sábado, 1 de setembro de 2012



Resenha filme "Intocáveis" (Intouchables / 2012 / França) dir. Oliver Nakache e Eric Toledano

por Lucas Wagner

  É praticamente impossível não gostar desse Intocáveis. É uma comédia com teor dramático simplesmente adorável, divertida e muito engraçada, o que acontece em função de que seus personagens principais são cativantes e bem interpretados. Mas não é uma obra-prima, de modo algum, embora muitos tenham me dito isso antes que eu pudesse assistir ao filme. Ouvi dizer que é o filme francês de maior bilheteria de toda história da França, o que é esquisito para um país com um Cinema geralmente admirável, com muitos filmes melhores do que esse. Talvez isso seja porque esseIntocáveis seja um longa francês mais... “fácil” para o espectador comum que não deseja pensar muito quando vai ao cinema. Mas isso não diminuí o longa (a não ser para aqueles horríveis “pseudo-cinéfilos” que acham que filmes bons são apenas aqueles aos quais ninguém assistem). O que o diminuí um pouco são alguns defeitos e uma certa artificialidade que discutirei abaixo.

  Acompanhamos a história real (mas com várias “liberdades artísticas”) do tetraplégico Philippe (François Cluzet), que está precisando de um novo enfermeiro, quando conhece Driss (Omar Sy), um negro que acabou de sair da prisão e foi expulso do lugar onde morava. A partir disso, os dois vão desenvolvendo uma amizade que guia o filme.

  O ponto mais alto do longa é sem dúvida o seu humor, que surge sempre leve e autêntico, já que os diretores Oliver Nakache e Eric Toledano (também roteiristas do filme) nunca tentam forçar a barra, deixando que situações engraçadas vão surgindo ao longo da simples observação da rotina dos dois protagonistas. Além disso, é notável que os dois cineastas demonstrem uma tocante sensibilidade no que diz respeito ao desenvolvimento da relação dos dois personagens, que vão desenvolvendo uma amizade que surge de maneira natural e espontânea (e os méritos disso não são apenas dos diretores, mas dos dois atores que interpretam os personagens principais, como discutirei daqui a pouco). Essa sensibilidade é que permite que o humor surja tão naturalmente, surgindo como situações do cotidiano dos dois amigos. Assim, quase não há uma cena em que o expectador não ria bastante (não só eu, mas toda a plateia ria quase sem interrupção), como a que Driss faz a barba de Philippe, ou ainda naquela em que Driss brinca, chocado, com a insensibilidade à dor por parte de Philippe. Nakache e Toledano ainda se mostram eficazes em uma brincadeira ácida e divertida em relação à situação da Arte na atualidade, ironizando o fato de que tantos quadros caríssimos não sejam nem mais nem menos do que simples rabiscos, em que o artista parece simplesmente ter jogado tinta no quadro.

  Mas é principalmente a química entre os atores Cluzet e Sy (que interpretam, respectivamente, Philippe e Driss) que é a maior responsável pelo sucesso do longa e do seu humor. Interpretando Driss como um sujeito incrivelmente irreverente e divertido, Sy se mostra um ator competente ao conferir maior tridimensionalidade ao seu personagem a partir de detalhes de sua atuação, demonstrando o seu cuidado com Philippe (um gesto do enfermeiro dentro do avião particular de seu patrão é um momento particularmente interessante da atuação de Sy). Sempre rindo e brincando com a situação de Philippe, mas sem nunca desrespeitá-lo, Driss é um sujeito adorável que nos deixa alegres a todo momento em que está em cena. E Sy mais uma vez se mostra um profissional competente ao investir numa performance mais séria no que diz respeito à situação de Driss e sua família. Já Cluzet interpreta Philippe como um sujeito que já aceitou sua condição física e não sofre mais tanto com isso. Sendo um personagem um pouco mais complexo do que Driss, Cluzet investe numa performance mais sóbria, de um sujeito que já sofreu bastante e que agora apenas quer encontrar algum conforto e alegria ao lado de seu amigo/funcionário e de uma “namorada” com quem conversa apenas por cartas e tem medo de conhecer. Cluzet chega ao ápice de sua atuação em um monólogo particularmente doloroso, em que o personagem discute tristezas de seu passado, quando o ator mantém-se sóbrio, firme e calmo, mas revela um leve desespero em sua voz e nas lágrimas que surgem timidamente em seu rosto. Juntos, Cluzet e Sy desenvolvem uma química irresistível, construindo uma amizade que vai surgindo com calma e, por isso mesmo, ganha contornos tão tocantes ao longo do filme, nos permitindo rir de sua intimidade e das piadas que fazem um com o outro.

  Porém, assim como comentei em outro ótimo filme desse ano, Solteiros Com Filhos (http://mestredeobras.blogspot.com.br/2012/06/resenha-filme-solteiros-com-filhos.html)se os personagens principais são figuras tridimensionais e tocantes, os roteiristas falham no sentido de torná-los mais complexos. Assim como em Solteiros Com Filhos, talvez isso tenha sido proposital emIntocáveis, para que o filme não perdesse sua leveza. Mas isso faz com que, em contrapartida, nós levemos o filme menos a sério, e não é porque tenha personagens complexos que um filme não possa transmitir leveza (exemplos: O Fabuloso Destino de Amelie Poulain, Clube da Lua, Zumbilândia, etc). Os roteiristas, no entanto, procuram, de vez enquanto, tornar os protagonistas figuras mais complexas, infelizmente falhando nessa tarefa. A subtrama envolvendo Driss e sua família possui como único objetivo torná-lo mais complexo, mas os roteiristas desenvolvem tão mal essa situação que ela fica apenas confusa e apressada. Assim, nunca entendemos os motivos para que Driss tome certas atitudes no terceiro ato, o que acaba desestruturando o filme. Também, toda a história de Philippe não querer um enfermeiro que tenha pena dele (por mais que Cluzet torne essa situação interessante), acaba falhando por se mostrar clichê. Aliás, o roteiro não consegue escapar de muitos clichês, além desse, como o do parente mais novo que se mete em confusão e leva um personagem a tomar uma atitude que não quer, ou da secretária gostosa e seus flertes com um dos personagens, etc. Ainda, é uma pena que Nakache e Toledano pequem no modo como finalizam o filme, que acaba completamente sem sentido e súbito demais, deixando que o espectador deixe a sala de projeção com um sentimento de que “faltou alguma coisa”. Era para ser um final aberto, mas falhou nisso. Aliás, todo o terceiro ato surge mais defeituoso, já que Nakache e Toledano não resistem à tentação de criar um conflito para conferir mais “dramaticidade” ao filme, algo que surge completamente falso e artificial, algo que não tinha acontecido no longa até então.

  Por outro lado, o filme ainda conta com uma fotografia inteligente de Mathieu Vedepied, que, juntamente com os diretores, investe em planos abertos e cores claras ao filmar a vida de Philippe e Driss, enquanto vemos mais planos fechados e cores escuras no que se refere a Driss e sua família; além disso, a trilha sonora criada por Ludovico Einaudi é belíssima e confere um clima para as cenas sem nunca parecer melodramática. Aliás, a direção de Nakache e Toledano ainda merece créditos por não permitir que nenhum momento do filme soe por demais melodramático, o que o deixa mais realista e sem tentar forçar a barra para emocionar o espectador.

  Sendo assim, Intocáveis pode não ser uma obra-prima sublime, mas é um filme completamente cativante que deixa o espectador com um sorriso no rosto desde o início até os créditos finais, o que já o torna uma ótima experiência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário