Crítica Homem de Ferro 3 (Iron Man 3 / 2013 / EUA) dir. Shane
Black
por
Lucas Wagner
Tony Stark é um personagem fascinante.
Egocêntrico, alcóolatra, mulherengo, mal-caráter e mimado, ele passa longe de
ser a figura humana ideal que geralmente serve para ser um super-herói. Mas
talvez seja por isso mesmo, por renunciar ao anonimato auto-imposto por
super-heróis simplesmente por pensar como seria legal ser um e ser amado como
um, e coisas do tipo, que Stark seja tão amado pelos cinéfilos e fãs de quadrinhos.
Adoramos adorar um mal caráter. Mas ser simplesmente um bad boy não é o suficiente para ser um bom protagonista, e assim
passamos a conhecer camadas mais profundas e complexas da personalidade de
Stark, seja pelo cinismo e decepção que adquire quando vê que suas armas estão
sendo usadas por terroristas, seja pela sua solidão (que busca consolar através
da rica dinâmica que desenvolve com Pepper Pots), pelos seus problemas com seu
pai, pela responsabilidade de ser um super-herói, e por muitos outros pontos.
Foi explorando essa figura tão interessante que a Marvel fez de seu Homem de Ferro um sucesso tão grande de
público e crítica em 2008, onde o diretor Jon Fevreau conseguiu criar um longa
empolgante e engenhoso. E se Homem de
Ferro 2 acabou sendo um filme infantil e descontrolado, e por isso mesmo
disfuncional, trabalhando mal diversas e intrigantes oportunidades narrativas,
ainda assim há diversos pontos positivos principalmente em relação à Tony
Stark. Até mesmo no mediano Os Vingadores
Stark se destaca como um personagem complexo e tridimensional.
O mais bacana em relação a esses filmes em
que Stark aparece é que os realizadores buscam explorar âmbitos diferentes
dele, como seria se colocassem esse indivíduo em determinado meio e como ele
iria se comportar. Alterando as contingências, vamos descobrindo novos aspectos
dele além de percebermos como ele vai amadurecendo em frente a todas essas
novas variáveis. E assim chegamos à esse Homem
de Ferro 3, onde o diretor Shane Black (do extraordinário Beijos e Tiros, também protagonizado por
Robert Downey Jr.) assume as rédeas da direção e do roteiro (juntamente com
Drew Pearce) e busca levar a série para caminhos até então inexplorados e,
justamente por isso, interessantes.
Um dos melhores lances do roteiro é levar em
consideração tudo o que Stark já passou nos outros filmes e como ele está
mudado em relação a como era e como é. Para construir seu novo arco dramático,
os roteiristas buscam focar-se principalmente nos eventos ocorridos em Os Vingadores, e em como tudo aquilo
acabou afetando-o. Pensemos bem: ele era um gênio bilionário que vivia em um
mundo ordenado e controlado pela Ciência e tecnologia e que, de repente, se vê
envolvido em uma trama com alienígenas, múltiplas dimensões e buracos de
minhoca. Stark, então, tem todo o seu conceito de realidade alterado e por isso
mesmo ele acaba se isolando cada vez mais, tentando se guiar num mundo que não
parece mais conhecer. Dessa forma, sua dedicação à construção e aperfeiçoamento
de armaduras, se já parecia uma forma de terapia, aqui se transforma
inegavelmente numa terapia, com Stark tentando se manter longe de tudo e de
todos, dentro de um casulo ordenado e seguro. O que acaba sendo ainda mais
complexo é observarmos como a linha entre a sanidade e a loucura, que divide o
personagem, é tênue, quando toma uma decisão afobada e irresponsável ao ameaçar
logo de cara o vilão Mandarin, mesmo sabendo que não tem tanto poder contra
ele, ainda mais no estado em que se encontra. Também é uma boa sacada do
roteiro fragiliza-lo ainda mais ao coloca-lo sobre uma pressão constante que
acaba desencadeando crises de ansiedade cada vez mais intensas. Interessante
também é enxergar como, por exemplo, os roteiristas consideram como
desenvolvido o relacionamento entre Pepper e Tony e não buscam mexer em suas
bases, mas o desenvolve a partir do que já foi estabelecido nos filmes
anteriores, o que acaba conferindo maior força e maturidade para o casal. E o
sentimento que existe entre os dois, trabalhado principalmente no primeiro
filme, aqui se torna vital para que o arco dramático de Tony seja concluído com
propriedade. Apesar de tudo, é claro, Stark continua sendo o mal caráter que
adoramos, algo que fica bastante claro quando um garotinho sofrido pergunta,
depois de ter estabelecido um relacionamento de parceria e amizade com Stark:
“você vai me deixar aqui sozinho e ir embora, como meu pai fez?”, e recebe como
resposta um claro e nada sentimental “vou”.
Se o personagem continua tão eficaz, no
entanto, é mesmo a ainda impecável performance de Robert Downey Jr.. Cada vez
mais confortável ao viver o magnata, Downey Jr. mais uma vez demonstrando
imensa seriedade na composição do papel, embora se permita seus detalhes
divertidos de atuação que já sabemos poder esperar dele. Downey Jr. explora com
habilidade todas as dimensões possíveis de Stark, conferindo peso dramático
mais do que ideal ao sofrimento e confusão deste, conseguindo até mesmo tirar
qualquer possibilidade de alívio cômico de seus ataques de ansiedade, o que
seria inadequado e tiraria a força desses momentos. Apesar deste novo
desempenho fenomenal do ator e da adequada construção pelo roteiro, há ainda
alguns problemas de construção do personagem ao longo do filme, com muitas
vezes havendo uma clara confusão entre os roteiristas de como lidar com o
protagonista em determinados momentos, além de existirem oportunidades
desperdiçadas, como o relacionamento entre Stark e o garotinho, que poderia ter
algum subtexto simbólico que auxiliasse na resolução do arco dramático dele,
principalmente se considerarmos que ele mesmo, como o menino, teve uma infância
marcada por uma espécie de ausência paterna. Apesar disso tudo, é interessante
observarmos como a armadura Mark 42, com todos os seus erros e defeitos de
funcionamento, acaba refletindo a personalidade desconfigurada de Stark nesse
novo filme.
Homem
de Ferro 3 acaba encontrando problemas inegáveis, no entanto, é mesmo no
desenvolvimento de sua trama. Repleta de furos de lógica e coincidências
enfadonhas, que acabam desafiando um pouco a paciência do espectador, a trama
dessa nova aventura acaba até mesmo fugindo do que já vinha sendo estabelecido
nos trabalhos anteriores. Antes, era bastante evidente o esforço do diretor Jon
Fevreau em tornar o mais verossimilhante e realista possível o universo de Homem de Ferro (em especial no primeiro
filme), investindo inclusive bastante tempo mostrando Stark construindo sua
armadura, ressaltando as dificuldades e tentativas frustradas do herói até
chegar no resultado final. Além disso, Fevreau buscou calcar os acontecimentos
daquele universo no mundo real, com problemas reais, inclusive no que se refere
à geopolítica, tornando tudo ainda mais realista. No entanto, com Os Vingadores, que já inseriu o Homem de
Ferro num contexto mais fantasioso, Shane Black e Drew Pearce acabam trazendo o
universo de Stark para elementos mais fantásticos, com pseudo-explicações
científicas para vilões que chegam até mesmo a cuspir fogo. Não que essa
inserção de aspectos fantásticos seja de todo um erro, já que se levarmos em
conta o universo Marvel como um todo e Os
Vingadores, faz completo sentido que isso aconteça. Minha opnião pessoal,
no entanto, é de que enfraqueceu um pouco o longa. Aliás, já que devemos
considerar agora a Marvel como um universo unido, por que é que o resto dos
Vingadores não apareceu para ajudar seu colega em momentos e tribulações tão
extremas como as que está lidando?
Ainda assim, o que acaba sendo mais
decepcionante é como esse novo filme descarta qualquer possibilidade de crítica
sócio-política, algo que o primeiro e o segundo exploram. No primeiro filme,
fica claro o subtexto de que aquela trama serve de referência ao caráter
cíclico do comércio de armas mundial, onde a indústria bélica norte-americana
acabava influenciando diretamente o terrorismo mundial. Já no segundo, os
subtextos críticos se atrapalham todos (pelo roteiro mal escrito), mas ainda
assim há material para se pensar. Nesse terceiro longa existem pontos que
poderiam ser desenvolvidos (quais as consequências, por exemplo, da existência
do Patriota de Ferro?), mas acabam sendo ignorados. Os discursos do Mandarin,
por exemplo, muito revelam sobre a influência norte-americana em acontecimentos
como o 11/09, e também há detalhes pontuais sobre o descaso com o derramamento
de petróleo, mas percebe-se que isso tudo é mero pano de fundo e que não há
qualquer evidencia no roteiro de uma reflexão mais crítica quando vemos, por
exemplo, como o presidente dos EUA é ilustrado como um homem justo e corajoso
(e vê-lo usando a armadura do Patriota de Ferro, em certo momento, foi
extremamente tosco, além de, propositalmente ou não, transmitir uma mensagem
subliminar muito pouco sutil).
Ainda assim Homem de Ferro 3 possui outros atrativos válidos, como a direção de
Shane Black. Já me tendo como fã desde que realizou o já citado Beijos e Tiros, Black se revela uma
escolha acertada para assumir esta franquia ao demonstrar pulso firme para
alternar com habilidade absoluta momentos mais intensos e outros mais leves.
Com um ritmo frenético (talvez para tornar mais difícil de se enxergar os furos
do roteiro), Black cria um longa empolgante explorando aspectos mais profundos
de Stark sem nunca tentar torna-los mais leves, com medo de que esses aspectos
acabassem tirando o herói do pedestal onde o colocamos. Assim, Stark aparece em
todos os momentos aqui como uma figura mais falha e fragilizada, nunca
parecendo um verdadeiro e absoluto herói. Com um humor sutil e extremamente
eficaz, Black explora ainda possibilidades criativas intrigantes ao, por
exemplo, colocar Stark em um momento que parece ter saído diretamente de um
exemplar de Missão Impossível.
Atentando para detalhes, o diretor acerta, como Fevreau fez antes, ao ressaltar
dificuldades técnicas das novas armaduras e os problemas que o herói enfrenta
quando essas o deixam na mão. Além disso tudo, percebe-se claramente que esse é
o mesmo diretor sarcástico que dirigiu Beijos
e Tiros na trolada que ele dá em seus espectadores em relação à reviravolta
do personagem Mandarin, que, se a princípio enxerguei como um erro, depois
percebi a inteligência do diretor nessa reviravolta, principalmente ao
lembrarmos que ele escalou um ator de peso como Ben Kingsley para viver tal
personagem, obrigando-nos a leva-lo a sério e desviando qualquer pensamento que
poderíamos ter sobre sua verdadeira identidade. Mas é mesmo nas cenas de ação
que Black se sobressai completamente, criando sequências intensas e
extremamente bem montadas, que se beneficiam ainda mais do fato do diretor
criar conceitos quanto às armaduras nesse longa que se inserem de maneira
orgânica no contexto das batalhas e que ele explora ao máximo, aumentando a
adrenalina, além de Black mostrar-se competentíssimo ao incluir montes e montes
de pistas que serão usadas nas sequências de ação ao longo do filme.
Quanto ao elenco (além de Downey Jr.),
Gwyneth Paltrow fica presa à um arco dramático não tão interessante quanto a
Pepper, impedindo-a de fazer um trabalho eficaz como fez anteriormente; ainda
assim, a atriz merece muitos créditos por deixar bastante evidente o
amadurecimento de Pepper desde o primeiro filme, que passou de uma moça
submissa (apesar de tridimensional) para uma mulher madura e forte. Rebecca
Hall (de O Grande Truque, O Despertar, Vicky Cristina Barcelona, Atração
Perigosa, etc), mesmo com menos tempo em tela, consegue transformar sua
personagem cientista numa figura extremamente complexa e ambígua, cuja moral e
determinação é constantemente ambivalente. Guy Pearce (de Amnésia) cria um bom vilão em Aldritch Killian, sendo tenso e
transmitindo sensação de perigo, além de colocar-se como um adversário à altura
do Homem de Ferro, embora suas motivações nunca se tornem muito claras e os
conflitos que o movam sejam muito rasos (até agora, por sinal, a série Homem de Ferro nunca teve um vilão muito
complexo). Já Ben Kingsley se diverte absurdamente como Mandarim,
principalmente se levarmos em conta a revelação sobre ele; atentem até mesmo
para a entonação do ator no fim de cada frase que diz e perceberão um cuidadoso
trabalho de composição de personagem, mesmo que ele, profissional veterano que
é, esteja claramente considerando seu papel aqui como um divertido passatempo.
O mais interessante de tudo é a emoção que
sentimos na sequência final, quando o arco dramático de Tony Stark é fechado com muita habilidade, e fica bastante claro o amadurecimento
que esse indivíduo sofreu ao longo de todos os acontecimentos que acompanhamos
desde que foi feito prisioneiro por terroristas no Oriente Médio. A ligação que
sentimos com o personagem nesse momento, o sorriso sincero que damos ao
percebermos que o conhecemos quase como que um amigo, acaba superando em grande
parte os inegáveis problemas que encontramos nas duas horas em que estivemos na
sala de cinema. Por isso mesmo, mesmo que sem a densidade e complexidade da
trilogia Batman, e relevância de um X-Men ou a sensibilidade de um Homem Aranha (especificamente os dois
primeiros de Sam Raime, não o terceiro e nem o reboot do ano passado) é que Homem
de Ferro continua uma franquia competente que ainda pode dar bons frutos.
Nota:
7.0 / 10.0