sexta-feira, 8 de junho de 2012



Resenha filme "Prometheus" (Prometheus / 2012 / EUA) dir. Ridley Scott


Por Lucas Wagner

  Prometheus certamente criou uma comoção enorme tanto para cinéfilos, quanto para aqueles interessados em indagar sobre os segredos do Universo. E principalmente criou uma comoção enorme para aqueles que são as duas coisas que falei... como eu. Isso aconteceu primeiramente porque o filme representa a volta, depois de cerca de 30 anos, do cineasta Ridley Scott ao gênero de ficção científica, ao qual contribuiu com duas obras-primas inesquecíveis: Alien - O 8º Passageiro Blade Runner. Além disso, Prometheus nasceu de um projeto que seria um prelúdio de Alien - O 8º Passageiro, e, como discutiam empolgados os realizadores, foram sendo desevolvidas idéias tão novas que os levaram a criar um novo filme. Ainda, o longa teve uma campanha de marketing fabulosa, com trailers e pôsters de tirar o fôlego. Mas Prometheus empolgou tanto também pelos discursos orgulhosos de Ridley Scott ao discutir questões altamente filosóficas que estariam no filme e por se propor a analisar as extremamente intrigantes idéias de Erich von Däniken em seu livro Eram os Deuses Astronautas. Meu Deus, Scott chegou a comparar o filme a 2001 - Uma Odisséia no Espaço!

  Mas... e aí? Prometheus cumprius? Em grande parte, fico feliz de dizer que sim... cumpriu. O filme consegue levar o espectador a reflexões profundas acerca do Homem, do nosso papel no Universo, se existe Deus, quem nos criou... na verdade, o longa lembra mais Blade Runner do que Alien, levando-se em conta as suas reflexões. Ainda, o filme conta com personagens intrigantes vindos de um elenco extraordinário, e consegue ser tenso, bastante tenso (mas não tão tenso quanto Alien).

  Primeiro, os personagens. O filme conta com um elenco absolutamente invejável composto por gente como Noomi Rapace, Michael Fassbender, Charlize Theron, entre vários outros. Diferente do que geralmente acontece em uma obra grande como essa, aqui os roteiristas demonstram verdadeiro interesse em desenvolvê-los, o que só é ajudado pelas excelentes atuações. Alguns dos mais interessantes personagens eu comentarei um pouco.

  Charlize Theron confere uma dureza imprecionante à sua Meredith Vickers, embora esta não observe essa dureza de caráter como algo 100% bom, mas a ressente, o que fica claro em sua reação ao ser comparada com um robô. E Theron mais uma vez confere essa complexidade com sutileza adequada. Logan Marshall-Green interpreta o Dr. Charles Holloway de uma maneira interessante, conferindo genuíno interesse ao cientista na sua busca por respostas, ao mesmo tempo que estabelece todo o seu amor e carinho por Elizabeth Shaw (Rapace) através de gestos simples e sinceros, como ao arrumar o cabelo da amada depois que esta retira seu capacete, o que apenas o torna mais tridimensional.

  Noomi Rapace é uma atriz que ganha cada vez mais meu respeito. Depois de ter tido uma atuação inesquecível na fraca versão sueca de Millenium - Os Homens que não Amavam as Mulheres, e de ter sido desperdiçada no também ruim Sherlock Holmes - O Jogo das Sombras, a atriz sueca (dona de uma beleza simples, mas apaixonante) consegue transformar a protagonista Elizabeth em uma figura complexa e interessante. A moça tem uma crença firme na existência de Deus (simbolizado pelo enorme crucifíxio que usa), mas ao mesmo tempo procura conhecer os segredos do Universo através dos olhos da Ciência. O próprio fato de estar procurando os verdadeiros criadores da raça humana já poderia destruir sua religiosidade, mas as suas descobertas apenas a tornam mais firme em suas crenças, como se apenas aumentassem seu apetite pelo mistério da existência. E todo o processo pelo qual passa no decorrer do filme apenas a torna mais interessante, já que ela passa a questionar de maneira mais brutal e desesperada pelo sentido da vida. Ela quer acreditar que a vida tem um sentido e que não é apenas caos, por mais que tudo mostre o contrário. Isso a torna cada vez mais impressionante, e Rapace consegue demonstrar isso tudo com firmeza e doçura fabulosos.

  Mas o melhor e mais complexo personagem fica mesmo por conta do grande Michael Fassbender. Ele interpreta o andróide David, e cria nele uma figura extremamente intrigante, que de uma forma ou de outra, acaba lembrando o inesquecível HAL 9000 de 2001 - Uma Odisséia no Espaço. Completamente interessado nas características da humanidade, David demonstra ao mesmo tempo se ver como uma figura superior, como se uma espécie evoluída, mas que possui "sentimentos" claramente conflituosos que o levam a agir, muitas vezes, de maneira não racional, o que o torna mais complexo. Vejam como ele olha os outros componentes da expedição sempre com interesse, mas com o interesse com que um humano enxerga  o comportamento de um chimpanzé; e nesse seu interesse, David muitas vezes diz coisas que podem machucar seus interlocutores. David se torna um personagem ainda mais fascinante quando observamos que ele também busca respostas para perguntas profundas, e enxerga o conhecimento como um grande aliado seu (como nas suas indagações sobre a morte). Ainda, o personagem se insere em uma relação dialética com todo o contexto: os "Engenheiros" (quem ver o filme entenderá) criaram os humanos, e os humanos criaram os andróides (quem eles - os humanos - enxergam como "empregados"), mas, se os seres humanos estão em busca do conhecimento de sua origem para, de uma forma ou de outra, encontrar sua importância no Universo, como eles podem enxergar os robôs como uma raça sem importância se eles (os humanos) são como se fossem os robôs para os "Engenheiros", ou seja, sua criação? Essa reflexão fica bem clara em um diálogo marcante entre Holloway e David, no qual o primeiro indaga o por quê os "Engenheiros" os criaram e David pergunta "por quê vocês me criaram?", e Holloway responde: "porque podemos", recebendo como resposta o olhar e sorriso divertidos de David.

  Aqui podemos entrar nas discussões filosóficas do filme e peço liçensa a vocês, leitores, para viajar. Quem somos nós? De onde viemos? Temos alguma espécie de importância no Universo, ou somos meros comglomerados de substâncias químicas flutuando no espaço? Prometheus deixa bem claro sua opnião sobre a origem do Homem na maravilhosa cena inicial na qual um alienígena, ao estilo de Jesus Cristo, comete um sacrifício em prol da vida, da origem da vida na Terra. Seguindo as teorias de Erich von Däniken e as teorias da "semente" (que diz que fomos criados por alienígenas), na trama do longa descobrimos que fomos de fato genéticamente desenhados por seres alienígenas superiores. Então... é isso? Não passamos do produto de uma outra raça? E quem criou essa raça? Deus? Quem é Deus... o que é Deus?

  Enquanto estamos englobados em nossa existência, em nossas emoções, memórias, parece sinceramente haver um propósito para estarmos aqui. A razão humana (ou a falta de razão) parece não conseguir digerir a idéia de um Universo avesso a nós, em que nós na verdade não temos importância, mas somos apenas um minúsculo verme brincando nessa existência. Mas parece que, cada vez mais, vemos como somos insignificantes diante de tudo que esse Universo representa. A busca de Elizabeth aqui se assemelha a busca interna de cada um de nós. De fato, cada um dos personagens (os mais importantes, quero dizer) possui em si uma sede de desvendar esses mistérios da existência, que é o que os guia na sua missão no planeta desconhecido, mesmo aqueles ateus, como acontece com Holloway (observe sua descepção diante da impossibilidade de estabelecer uma determinada "conversa" no longa). Nós, como seres humanos, queremos respostas, mas essas respostas são de extrema complexidade e podem até mesmo não existir. Por quê afinal deve haver uma resposta? Simplesmente pelo fato de que a simples idéia niilista da falta de propósito na existência como espécie confere imensa falta de credibilidade a nossa própria existência. Para que existismos, se não somos especiais? Se não existe vida após a morte? Se não existe Deus... se só existe Caos...

  Ao apresentar questões de complexidade tão imensas quanto essas, Prometheus poderia facilmente cair na armadilha de respondê-las, já que alguma resposta poderia facilmente ser tratada como infantil. O longa as propôe, mas evita respondê-las, preferindo mandar o espectador para fora do cinema com pensamentos profundos, sabendo apenas que os segredos são tantos e que talvez nunca encontremos respostas, mas que vale pensar sobre elas. Os caminhos que a trama segue, aliás, são fascinantes justamente por ir nos colocando mais e mais contra a parede nessas indagações, nos fazendo perceber como somos estúpidos em nossos delírios de grandeza, ao mesmo tempo que não fecha a porta para a pergunta: existe algo a mais na existência, ou somos apenas isso, esse conglomerado de substâncias químicas? Aliás, uma das coisas mais fascinantes do filme é que ele evita responder até mesmo muitas questões simples sobre os alienígenas que vemos, ou sobre as contingências que os personagens vivem, assim como em Alien - O 8º Passageiro,Cloverfield eTriângulo do Medo, etc, já que seria "sorte" demais de, no meio da confusão criada aqui, eles simplesmente conseguissem descobrir, por acidente, muitas informações importantes.

  Ridley Scott parece mais interessado em nos fazer pensar nessas questões do que no suspense em si, e é por isso que Prometheus se parece mais com seu Blade Runner (um filme extremamente filosófico) do que com Alien - O 8º Passageiro (um filme mais voltado para o terror). Mas não que o longa não seja eficiente no quesito terror. Pelo contrário; Scott consegue um ótimo clima de tensão que deixa o espectador inquieto, não temendo usar bastante a violência gráfica para causar choque. Mas Prometheus é uma criança nesse ramo se comparado a Alien - O 8º Passageiro. Ainda assim, o longa chega ao ápice do terror naquela que talvez seja a sua melhor cena, quando acompanhamos um determinado "parto". Nesse momento, Scott mistura uma quantidade enorme de gore, com direito a muita escatologia exacerbada, ao mesmo tempo que cria uma cena angustiante que, se analisada mais a fundo, entra em perfeita consonância com as questões discutidas no filme, podendo levar a reflexões estranhas mas atraentes acerca de questões como por exemplo, da gestação de uma vida. E o fato de esse "parto" ocorrer com uma determinada personagem (não posso revelar, pois seriaspoiler) torna toda a situação ainda mais intrigante.

  Infelizmente, porém, Prometheus não é perfeito, e isso acontece principalmente pelo visual de suas criaturas. Uma das coisas mais fascinantes de Alien - O 8º Passageiro diz respeito justamente ao físico, ao visual do alienígena do filme. Criado pelo artista surrealista H.R Giger, o Alien é uma criatura completamente grotesca, satânica, além de complexa em toda a sua estrutura. Em Prometheus não vemos nada parecido, mesmo sendo o mesmo H.R Giger o seu criador. Os alienígenas aqui variam entre o "sem graça" e o "comum". Se a criatura vista no final é bacana, é inegável também a falta de imaginação do seu artista ao produzi-la. Mas o pior de tudo é o visual dos "Engenheiros", já que parecem mais sem graça que os humanos. Isso pode parecer pequeno, mas foi um tapa na minha cara, já que eu esperava algo grandioso como o Alien. Me decepcionei. Além disso, é ridícula a saída encontrada pelo roteiro para a resolução da ameaça á Terra no final do longa. Ridícula e completamente clichê. E o que dizer do modo completamente imbecil como descobrimos a verdadeira natureza e função das criaturas na "pirâmide"? Parece que foi simplesmente jogada lá porque os roteiristas não encontraram modo melhor de inserir a razão na trama. Uma pena. E o que dizer do completo desperdício de um atores competentes como Guy Pearce e Idris Elba em papéis que não oferecem desafio algum? Aliás, tirando os personagens que eu comentei, de fato a grande maioria se mostra tristemente unidimensional e (como dói escrever isso) artificiais, sendo que vemos um imbecil BRINCANDO com uma serpente alienígena, naquele que é o pior momento do filme.

  Então é isso. Prometheus vai se tornar um clássico no futuro? Sinceramente não sei. O filme é excelente na minha opnião, mas apenas o tempo pode revelar se esse será um clássico ou não. É melhor que Alien - O 8º Passageiro ou Blade Runner? De jeito nenhum. É um "2001 com esteróides"como afirmou Scott? Também não. Talvez não devêssemos analisar Prometheus sobre a ótica desses outros filmes, mesmo porque esses mesmos filmes não foram considerados clássicos da noite para o dia. Blade Runner mesmo foi massacrado pela crítica e ai está em listas e mais listas de melhores filmes já feitos. Prometheus vai ser assim? Não sei. Só sei que apreciei o filme.

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