A Árvore da Vida) luta o tempo inteiro para deixar sua Maggie mais complexa e trágica, mas o roteiro insiste em deixá-la apenas como interesse romântico de um personagem. A mesma coisa com Mia Wasikowska (e esse não é a primeira vez que essa ótima atriz é prejudicada por um roteiro), que tenta conferir ambiguidade entre a rebeldia e a “santidade” de sua Bertha, mas não consegue. Dane DeHaan (que esse ano esteve simplesmente impecável no ótimo Poder Sem Limites) não pode fazer simplesmente nada com seu Cricket, ao passo que Gary Oldman tem uma performance potencialmente interessante como o gangster Floyd Benner, mas que é um personagem sem qualquer importância dentro do filme, que é completamente esquecido (!!!!!!!!!!!!!!!) a partir de determinado momento (e os realizadores realmente deveriam receber umas aulas de economia, já que contratar um ator de nome e caro como Oldman para um papel desse não faz o menor sentido). Quem está ruim na verdade, independente do roteiro, é Guy Pearce (ator geralmente competente), que interpreta de maneira vergonhosa o vilão Charley Rakes, indivíduo afetado e babaca, o que com a atuação estereotipada e exagerada de Pearce, fica particularmente difícil de assistir.

  Assim sendo, esse Os Infratores foi uma grande decepção para mim, que tinha todos os motivos do mundo para adorar esse filme. Acho que realmente os Bondurant mereciam coisa melhor. Bem melhor.

  OBS: Essa é a terceira vez em 2012 que Tom Hardy e Gary Oldman trabalham juntos, sendo que as duas outras vezes foram em O Espião Que Sabia Demais e Batman – O Cavaleiro Das Trevas Ressurge.

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